Sinopse:

O romance de estreia da argentina Ariana Harwicz, escritora publicada pela primeira vez no Brasil, traz a história de uma mulher profundamente abalada pelo casamento e pela maternidade.

Em uma região esquecida do interior da França, uma mulher luta contra seus demônios: ao mesmo tempo que abraça a exclusão, deseja pertencer; que almeja a liberdade, sente-se aprisionada; que anseia pela vida familiar, quer botar fogo na casa.

Casada e mãe de um bebê, ela se sente cada vez mais sufocada e reprimida, apesar de o marido aceitar seu estranho comportamento. A condição feminina, a banalidade do amor, os terrores do desejo, a maternidade e a brutalidade inexplicável “de levar seu coração com o outro para sempre” – esse romance aborda todas essas questões com uma intensidade crua e até mesmo selvagem.

É impossível sair ileso de Ariana Harwicz: em um texto corajoso que explora os efeitos desestabilizadores da paixão e da sua ausência, imerso na psique de uma protagonista feminina à beira da loucura, Morra, amor tem uma prosa irreverente e um lirismo sem remorsos, constituindo uma experiência de leitura viciante.

O livro foi adaptado para o teatro na Argentina e em Israel e teve grande reconhecimento da crítica internacional. Publicado originalmente em 2012, é a primeira parte de uma trilogia “involuntária”, chamada por Harwicz de “trilogia da paixão”, tendo em vista que os três livros exploram a relação entre mães e filhos. Dela também fazem parte os romances La débil mental [A débil mental], de 2015, e Precoz [Precoce], de 2016. Harwicz também é autora de Degenerado (2019).

 

Resenha

 

Este é o tipo de livro que entorpece a gente, desde o título até os mais profundos pensamentos da personagem. É como se a história nos sugasse para dentro dela, empurrando a gente até o cérebro da mulher que está ali, narrando a sua vida, num fluxo de consciência muitas vezes difícil de acompanhar.

No começo da leitura, tive a impressão de que a mulher vive um processo de depressão pós-parto. Suas palavras são aparentemente confusas e parece que ela está tentando muito se adaptar à nova rotina de mãe, esposa e dona de casa. No passar das páginas, o livro vai se tornando cada vez mais denso e cortante, muitas vezes de maneira literal para a personagem, já que a protagonista invariavelmente se refere a facas, cortes, machucados, morte.

“Estava a poucos passos deles, escondida entre as ervas daninhas. Eu os espiava. Como é que eu, uma mulher fraca e malsã que sonha com uma faca na mão, era mãe e esposa desses dois indivíduos? O que fazer? Escondi o corpo afundando na terra. Não ia matá-los. Deixei cair a faca. Fui pendurar a roupa como se nada. Prendi bem as meias do meu bebê e do meu homem. As cuecas e as camisas. Eu me vi como uma caipira ignorante que pendura roupa e seca as mãos na saia antes de entrar na cozinha. Não notaram”.

Uma família aparentemente feliz, que mora numa afastada região do interior da França. Uma mulher que tenta lidar com seus demônios, arrependimentos, desejos de liberdade e a sensação de sufocamento, que faz parecer quase concreta para quem está lendo. Estamos diante da maternidade real, exaustiva, crua e muitas vezes até selvagem, assim como é a vida conjugal e seus desejos mais reprimidos.

Ariana Harwicz desperta em nós os mesmos sentimentos de conflito da protagonista à beira da loucura, nesse livro que vicia e traz à superfície os pensamentos mais obscuros que só alguém ultrapassando os limites da sanidade pode ter. Trata-se de um texto que choca e nos afasta do lugar-comum dos romances sobre família e maternidade. É a história de uma mulher que não suporta a vida bucólica, é indiferente aos vizinhos, ironiza os cotidianos familiares, como as noites de Natal ou um almoço de domingo. A narrativa de uma protagonista que luta entre o amor por um bebê que depende exclusivamente dos seus cuidados, e o desejo de sumir da vida daqueles que não a enxergam da maneira que ela se vê.

Durante toda a jornada dessa mulher, podemos sentir o ir e voltar dos estados mais primitivos e solitários que a sua mente consegue chegar. Seu desespero é proporcional às vezes que se machuca. É equivalente ao seu esforço para despertar algo além da apatia e desprezo que sente pelo marido, pelas convenções sociais e pelas obrigações de ser quem os outros esperam é quase palpável. A autora me fez entrar na história como se eu mesma estivesse sentindo o sangue escorrer pelo corpo. Eu poderia colocar fogo naquela casa, do jeito que a personagem tanto gostaria.

O livro traz a instabilidade como processo de cura e de reencontro consigo mesma. Um relato corajoso e sem pesar, que na vida real, raramente conseguimos presenciar.

 

Editado por Bruna Rangel e revisado por Júlia Zacour

Natália Lopes. Graduanda em Letras, apaixonada por literatura e aspirante à escritora. Escreve sobre a vida e sobre livros no blog: www.ensaiandopalavras.com

 

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