Enquanto que o cinema está apostando em remakes, reboots e continuações, os canais de televisão estão cada vez mais investindo em séries baseadas na literatura. Apesar de nem sempre ser fácil encontrar uma boa adaptação literária, algumas séries se destacam por apresentarem uma produção impecável, enredo bem construído e uma excelente seleção de atores.

Além disso, algumas escolhas têm levado em conta a luta pela igualdade social e de direitos, ampliando assim os espaços concedidos às mulheres. Separamos 5 séries para quem quer passar mais tempo com suas personagens preferidas ou para quem quer conhecer mais a fundo a protagonista da sua série predileta e de onde ela vem.

 

1.    Scandal

 

Scandal traz, depois de 35 anos, uma mulher afro-americana estrelando uma grande produção. A série, criada por Shonda Rhimes (a mesma de Grey’s Anatomy, Private Practice e How to Get Away with Murder), foi baseada num livro chamado Good self, bad self (sem tradução no Brasil). A obra é de autoria de Judy Smith e fala sobre a experiência dela na gestão de conteúdos midiáticos.

Smith é advogada, assessora e possui a Smith & Company, uma grande empresa de consultoria especializada em gerenciamento de crises e relações com a mídia. Além de ter trabalhado para os ex-presidentes George W. Bush e Bill Clinton (foi ela quem esteve a frente do famoso caso da estagiária Monica Lewinsky), Judy aconselhou clientes notáveis ​​como o ator Wesley Snipes, o ex-jogador de futebol americano Michael Vick, a Sony Pictures Entertainment (após o ataque cibernético de 2014) e cuidou do derrame da BP no Golfo.

Depois de deixar a equipe da Casa Branca, Smith começou a aconselhar corporações como a Fortune 500 e fornecer conselhos estratégicos sobre uma variedade de questões de comunicação corporativa. Ela já auxiliou empresas líderes como Nextel, United Healthcare, Wal-Mart, Radio-One, Union Pacific, Waste Management Corporation e American International Group, Inc. (AIG), etc.  Judy Smith e Monica Lewinsky em 1998 

Judy Smith não é só a inspiração mas também a consultora técnica e co-produtora executiva da série Scandal. Ela também escreve no blog “What Would Judy Do?”, onde faz  comentários para cada episódio que vai ao ar. Dessa forma, a produção traz detalhes e um realismo que qualquer outra série do gênero teria caricaturado.

Sustentada numa trama política, Scandal mostra histórias da vida de uma profissional derelações públicas, Olivia Pope (Kerry Washington). Olivia, uma ex-funcionária da Casa Branca que hoje é dona da Pope & Associados, empresa de gestão de crises, é uma das mulheres mais poderosas e influentes de Washington. Sendo mulher num ambiente dominado por homens como a Casa Branca, Olivia e as demais personagens femininas são forçadas a serem criativas para conseguirem algum poder ou influência. Por essa razão, a série constrói profissionais altamente qualificadas que lideram grandes espaços e se revelam mulheres inteligentes, habilidosas, autônomas e persistentes.

Preparando-se para chegar ao fim em 2018, após a 7ª temporada, Scandal segue colecionando fás declarados como o ex-presidente Bill Clinton, Michelle Obama, Magic Johnson, Oprah, Justin Bieber, Rihanna, Lena Dunham, Selena Gomez, Lupita Nyong’o, Claire Danes e Mariah Carey.

Criadora: Shonda Rhimes; protagonista: Kerry Washington; Inspiração: Judy Smith   

2.    Anne With An E

A série estreiou em 2017 na Netflix e tem sido considerada a adaptação mais ousada já produzida do livro Anne de Green Gables, escrito pela autora canadense Lucy Maud Montgomery, em 1908.

Lucy Maud Montgomery A série é adaptada pela escritora também canadense Moira Walley-Beckett (aclamada pela crítica, e ganhadora de um Emmy de Melhor Roteiro Dramático por seu trabalho em Breaking Bad). A produção conta ainda com a talentosa Miranda de Pencier, da Northwood Entertainment, e teve a direção da premiada diretora neozolandesa Niki Caro. Esta confluência de talento feminino faz de Anne uma das séries mais incríveis já feitas para a TV.

A obra que inspirou a série e os cinco livros sequenciais, centra-se em Anne Shirley (interpretada por Amybeth McNulty), uma órfã que, por engano, se encontra sob os cuidados de um casal de irmãos idosos, os Cuthbert, em Green Gables, um lugar descrito nos diários da autora do livro como sendo riquíssimo em “rubi, esmeralda e safira.” Depois de treze anos sofrendo no sistema de assistência social, a jovem traz na bagagem uma longa lista de maus tratos e abusos.

Anne é esperta, extrovertida, extremamente tagarela e tem muita imaginação. Ela sempre gostou de ler, e como não se sente bonita, por conta de seu cabelo ruivo, seu corpo magro e suas sardas, imagina ser as princesas dos contos de fadas. A aceitação da personagem é um dos caminhos mais bonitos trilhados ao longo dos episódios. Já no primeiro episódio ela diz: “Eu escolho a mim mesma e assim jamais ficarei decepcionada.”

Durante sua vida, a autora que inspirou a série, publicou 20 romances, mais de 500 contos, uma autobiografia, e um livro de poemas. Publicando numa época em que os livros eram reservados a autores homens, Lucy L. Montgomery precisou omitir seu primeiro nome, assim como bem mais tarde fez Joanne Rowling. A série cita o acontecimento de relance quando a personagem diz que uma mulher também pode ser uma autora famosa.

Em 1920, consciente de sua fama, Montgomery começou a editar e recopiar seus diários, apresentando a vida como ela queria que fosse lembrada, alterando ou omitindo alguns episódios. De acordo com Maria Rubio, que escreveu uma biografia de Lucy (Montgomery: The Gift of Wings (2008)), Montgomery sofreu vários períodos de depressão, enquanto tentava lidar com os deveres da maternidade, da inconformidade com a vida religiosa e com os ataques do marido, que sofreu de uma doença mental por décadas. Na maior parte da vida, sua escrita foi um grande consolo. Ela morreu em abril de 1942 tendo a falência múltipla dos órgãos como a causa oficial da sua morte. No entanto, foi revelado por sua neta, Kate Macdonald Butler, em setembro de 2008, que no auge de um período de profunda depressão, Montgomery não suportou e tirou a própria vida através de uma overdose de drogas.

Sua fama não está limitada apenas ao Canadá, já que um projeto traduziu os livros da  autora para mais de 15 idiomas. No Brasil, depois de 100 anos sem tradução, você encontra 2 versões de Anne de Green Gables, publicados pelas editoras: Martins Fontes e Pedrazul. Além disso, os livros de Anne têm sido adaptados para TV e cinema por quase um século, começando com um filme mudo em 1919 e alguns especiais de Natal.

Mesmo a história se passando num lugar fictício, Prince Edward Island, todos os anos, milhares de fãs, especialmente os fãs japoneses, fazem uma peregrinação a uma fazenda vitoriana na cidade de Cavendish, um parque nacional criado perto da casa onde a  autora viveu, em honra de suas obras.

 

3.    My Mad Fat Diary

 

Baseada nos diários da escritora Rachel – ou melhor, Rae Earl, publicados em formato de livros com os títulos de My Fat, Mad Teenage Diary e My Madder, Fatter Diary. A série de drama/adolescente My Mad Fat Diary se passa nos anos 90 e conta a trágica, porém bem-humorada história de Rae (interpretada por Sharon Rooney), uma menina obesa de 16 anos, cheia de problemas e que vive em Lincolnshire (leste da Inglaterra)  com sua mãe excêntrica (Claire Rushbrook).

A histórica começa com ela saindo de uma instituição psiquiátrica, porque tentou se matar. Por perceber que não se sente a vontade no mundo a sua volta e por sofrer de vários sintomas de depressão, ela continua indo à terapia mesmo depois de receber alta. Ao sair do confinamento psiquiátrico, Rae reata sua amizade com Chloe (Jodie Comer), amiga de infância que não sabia onde Rae estava. Chloe a apresenta para seus amigos, que acolhem Rae à sua maneira. Como eles desconhecem os problemas de Rae com sua própria imagem, acreditam que ela apenas passou um tempo na França.

Rae tenta levar uma vida normal tentando novas experiências como adolescente, mas escondendo seu passado e todas as suas dificuldades. Por tratar temas como a obesidade, a depressão e a baixa autoestima, preconceitos que precisam ser desconstruídos, a série se mostra perfeita para todos que precisam aprender a ter empatia por pessoas que passam por esse tipo de problema.

Os livros de Earl e a série escondem um humor agradável que acaba fazendo o público ter a impressão de que se trata de um programa leve, contudo uma expectadora mais atenta percebe de cara que a seriedade do drama é algo raro em séries voltadas ao público jovem.

A protagonista não se sente apenas uma garota com problemas de peso, mas, de fato, um peso morto no mundo. A atuação de Sharon Rooney entrega uma Rae extremamente sensível, sincera e autêntica na sua narrativa, além disso, ela é complexa, carismática, engraçada, ao mesmo tempo em que é irritante, já que projeta sua insegurança nos outros, sempre se olhando no espelho e repetindo como é gorda, ridícula e sem perspectiva. Algo comum no universo adolescente feminino cheio de cobranças – e, talvez, no mundo de todas nós. E ainda que Rae sofra, ela jamais aparece como vítima. Ela se boicota, se afasta de quem a tenta ajudar e procura nunca se destacar, ao mesmo tempo em que é engraçada, forte, determinada e leal aos amigos.

Rae, a autora real, procura em seus livros/diários retratar todas essas experiências vividas na sua adolescência e ingresso na universidade, coisa que a série capta muito bem. O roteiro acerta ainda mais mostrando todos os passos errados que a garota dá, para que, aos poucos, vá ganhando confiança, mas os roteiristas jamais fazem isso de forma amena. Portanto, é quase impossível sair ileso dos episódios, já que as histórias entregam situações pesadas, que geralmente são ignoradas na televisão, como tentativas de suicídio entre jovens e distúrbios alimentares.

Ao contrário do que vemos em Scandal, a autora das obras que inspirou a série, apesar de contribuir na elaboração do roteiro e temas que são inseridos no show, preferiu se manter afastada da atriz e da produção para não interferir no processo de construção da personagem.

  Verdadeira Rae Earl em sua adolescência/  Rae Earl da série (Sharon Rooney)

 

4. Bones

Baseada nas obras e na vida de Kathleen Joan Reichs, mais conhecida pelo diminutivo Kathy Reichs, a série Bones foi transmitida pela FOX desde 2005 e acabou com 12 temporadas ao todo. A série trata de investigações em casos de assassinato tratados pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) envolvendo restos mortais das vítimas – especialmente ossos – que são analisados pelos pesquisadores do “Jeffersonian Institution” (uma alusão ao Instituto Smithsoniano) comandados pela Dra. Saroyan após terem sido trazidos pelo agente especial Seeley Joseph Booth.

Kathy Reichs, quem inspirou a série, escreveu cerca de 17 romances policiais. Sua estreia como romancista foi com a obra Déjà Dead, publicado em 1997. O livro teve tanto sucesso que foi traduzido para mais de vinte línguas, sendo best seller em vários países e vencendo diversos prêmios. Os livros que se seguiram continuaram focando aspectos da antropologia forense e métodos de investigação que a própria Drª Reichs usou no exercício da sua profissão. Isto permitiu que a protagonista das suas obras, Temperance Brennan, ganhasse um realismo notável.

O estilo de vida da personagem mimetiza de perto a verdadeira vida da autora sendo que uma boa parte dos livros relatam processos científicos reais. Tal como nos livros, a heroína Temperance Brennan, interpretada pela atriz Emily Deschanel na série, também escreve livros policiais, sendo que neste mundo ficcional a personagem das obras tem o nome de Kathy Reichs, constituindo assim uma curiosa mistura entre realidade e ficção.

Kathy Reichs chega a participar de um dos episódios de Bones, intitulado Judas on a Pole, no qual interpreta a Professora Constance Wright, uma antropóloga forense.

 Verdadeira “Dr. Bones” Kathy Reichs 

 

5. Orange Is the New Black
 

Piper Eressea Kerman publicou em 2010 seu best-seller intitulado Orange Is the New Black: My Year in a Women’s Prison, um livro de memórias sobre suas experiências na prisão.

Em 1998, Piper Kerman foi indiciada por lavagem de dinheiro e tráfico de drogas. Em 2004 foi condenada a 1 ano e 3 meses de prisão, dos quais cumpriu treze meses na Federal Correctional Institution, uma prisão de segurança mínima localizada em Danbury, Connecticut. O livro foi adaptado também por uma mulher, Jenji Kohan (a mesma criadora de Weeds), para uma série homônima que estreou na Netflix em julho de 2013. Jodie Foster dirigiu um episódio da primeira temporada.

O elenco principal da série conta com 14 mulheres. Grande parte da produção e edição do projeto também é feito por mulheres. Como consultora, Piper lê os roteiros dos episódios e aconselha a equipe sobre como manter a história o mais próximo possível da realidade. Para ela, Orange is the new Black precisa, de muitas formas, ser uma série crua, feia e difícil de se digerir. A produção se preocupa em fazer com que enxerguemos a vida de classes marginalizadas com uma visão totalmente desprovida de qualquer glamour.

 Piper Eressea Kerman  

As mulheres são assumidamente o foco do programa e elas são representadas das mais diversas maneiras. Temos mulheres negras, trans, gordas, velhas, latinas, lésbicas, mulheres que desejam muito se casar, outras que são apaixonadas pelas melhores amigas, mulheres que já têm netos e outras que nem sonham em ter filhos. A pluralidade de OITNB é enorme e foi justamente esse o cenário que Kerman encontrou quando esteve presa.

Em entrevistas, Piper Kerman procura sempre deixa claro que apesar de todas as conquistas graças ao seu livro de memórias e a adaptação dele para uma série de sucesso, ela mudaria sua história em um piscar de olhos se pudesse voltar para 1993, quando tudo começou. De acordo com Kerman, além da prisão ser uma experiência muito traumática, ela sabe a dor e preocupação que causou à sua família e às pessoas que a amam e o quê suas ações causaram a outras pessoas em termos de abuso de substâncias.

Hoje, Piper é membro e atua no conselho da Women’s Prison Association. É frequentemente convidada a falar com estudantes de escrita criativa e literatura, criminologia, gênero e estudos femininos, direito e sociologia, bem como a grupos de defensores públicos, defensores da reforma judiciária e voluntários, clubes de livros e pessoas anteriormente e atualmente encarceradas.

Tati Andrade é balzaquiana, aquariana não-praticante, amante das artes, dos sons e trocadilhos. É educadora há mais de 10 anos por ser o único meio que encontrou de manter-se viva e sã quando todo o resto é absurdo.