As manifestações feministas são multicoloridas, mas você deve ter percebido que existem duas cores que predominam: o roxo e o verde. Essas cores se tornaram as cores do movimento, estampando cartazes, bottons, bandeiras e vestimentas, mas… porquê?

Tudo começou com a organização do movimento sufragista em 1870, na Inglaterra. As sufragistas reivindicavam a participação ativa das mulheres na política, principalmente o direito de votarem e de serem votadas. Para tanto, fizeram uso de tácticas militantes a fim de ganhar a atenção do público para a sua causa. Liderada por Emmeline Pankhurst (1858-1929), a organização de sufragistas União Social e Política das Mulheres (Women’s Social and Political Union, conhecida pela sigla WSPU), fundada em 1903, realizou comícios, discursos, e vandalizou a propriedade pública e privada.

Talvez a parte mais importante do movimento sufragista tenha sido como as suas estratégias eram utilizadas, ainda que isso significasse que fossem presas e perseguidas. Os críticos na época diziam para que as mulheres abandonassem a ação direta e lutassem “dentro do sistema”, obedecendo a lei e o status quo, mas no seu discurso “Porque Somos Militantes”, Emmeline Pankhurst assinala que as mulheres trabalhavam dentro do sistema há muito tempo sem verem quaisquer resultados. Pankhurst, em vez disso, encorajava as mulheres a provocar estardalhaço para que não pudessem mais ser ignoradas. Ela também criticou os dois pesos e duas medidas que recaem no julgamento das táticas utilizadas por elas, consideradas agressivas, lembrando que os homens não enfrentam as mesmas críticas quando adotam as mesmas táticas.

 

Emmeline Pethick-Lawrance: a responsável pela escolha das cores

 

Pode-se dizer também que a escolha das cores fazia parte da estratégia do grupo. À medida que o movimento sufragista crescia, tornou-se importante que as mulheres se reconhecessem. Por isso, as cores acabaram sendo escolhidas para que pudessem identificar quem participasse do movimento.

O roxo, verde e branco foram utilizados pela primeira vez como cores representativas das sufragistas no Domingo das Mulheres, em Junho de 1908, como forma de trazer unidade visual à manifestação que teve lugar em Londres no Hyde Park. Quem foi responsável pela escolha dessas cores foi Emmeline Pethick-Lawrance, sufragista, tesoureira da WSPU e fundadora da publicação Votes For Women. Ela explicou a escolha das cores do movimento da seguinte forma: “o roxo significa o sangue real que corre nas veias de cada sufragista … branco significa pureza na vida privada e pública … verde é a cor da esperança e o emblema da Primavera” [1].

 

Emmeline Pethick-Lawrance

 

Segundo Eva Heller, em A Psicologia das Cores:

“Era necessário que fossem três cores, pois desde a Revolução Francesa as flâmulas tricolores simbolizavam todos os movimentos libertários. E principalmente: era preciso que fossem cores que tivessem no armário de toda mulher, que não exigissem aquisições dispendiosas. Precisavam ser cores que funcionassem no dia a dia, e no entanto que fossem inequivocamente cores do movimento feminista, que pudessem ser reconhecidas como tal – e esse efeito não pode ser obtido com uma cor apenas.

Toda mulher tinha em seu armário uma blusa branca e uma saia comprida de fibra de algodão branca, com rendas e nervuras. Ou então uma saia violeta – cor muito popular na virada do século, especialmente na indumentária de inverno. A cor verde sempre fez parte da indumentária de todos os dias. Durante as manifestações, foram usadas também largas faixas nas cores violeta, branco e verde, que iam desde o ombro até a cintura.

Hoje em dia, pode parecer  ridículo o fato de que um movimento feminista tenha se identificado pela vestimenta, mas, naquele momento, foi o que havia de mais adequado: era a melhor maneira de demonstrar publicamente como eram muitas as mulheres – e não poucos os homens – que apoiavam o movimento”.

 

Bandeira do WSPU

 

Tática colorida, mas com objetivo além das cores

 

As cores acabaram sendo também muito úteis de um ponto de vista de captação de recursos e para publicidade do movimento sufragista, uma vez que foram produzidas mercadorias de todos os tipos em roxo, verde e branco. Como era importante para periódicos feministas como o Votes for Women terem anúncios publicitários em suas páginas para que pudessem sustentar suas atividades, a parceria com lojas e estabelecimentos locais era necessária e, assim, as cores acabaram estampando também os produtos das lojas.

“A sapataria, Lilley e Skinner, exibida em suas vitrines, sapatos nas cores WSPU e [a loja de departamento] Derry e Toms até vendia roupas íntimas tricolores em roxo, branco e verde! A Elswick Cycle Company em Newcastle, comercializou a bicicleta Elswick para senhoras, esmaltada nas cores WSPU. Mappen e Webb, os joalheiros de Londres, emitiram um catálogo de joias sufragistas para o Natal em 1908. Broches e crachás também foram usados em apoio ao movimento, com muitos comissionados em homenagem aos sufragista que foram presos pela causa, notadamente o broche Holloway, que agora é um de uma coleção no Museu de Londres.

Vestidos caros, casacos, chapéus, peles e drapeados foram vendidos nas lojas do West End, enquanto outras mercadorias como artigos domésticos, incluindo porcelanas, toalhas de mesa, confeitaria e bolos de aniversário, podiam ser compradas em outros pontos de venda.

Além das doações individuais, as mercadorias nos tricolores provaram ser um fator importante para o sucesso financeiro da WSPU e ganharam uma vantagem política mais forte.”

 

O broche de Holloway foi apresentado pela União Social e Política WPSU a mulheres que foram encarceradas na Prisão de Holloway por atividade sufragista militante.

 

Desde aquela época, as sufragistas entendiam a importância que as cores trariam à união e à imagem das sufragistas. Isso porquê desde o início do movimento elas encontraram muita resistência à luta que enfrentavam, sendo caricaturadas e descritas na mídia como mulheres feias, mal vestidas, solteironas, etc. Então, a forma como se vestiam significava travar também uma batalha com o senso comum da opinião pública em relação ao movimento.

Por isso, as sufragistas tentaram de toda forma se distanciar da caricatura que faziam delas nos jornais e encorajavam as mulheres a se vestirem com feminilidade e estilo. De certa forma, as utilização de um padrão de cores foi mais uma forma de influenciar as pessoas através também da moda. A preocupação com o estilo pode ser percebido na publicação de 1908 do Votes for Women, no qual destacava-se o seguinte:

“Seja guiado pelas cores na sua escolha de vestuário…temos setecentas bandeiras em roxo, branco e verde. O efeito será muito perdido, a não ser que as cores sejam levadas a cabo no vestido de cada mulher das fileiras. O tussore branco ou creme [um tipo de tecido de seda ‘selvagem’ com uma trama irregular que estava na moda na altura] deve, se possível, ser a cor dominante, o roxo ou verde deve ser introduzido onde outra cor é necessária… Você pode pensar que esta é uma questão pequena e trivial mas não há nenhum serviço que possa ser considerado pequeno ou trivial neste movimento. Quem me dera poder impressionar em cada mente tão profundamente como eu próprio sinto a importância de popularizar as cores em todos os sentidos para nós. Se cada indivíduo nesta união fizesse a sua parte, as cores tornar-se-iam a moda reinante. E por estranho que pareça, nada ajudaria tanto a popularizar a WSPU…agora todos têm simplesmente de zelar para que em todo o lado as nossas cores possam estar em evidência.”

 

botton da WSPU

 

 

Podemos perceber que o abandono do branco por parte do movimento feminista hoje em dia recai na reflexão mais recente sobre a questão da “pureza” e como isso pode corroborar um valor machista. Também com o tempo o movimento feminista passou a não ditar a feminilidade como mote de estilo para se distanciar das críticas que ainda são comuns às feministas (apesar que vira e mexe algumas feministas retornam com esse discurso do “bela, recatada e do lar” para tentar “provar” que não são como “aquelas feministas”). No entanto, a utilização do verde e do roxo continuam nas manifestações feministas atuais, como podemos ver, por exemplo, nas cores que as argentinas escolheram pela campanha pela legalização do aborto.

 

Milhares de mulheres seguram cachecóis verdes exigindo a descriminalização do aborto enquanto protestam no Congresso Nacional argentino em Buenos Aires, em 19 de fevereiro de 2020. – O aborto na Argentina é permitido somente em casos de estupro, ou se a saúde da mãe estiver em perigo. Os lenços verdes são um símbolo da luta das mulheres para legalizar o aborto. (Foto de RONALDO SCHEMIDT / AFP)

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