Calma. O título é terrível. Eu sei.

Mas aqui estou abrindo um diário de criança, tá? Uma criança dos anos 80 que tinha como objetivo entrar na nave da Xuxa e ver se ela voava ou não. Ver o que tinha dentro.

Nunca entrei na nave da Xuxa, mas sei o que tinha dentro: cenário, fios que não funcionavam e tinha que chamar alguém e uma criança querendo sempre mais e se frustrando ao descobrir que a nave não saia do lugar e que era melhor ter ficado sonhando com o voo.

Lá, naquela infância no interior de São Paulo, ser famosa era o passaporte para a nave da Xuxa. Era o ingresso para o cenário, para a imaginação e para acontecimentos que talvez pudessem dar conta de tanta sensibilidade e (hoje sei) ansiedade também.

Portanto, você que me lê, saiba que eu passei uns 20 anos da minha vida querendo ser famosa e achando que estaria ali todas as soluções para o meu problema.

Digo isso agora pois percebi que esse sonho tem voltado aos poucos, de mansinho, num silêncio de uma insônia. O que está acontecendo comigo, afinal?

Esses dias vi que o livro da Xuxa está entre os mais vendidos na pré-venda de alguma grande livraria. Entendo. Talvez eu compre, inclusive. Mas, poxa, tive aqui um desespero de pensar que a criança que fui estava certa, pelo menos no que diz respeito a ser artista. Ser famosa é um passaporte para nave da Xuxa. E nessa nave tem o meu maior desejo como artista: reconhecimento e sustento.

Vejam, não adianta a gente ficar escondendo o sol com a peneira. O mundo está aberto para quem vende mais. Para quem gera mais engajamento ou para quem (a gente descobre depois isso) tem lá os contatos, parentescos, apadrinhamentos.

É feudal.

O sistema de reconhecimento dos artistas no Brasil passa pela fama, que passa pela Globo que passa pelo comercial da Globo. E eu aqui…escrevendo. Talvez eu devesse parar tudo e investir em contatos. Talvez eu devesse parar tudo e gravar um vídeo polêmico e viralizar. Talvez eu precisasse escrever agora uma frase numa capa neon e dizer “Você pode tudo!” e vender um monte e aparecer no programa da emissora mais vista do Brasil.

Eu não consigo. Quando eu era criança, queria ser famosa. Mas nunca havia me perguntado: ser famosa fazendo o quê?

E agora que eu sei a resposta, percebo que não quero ser famosa, mas, sim, reconhecida e paga pelo que escrevo, produzo, invisto tempo e amor. Percebo que, na verdade, eu quero que a arte seja uma profissão possível. Eu quero que a arte seja uma profissão possível mesmo para quem não viraliza.

Sempre tem que chegue lá. Odeio essa expressão “chegar lá” como se todos nós, que não “chegamos lá” estivéssemos num não-lugar. Aqui não vale como espaço. É preciso chegar “lá”.

E o “lá”, senhoras e senhores, para as mulheres artistas, é um lugar de ser jovem, empoderada (no sentido mais cafona da palavra) e impecável no corpo e na pele e no cabelo. Esse lá é um lugar que, a cada ano que passa, eu me encaixo menos por cometer o crime de estar envelhecendo e deixando a natureza riscar minha cara e meu corpo e colocar nele novos territórios, novas prioridades.

Aqui uma pequena provocação: você conhece alguém que foi reconhecida artisticamente depois dos 40? E que tenha conseguido se consolidar como artista?

Não ligaria para isso se disso não dependesse meu pagamento e minhas oportunidades de estar em circuitos importantes. Não ligaria para isso se disso não dependesse ter quem me leia.

É cruel. Eu não quero ser famosa. Eu quero ter uma profissão e ser paga por ela, mas…talvez não dê tempo.

 

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