‘Ele está pronto para recebê-la’, diz a recepcionista bem vestida. Fico imaginando o quanto ela deve ganhar. Algumas pessoas parecem não se sentir à vontade com a presença de empregados, faço, então, uma nota para falar de alguns deles mais tarde. Enquanto isso, o bilionário e superstar Christian Grey está me esperando em seu escritório.

Nem imagino porque ele aceitou dar essa entrevista para a Red Rag. O pessoal que trabalha pra ele deve ter pesquisado sobre nossa inclinação política. Ele sabe que estamos investigando seus registros financeiros, que são obscuros e confusos, assim como a própria empresa Grey Holdings. Nunca ninguém soube ao certo quais são os negócios da empresa. Eles preferem focar no abdômen malhado e no olhar obscuro de Grey. Mas eu não consigo ficar excitada com alguém que lucra em cima do trabalho alienado de sabe-se lá quantos empregados mal pagos e que ainda preciso investigar.

Em uma coisa eles estão certos, Christian Grey é incrivelmente sexy, super rico e bem sucedido, como Mark Zuckerberg, a não ser pelo fato de que Zuckerberg não é nada sexy. Grey tem um quê de Edward Cullen da saga Crepúsculo, mas não é parecido o suficiente para que configure uma violção de direitos autorais, pois ele usa um terno. É só mais um sanguessuga.

“Senhorita Gold,” ele diz. Sua voz é tão profunda e grave como um aspirador de pó sexy. “Por favor, sente-se. Posso lhe chamar de Emma?”

“Vamos fazer isso de maneira profissional,” eu digo, enquanto ligo o gravador.

“Você é uma garota muito doce,” ele diz. “Tenho certeza de que você só está esperando por alguém que te resgate dessa vida mundana de jornalismo para iniciantes. Você sabe que é uma indústria em colapso. Você não está curiosa para saber o que faço para relaxar?” Christian Grey desliza seus dedos pelas costas da minha cadeira.

“Aposto que você gosta de amarrar mulheres jovens submissas e bater até que fiquem desfiguradas enquanto você faz lamentos sobre sua mãe.”

Christian Grey olha pela janela incomodado. “Tá bom,” diz ele, “Vamos falar de finanças.”

Minha deusa interior coloca um colar de crânios de homens e começa uma dança da guerra vitoriosa.

*****

Depois de eu ter enviado meu relatório preliminar, Christian Grey aparece no meu trabalho sem avisar.

‘Não consigo parar de pensar em você, Emma,’ ele diz, “eu sinto que você realmente me entende, como se você soubesse coisas sobre mim que ninguém jamais percebeu.’

‘Isso é porque, até agora, ninguém analisou detalhadamente seus bens no exterior.’

‘Adoraria te levar para jantar, mas antes, você tem que assinar esse acordo de não divulgação.’

“Não vou assinar nada,” digo eu. “Volte com as informações de sua folha de pagamento detalhadas e aí podemos conversar.’

Christian Grey me encara com uma olhar penetrante, como se quisesse me reduzir a cinquenta tons de bosta.

“Fique longe de mim, Emma,’ diz ele, “Sou perigoso.”

“Ok,” digo eu, “Saia da porra da minha sala! Tenho que trabalhar.”

*****

Já estava em meu apartamento quando o pacote chegou. Christian Grey me presenteou com a inestimável primeira edição do meu livro favorito “A origem da família, da propriedade privada e do Estado.”

Cinco minutos depois, o telefone toca. “É o Christian.” Não posso aceitar o livro de uma fonte,” digo eu. “Sinceramente, ao menos você leu o livro?”

“Não”, responde. “Só achei que se eu te desse presentes super caros, você pararia de me perseguir com esses pedidos de acesso à informação e ia me deixar te comer.”

“Credo,” digo eu, “você precisa ir embora, sentar e pensar sobre o fetichismo da mercadoria e da remuneração do trabalho emocional e, também, seus problemas óbvios com mulheres. A propósito, como você conseguiu meu número?”

“Eu tenho uma empresa de tecnologia. Claro que estou monitorando todas as suas informações. Eu, inclusive, grampeei seu laptop.”

“Isso se chama cyber-stalking corporativo. Vou denunciar isso na mídia e você vai acabar tomando no cu.”

“Adoro quando você fala obscenidades, Emma,”

“Ótimo. Minha palavra de segurança é “ordem de afastamento.”

*****

Tá bem, tá bem, eu transei com o Christian Grey. O que posso dizer? Estava entediada e com tesão. Meu vibrador estava quebrado. Ele tem um baita corpo, mas fica oscilando entre lamentar sobre sua infância e tentar por em prática suas fantasias de virgenzinho, que eu não estava curtindo.

Quando tira o terno, Christian Grey se parece com todos os homens controladores, egocêntricos e mimados que eu já transei. Exceto pelo fato de ter mais grana e de ter um bando de caras assustadores e armados na lista da folha de pagamento. Ele fica insistindo para que eu assine um contrato enorme e esquisito em que está escrito todas as coisas que ele quer fazer comigo. Dentre outras coisas, está a de que eu devo ceder todo o controle sobre os meus direitos reprodutivos. Nem por uma frota de helicópteros, queridinho.

“Credo!,” digo eu, “Nunca vi um contrato como esse em toda a minha vasta experiência dentro da comunidade BDSM. Isso não tem nada a ver com sexo, mas sim com o controle de todos os aspectos do meu comportamento. É o trabalho de uma pessoa perturbada que conta com uma equipe de advogados que permitem suas tendências abusivas. Ninguém, em sã consciência, assinaria isso.”

‘Vou te comprar uma Lamborghini.’

“Eu prefiro um tanque de guerra.”

*****

Christian cede e me mostra sua casa que mais parece uma masmorra cheia de sex toys toscos, cada um custa mais que meu apartamento. Fui a festas bem mais interessantes em Brixton.

“Meus desejos…não são nada convencionais,” ele admite.

“Os meus também não,” replico. “Quero destituir o governo, eliminar o sistema financeiro, instituir automação total e destruir o sexo masculino.”

Christian, irritadinho, corre para seu helicóptero.

Quando ele volta, ainda está bravo. “Veja,” digo eu, “de qualquer forma, não acho que você seja um ‘dominador’ de verdade. Acho que você nem sabe o que significa ser um. Não quero criticar suas fantasias, mas a forma como elas são executadas é bastante problemática. Você é só um sociopata e um misógino que se veste bem. Deve haver muita gente que ache isso sexy, mas eu não.”

“Você precisa aprender a lidar com minhas expectativas. Não sou um cara paciente,” resmunga.

Tirei meu absorvente e o joguei violentamente na cara dele.

“Ok. É o seguinte,” diz Christian, limpando o sangue do seu rosto.

“Dou a você tudo o que sempre quis, desde que eu possa controla-la totalmente.”

“Cala a boca e me chama de Melinda Gates,” digo eu, enquanto afivelo minha cinta peniana.

Meus pedidos de acesso à informação foram aprovados. E, então, conversei com a recepcionista, de mulher pra mulher. Daqui a alguns dias, as atividades da empresa Grey Holdings, Inc. serão divulgadas. Imagino que Christian não vai ser rico por muito mais tempo. Eu até diria a ele, mas tenho que separar minha vida pessoal e profissional. E separar bem.

*****

“Repete isso, seu burguesinho de merda!”

“A história de todas as sociedades é a história da luta de classes!”

Ele fica tão sexy quando cita Marx.

“Não,” digo eu, ajustando o prendedor de mamilos no Chiristian e dando um sorrisinho. “Fale outra coisa.”

“SEGURO, SENSATO E CONSENSUAL!” Ele grita.

Minha deusa interior surge das profundezas e exige derramamento de sangue.

 

Este texto foi originalmente publicado no blog Laurie Penny Dot Com e traduzido pela Daniela Cattani.

 

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