Foi aprovada ontem, dia 17 de dezembro, pelo Senado, a inclusão do crime de feminicídio no Código Penal[1]. Trata-se do PLS 292/2013, apresentado pela Senadora Gleisi Hoffmann (PT), um grande avanço de uma pauta feminista na legislação penal brasileira. Mas o que quer dizer feminicídio e o que efetivamente vai mudar na lei?

Feminicídio é o assassinato cometido contra mulheres pelo fato de serem mulheres:

Se refere a um crime de ódio contra as mulheres, justificado socioculturalmente por uma história de dominação da mulher pelo homem e estimulado pela impunidade e indiferença da sociedade e do Estado. Conforme o Relato Temático sobre Feminicídio da Relatora Especial Rashida Manjoo, “antes de configurar uma nova forma de violência, assassinatos relacionados a gênero são a manifestação extrema de formas existentes de violência contra as mulheres”. Tais assassinatos não são incidentes isolados que surgem repentina e inesperadamente, mas sim o ato último da violência contra as mulheres, experienciada como um contínuo de violência. [2]

O crime de feminicídio vem, portanto, retirar da legislação penal e do senso comum da prática jurídica que o crime contra a mulher é um caso isolado, um crime “passional”, para considerá-lo dentro de um contexto social que violenta mulheres cotidianamente:

A ONU Mulheres estima que, entre 2004 e 2009, 66 mil mulheres tenham sido assassinadas por ano no planeta em razão de serem mulheres. (…) A incidência desse tipo de crime está aumentando no mundo inteiro, sendo a impunidade norma. Esse tipo de violência extrema não conhece fronteiras e manifesta-se, de diferentes formas, em todos os continentes do mundo. [3]

E não poderia ser diferente por aqui:

No Brasil, entre 2000 e 2010, 43,7 mil mulheres foram assassinadas, cerca de 41% delas mortas em suas próprias casas, muitas pelos companheiros ou ex-companheiros, com quem mantinham ou haviam mantido relações íntimas de afeto e confiança. Entre 1980 e 2010, dobrou o índice de assassinatos de mulheres no país, passando de 2,3 assassinatos por 100 mil mulheres para 4,6 assassinatos por 100 mil mulheres. Esse número coloca o Brasil na sétima colocação mundial em assassinatos de mulheres, figurando, assim, dentre os países mais violentos no mundo nesse aspecto. [4]

Mas o que efetivamente muda, então?

O que muda é o artigo 121 do Código Penal. Ele é assim atualmente:

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguem:

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1º  Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido: I – mediante pagamento ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo futil; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

Homicídio culposo

§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)

Pena – detenção, de um a três anos.

Aumento de pena

§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

§ 5º – Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

§ 6º  A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.

E agora serão acrescentados mais dois parágrafos:

§ 7º Denomina-se feminicídio a forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher quando há uma ou mais das seguintes circunstâncias: I – relação íntima de afeto ou parentesco, por afinidade ou consanguinidade, entre a vítima e o agressor no presente ou no passado; II – prática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima, antes ou após a morte; III – mutilação ou desfiguração da vítima, antes ou após a morte:Pena – reclusão de doze a trinta anos.

§ 8º A pena do feminicídio é aplicada sem prejuízo das sanções relativas aos demais crimes a ele conexos.

Devemos fazer uma pausa, então, pra comemorar. Comemorar que teremos agora uma legislação penal que está mais preocupada com a violência contra a mulher e também pelo efeito simbólico de mudança na legislação que é o de não esconder mais essa violência específica dentro de algo generalizante como é o “homicídio”, tratando-a como efetivamente é: feminicídio. No entanto, será uma pausa. E uma pausa breve. Mulheres ainda estão sendo mortas todo dia no Brasil e isso, infelizmente, não muda com essa lei.

Bruna Leão é cofundadora do Não Me Kahlo, escritora e ocasionalmente advogada

Fontes:

[1] http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/12/17/aprovada-inclusao-do-feminicidio-no-codigo-penal

[2] http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=133307&tp=1

[3] http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=133307&tp=1

[4] http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=133307&tp=1