Parte da vida da minha de solteira significa passar um tempo conversando com muitas pessoas.

Vejo isso por dois lados, um positivo e um negativo: primeiro, a falta de paciência imensa e, por outro lado, o interesse genuíno de trocar ideia com pessoas diferentes.

E quando digo diferentes, digo no sentido de entender o que move sexualmente cada pessoa, quais seus fetiches, no que sentem tesão, o que gostariam de fazer e nunca fizeram e coisas do tipo. Por isso, não por menos o papo desenrola para troca de nudes e vídeos apimentados. Mas às vezes isso acaba em algumas situações inesperadas. Naquela noite silenciosa, não imaginava o que estava porvir.

Conversava em um app com um grupo de amigos, quando pintou uma mensagem de um desconhecido. Fiquei curiosa para saber quem era. Em inglês, ele começou dizendo:

– Te encontrei em um app de bdsm 🙂 podemos conversar?

O que eu mais faço é falar. Porquê não?

Conversa vai, conversa vem ele me explica que tem fetiche com humilhação. Talvez você ache isso estranho, cara leitora, mas no universo bdsm, isso é bastante comum.

Só que o fetiche de humilhação dele era de humilhação específica: “porque eu tenho o pau pequeno”, disse.

Nisso, o cara manda um vídeo não solicitado. Nele, o rapaz se masturba e impressionantemente o pinto dele é minúsculo. Mas um minúsculo tão minúsculo que ele se masturba com o dedo indicador e o dedão, porque o membro não é suficiente nem para uma bronha de mão completa.

Esse fato me desconcertou ao ponto que nem me lembrei mais de reclamar da atitude ridícula de mandar o vídeo do nada. O cara se masturbando orgulhosamente com seus dois dedinhos, para mim, era a coisa mais curiosa que tinha me acontecido em muito tempo. Eu atenciosamente me vidrei no vídeo, fascinada.

Veja só, era um cara com um pinto minúsculo, orgulhoso de exibi-lo e que encontrou no bdsm uma forma de viver sua sexualidade plenamente. Muito provavelmente, fora do bdsm ele seja ridicularizado, mas no bdsm ele se encaixa em seu próprio nicho. Afinal, existe gente com tesão para tudo, inclusive para pinto pequeno.

Apesar de ser esse o fetiche dele, existem pessoas que certamente não gostariam de serem ridicularizadas pelo tamanho do seu pênis.  Vivemos numa sociedade extremamente falocêntrica. As piadas com pinto pequeno são regulares e a ideia que reina é que “homem que é homem” é aquele pintudo.

É claro que falocentrismo é muito mais do que falar apenas de pau e prazer. Para a psicanálise, falo não é a mesma coisa que pênis. Foi Freud quem começou uma análise acerca do falo que até hoje divide opiniões. Freud organiza “a questão da sexualidade humana, procurando, por meio dos complexos de Édipo e de castração, explicar como o sujeito acede ao posicionamento subjetivo feminino ou masculino” [1]. A partir de então, muitas feministas denunciaram o sexismo presente na obra, pela consideração da mulher enquanto sujeito castrado e do conceito da “inveja do pênis”:

Quando começou a segunda onda do feminismo, ao final da década de sessenta, as feministas não queriam comércio com Freud. Por meio de obras como Sexual Politics [Política Sexual] de Kate Millett ficava claro que, embora a psicanálise pudesse estar associada com a libertação das restrições sexuais vitorianas, ela não passava de outro agente de opressão das mulheres, prescrevendo um lugar apropriado para as mulheres e ajudando o ajustamento a esse lugar. [2]

É a partir da obra da psicanalista e feminista Juliet Mitchell que se tenta conciliar o feminismo com a psicanálise freudiana. Segundo Ana Costa e Flávia Bonfim, em Percurso sobre o falo na psicanálise: primazia, querela, significante e objeto a, “o que é sustentado como elemento organizador da sexualidade não é o órgão genital masculino, mas a representação psíquica imaginária e simbólica construída a partir desta região corporal do homem”. Ou seja, o pênis é o órgão biológico e o falo é uma representação simbólica. Com base em Lacan, se faz a distinção entre pênis e falo:

Em 1974, apareceu Psychoanalysis and Feminism [Psicanálise e Feminismo] de Juliet Mitchell. De repente, uma teórica feminista reconhecida endossava Freud publicamente sem renunciar à sua posição feminista. O freudismo feminista de Mitchell se tornara possível por causa da obra do psicanalista francês Jacques Lacan. Como a leitura que Lacan fazia de Freud localizava a sexualidade na linguagem, isto é, na cultura, o Freud lacaniano não mais prescrevia a normalidade mas descrevia os conflitos e inquietações de um animal bissexual que, para funcionar no mundo social, precisa tornar-se homem ou mulher – assumir uma identidade sexual alienada. A obra de Lacan produziu um Freud que poderia ser útil para o feminismo. Mas muitas feministas ainda encontram muito a que resistir em Lacan.

Em “Além do falo”, Jane Gallop sustenta a indissociabilidade de pênis e falo:

Saber se podemos separar o falo do pênis anda junto com saber se podemos separar psicanálise e política. O pênis é o que os homens têm e as mulheres não têm; o falo é o atributo do poder que nem os homens nem as mulheres têm. Mas enquanto o atributo do poder for um falo que só pode ter significado por referência a um pênis ou sendo confundido com um pênis, essa confusão sustentará uma estrutura em que parece razoável que os homens tenham poder e as mulheres não o tenham.

Polêmicas da psicanálise à parte, o que é importante notar é que, de fato, o discurso da dominação masculina é reforçado pelo falocentrismo. Desde a Antiguidade imagens de falos são encontradas em diversas culturas, como romana, egípcia e grega, simbolizando a fertilidade, fecundidade, força, etc. O falo correspondia e ainda corresponde a uma representação da virilidade.

O masculino representa o ativo, o feminino o passivo. “O senso comum associa a ereção do pênis às noções de rigidez, energia, ação e potência, que são associadas ao ativo” [3]. Se parece que o a virilidade tem correlação imediata com o pênis,  também não é com qualquer pênis. (Ao menos hoje em dia,) É o pinto grande que mantém o status de virilidade, enquanto o pinto pequeno recebe a pecha de castrado. Afinal, nada pior que ter um pinto pequeno. Perde só para ter uma vagina.

Talvez seja essa relação do pênis ereto à virilidade leve, por consequência, à relação do quanto mais ereto, ou maior, mais viril. E é nesse comparativo de tamanho que se dá o comparativo de macheza do homem. Literalmente. E por vezes isso toma contornos racistas, como na hipersexualização do negro e na ridicularização do oriental.

O curioso é que mesmo nós, feministas, entramos na onda da ridicularização do pinto pequeno que só reforça a ideia de que sexo só é prazeroso não apenas quando houver penetração, mas se houver penetração por um pau enorme.

Eu tenho a absoluta certeza de que independente de tamanho, o sexo pode ser prazeroso. É importante dizer: sexo não é só com pênis. Mas, se for, nenhum pau é pequeno demais para ser amado.

 

[1] BONFIM, Flavia; COSTA, Ana. Um percurso sobre o falo na psicanálise: primazia, querela, significante e objeto a. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982014000200005. Acesso em: 05.11.2019.

[2] GALLOP, Jane. Além do falo. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cpa/n16/n16a12.pdf. Acesso em: 05.11.2019.

[3] ALVES, José Eustáquio Diniz. A linguagem e as representações da masculinidade. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv3121.pdf. Acesso em: 05.11.2019.

 

Obrigada por ter lido até aqui…

… mas espera só um minuto para ouvir a palavra do feminismo?

Nunca se foi tão necessário que se fale sobre feminismo. Como diz Angela Davis, a liberdade é uma luta constante.
Eles não poderão contar com a comodidade do nosso silêncio! E para que nossa voz ecoe precisamos do apoio de pessoas engajadas com essa causa e dispostas a se juntar nessa mobilização. Veja aqui as formas de doações para a Não Me Kahlo.

Compartilhe...