Rhuan Maicon da Silva Castro, de nove anos, foi morto em 31 de maio, em Samambaia, região administrativa do Distrito Federal. Antes de ser assassinado, o garoto foi mutilado e torturado. A mãe do garoto, Rosana Auri da Silva Cândido, confessou ter cometido o crime com a ajuda de sua companheira Kacyla Pryscila Santiago Damasceno Pessoa.

Print do Stories da atriz Isis Valverde

O caso choca pela crueldade evidenciada pelos detalhes da história, por ser um ato praticado contra uma criança e por se tratar de um filicídio, subvertendo as expectativas sociais sobre o comportamento de uma mãe.

Desde que foi divulgada, a tragédia tem sido também transformada em munição para justificar o ódio a minorias, principalmente à comunidade LGBT, já que as acusadas de praticarem o assassinato formam um casal de lésbicas. Artes disseminadas pelas redes, como a imagem com o símbolo do feminismo esmagando o corpo de Rhuan divulgada pela atriz Isis Valverde em seu Stories, também relacionam o caso a movimentos sociais e à chamada “ideologia de gênero”. Isis posteriormente apagou a imagem, afirmando tê-la publicado por engano.

 

ASSOCIAÇÃO PERIGOSA

 

A associação requer um contorcionismo por parte de radicais conservadores, que aparentam uma preocupação maior em macular comunidades com as quais não se identificam por motivos políticos do que com o sofrimento da criança. Ligar um assassinato isolado ao feminismo ou à comunidade LGBT não ajuda a solucionar o caso. Tampouco ajuda a prevenir outras situações parecidas de violência contra crianças.

O delegado-adjunto da 26ª Delegacia de Polícia, Guilherme Melo, responsável por conduzir a investigação, qualificou o caso como “bárbaro”. Ele relatou ainda que as duas mulheres disseram ter visões divinas: “Descobrimos indícios que o crime pode ter, sim, motivação religiosa. Elas, inferidas por espécies de visões divinas ou demoníacas, podem ter praticado a morte por conta disso”, afirmou.  A mãe acusada de praticar o crime se classificava como vingativa e se comparava com o Deus justiceiro do Velho Testamento da Bíblia. Ainda segundo o Delegado, “o fanatismo [das acusadas] não tá vinculado, especificamente, a nenhuma igreja, embora elas tenham formação evangélica. Essas atividades, atitudes e rotinas eram criadas por elas mesmas com base em interpretações próprias da palavra bíblica, das ‘revelações’ que tinham e dos ‘sonhos proféticos’. Portanto, não há uma vinculação específica a um segmento religioso”.

A descrição se encaixaria mais com uma necessidade de se obter um diagnóstico psiquiátrico das duas acusadas do que de se apoiar no caso como uma plataforma política de caça às bruxas.

Nada até o momento vincula o casal ao feminismo. Utilizar a tragédia como combustível para críticas ao movimento não só é irresponsável, é ilógico. Amplo e com muitas vertentes, o feminismo tem como objetivo principal uma equiparação dos direitos entre pessoas de diferentes gêneros. Sua filosofia combate padrões do patriarcado que oprimem as mulheres, luta por uma maternidade desejada, voluntária e socialmente amparada, não visa a aniquilação de homens e meninos.

Os movimentos e a luta da comunidade LGBT buscam apenas a expansão dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e travestis. Não existe uma violência sistêmica praticada por feministas e LGBTs contra crianças. O assassinato de Rhuan é um caso independente. Não há uma repetição de perseguição a crianças por parte de minorias que se compare numericamente aos casos de crimes de ódio baseados em gênero, em homofobia ou transfobia.  Acusar a relação entre os assassinatos e o fato das acusadas serem lésbicas faz tanto sentido quanto julgar que a religião é responsável por filicídios, pelo fato das acusadas serem religiosas.

É importante frisar que, infelizmente, muito além de uma preocupação genuína com o menino Rhuan, o que está sendo veiculado é um populismo penal que atiça nas pessoas uma curiosidade mórbida sobre os detalhes do assassinato. Além disso, algumas pessoas tem se valido de uma agenda política que visa utilizar o caso para promover ainda mais a marginalização de LGBTs.

O que se diz é que a mídia não estaria noticiando o caso. No entanto, há reportagens do Globo, Época, UOL, Folha, entre muitos outros a ser verificado por quem tenha curiosidade de procurar.

 

VIOLÊNCIA INFANTIL

 

Existe sim um quadro preocupante de violência direcionada à população infantil. No país, 68% das crianças com até 14 anos já sofreram violência corporal em casa, segundo o estudo ‘Ending Violence in Childhood: Global Report 2017’.

Os órgãos de saúde do Brasil contabilizaram 22,9 mil casos de estupro no país só em 2016, segundo o Atlas da Violência 2018, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Entre as vítimas, 51% têm até 13 anos e foram abusadas por amigos ou conhecidos (30%) e pai ou padrasto (24%).

Esses números e casos como o assassinato brutal do menino Rhuan alertam para uma necessidade de aprimoramento do combate à violência contra a criança. Em 2014, por exemplo, foi promulgada o que ficou conhecida como a “Lei da Palmada“, que estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos físicos. No entanto, entre o direito previsto na lei e sua eficácia existe um vão que exige políticas públicas. Seria o caso de modificar as campanhas de planejamento familiar? Acabar com a estigmatização sobre os transtornos mentais e ampliar o acesso aos diagnósticos e tratamentos psiquiátricos?

A prevenção e solução para essa problemática devem ser estudadas para que se alcance uma resposta adequada. O que é claro é que usar mortes de crianças para acusar minorias não traz qualquer benefício, só danos.

 

Rafaela Tavares Kawasaki. Jornalista de 31 anos, autora do livro de contos “Enterrando Gatos”.