Em “The Harm in Hate Speech”, Jeremy Waldron define discurso de ódio como “publicações que expressam o profundo desrespeito, ódio e a válida vilificação de membros de grupos minoritários” (tradução livre). Nesta definição, Waldron se preocupa, especialmente, com discursos de ódio que podem ser publicados, como em jornais, livros, blogs e até mesmo nas redes sociais, mas o discurso de ódio vai além dessa forma. O que todos os discursos de ódio têm em comum é a temática, mas eles podem ser realizados em diferentes esferas de atividades, inclusive por meio de monumentos.

É importante ressaltar o que as estátuas de bandeirantes, escravocratas, genocidas, verdadeiramente são. Elas não são uma obra completamente esvaziada de contexto. São homenagens a pessoas consideradas relevantes, importantes, memoráveis, cujos feitos são celebrados a partir de sua imagem. Nada como homenagear alguém criando um altar onde ela pode ser revisitada a partir de uma estátua que perpassa o tempo ali, intocada. A ideia de que esses monumentos devem ser preservados como objetos de estudo e reflexão ou por serem parte do “patrimônio histórico” é mentirosa. Essas estátuas podem ir para museus, por exemplo, onde, aí sim, podem ser estudadas em visitas guiadas. Na cidade, elas são homenagens. São discursos de ódio. O que essas obras representam para a cidade? Para a sociedade?

Waldron usa a concepção de John Rawls de “well-ordered society”, livremente traduzida como uma sociedade bem-ordenada, que pode ser brevemente definida como: “[…] uma sociedade cuja estrutura básica foi regulada (e sabidamente regulada) por certos princípios de justiça e habitada por pessoas que levaram a sério a ideia de justiça”. A sociedade bem-ordenada é a que todos aceitam, e sabem que todos aceitam, os mesmos princípios de justiça. E Waldron é especialmente interessado nessa ideia de que a sociedade pode ser clara a todos que são de fora de quais são seus princípios fundamentais de liberdade, igualdade e dignidade. É daí que decorre a preocupação estética de uma sociedade bem-ordenada.

A estátua de um bandeirante que percorreu o Brasil caçando índios perpetua o discurso de ódio contra essa parte da população. Estátuas, monumentos, cartazes, propagandas, tem uma qualidade a mais que as palavras, por serem mais duráveis, enquanto as palavras desaparecem depois que são proferidas. Ao contrário das palavras, portanto, o monumento está sempre ali para constantemente lembrar o grupo ao qual é dirigida a sua mensagem. É um discurso de ódio permanentemente escancarado.

Quando o discurso está posto, pendurado, publicado, exaltado em monumentos, ele modifica o ambiente e eles são feitos exatamente com esse propósito: criar um ambiente no qual o discurso de ódio está visível, tornando a cidade opressiva para quem aquele discurso é direcionado. Portanto, essa preocupação estética não é uma preocupação frívola e nem superficial. Não é uma preocupação fundada no propósito de ter uma sociedade bonita, e sim de criar segurança no espaço público, onde as pessoas podem sair de casa e viverem suas vidas sem serem discriminadas e sem serem atingidas por um monumento que representa a ideia de que elas não pertencem àquele lugar.

Esse sentimento de segurança evapora com discursos de ódio espalhados pela cidade, ecoados na internet, presentes em todo lugar frequentado pelo indivíduo.  Waldron chama esse sentimento de segurança no espaço que habitamos de um bem publico (“public good”). Para Waldron, uma sociedade bem ordenada tem um interesse sistêmico e estrutural de prestar ou prover esse “bem público”. E essa segurança depende e surge a partir do que centenas ou milhares de cidadãos fazem individualmente ou coletivamente. A própria sociedade tem que se comprometer à justiça.

 

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