As pessoas assistem a vídeos, leem relatos, veem fotos, escutam histórias de parentes e amigos. Depois pesquisam em redes sociais, jogam no Google, participam de grupos de apoio e rodas de doula. Decidem por uma equipe e passam meses tirando dúvidas, criando vínculo, destrinchando todo o processo de parto e suas nuances, falando sobre inseguranças e acertando os detalhes. Ainda assim, com toda uma trajetória cheia de particularidades e individualidades e a despeito de toda a informação provida, ainda tem gente que acha que parir é apertar um botão e sair um bebê de dentro da mulher.

Eu fico surpresa, sinceramente.

Não tenho nada contra idealizar o parto, nutrir expectativas, fazer planos, sonhar, planejar. Ok, se você se imagina sorrindo numa banheira límpida com pétalas de rosas e com a equipe a seu redor te apoiando sob o céu fake de estrelas do pré-parto. Mas é fundamental (e urge!) ter em mente que tudo isso é parte da construção do melhor possível e não há garantia alguma de que tudo ocorrerá como você desenhou na sua cabecinha. Os vídeos de parto, as fotos editadas, os relatos, as opiniões, as versões… tudo são recortes da vivência de alguém, sob o ponto de vista dessa pessoa, não dão conta de tudo que pode acontecer durante um parto e não devem ser tomados como roteiro para o que irá acontecer com você. Até porque não irá. O seu parto não será comparável ao de absolutamente ninguém.

Parto tem dor, tem grito, tem sangue, envolve todos os fluidos corporais e é selvagem. É entrega. É punk. Parto não tem hora, não tem tempo, não tem qualquer previsibilidade de início, meio e fim, não existe “média”. Não existe 100% de controle e Medicina não é ciência exata… e Obstetrícia, muito menos. É repleto de momentos desprovidos de qualquer romance e quase sempre bate insegurança, cansaço, medo, desespero, sensação de que nunca vai acabar e de que não será possível. Só que é e só depende de você. O parto não é meu e eu não vou parir por ninguém. É lindo porque é justamente como a vida é em si: complexa, intensa, única… e nada fácil.

Quando bato na tecla da entrega indispensável a um nascimento não me refiro somente a aceitar que vai doer fisicamente (e vai mesmo!) – vai doer muito mais fundo do que você imagina, muito mais intensamente do que uma contração uterina (ou incontáveis delas). Dói enfrentar e vencer seus próprios fantasmas. Dói deixar ser, deixar ir, perder o controle. É difícil perceber que ninguém irá fazer isso por você – eu não posso e não vou, por exemplo. E, acima de tudo, dói admitir que o parto era só o começo e que, daqui pra frente, nada mais será como um apertar de botão na máquina de refrigerante.

 

*Texto originalmente publicado no Instagram @biaherief.

 

Anna Beatriz Herief é Ginecologista e Obstetra com foco na saúde da mulher e humanização do nascimento.
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