A atriz mirim de Stranger Things é apenas mais uma menina hipersexualizada mídia  

 

Esta semana foi lançada a nova temporada do seriado da Netlix, Stranger Things. Com isso, houve a repercussão de uma grande quantia de fotos e reportagens sobre a série. De tudo que foi comentado sobre o assunto, o que mais me intrigou foi a questão da adultização da atriz mirim Millie Bobby Brown, que interpreta a personagem Eleven (em português, Onze). Adultização é o fim da infância de forma antecipada.

Para quem assistiu ao episódio especial, o Universo de Stranger Things, com a participação dos diretores e elenco, assim como outras entrevistas, Millie, 13 anos, têm alguns momentos descontraídos e uma forma de falar, às vezes, infantil. Por conta disso, conseguimos enxergar facilmente que ela é apenas uma menina. Já em capas de revista, fotos de noites de estreia e em seu próprio Instagram, Millie, aparenta ser muito mais velha.

 

 

Muitas pessoas podem enxergar isso como uma típica pré-adolescente que gosta de se arrumar e se produzir, e que esse tipo de comportamento é normal já que todo adolescente quer ser adulto. Com isso em mente, é essencial pensarmos um pouco mais a fundo sobre os motivos por trás desse tipo de comportamento naturalizado. Precisamos sair da bolha “a criança quer isso” e questionar: por que ela quer isso? Por que meninas e meninos sentem a necessidade de serem adultos precoces?

 

O problema não é Millie

 

Independentemente se ela optou por isso, é fácil concluir que Millie não é o problema. Há toda uma indústria por trás disso. E, apesar de ocorrer com meninos, as mais afetadas são as meninas.

 

Nesta foto, retirada do Instagram da atriz, podemos ver nitidamente a diferença com que a indústria retrata a imagem dos atores. A produção, intencionalmente, escolheu um conjunto visual – roupas, salto alto, maquiagem e penteado, que reúnem características que estão tão presentes no universo feminino adulto, que são rapidamente absorvidos como mensagem, mal se percebendo a idade de Millie. Igualmente intencional foi a escolha do traje de Noah, que em nada se aproximou do mundo masculino adulto.

Um dos comentários nesta foto de Millie e Noah (acima) foi feito por um homem de aproximadamente 25 anos, o qual disse: “13 anos e totalmente por dentro da moda. Você é uma jovem mulher muito bonita. Eu amo mulheres do signo de Aquário”. A necessidade de fazer com que uma menina seja considerada adulta ocorre porque sua hipersexualização é mais fácil de ser aceita, já que a mesma passa a aparentar mais de vinte anos. Essa não é a primeira vez que isso ocorre.

Emma Watson, atriz mirim dos filmes Harry Potter, também foi sexualizada muito jovem. Em uma entrevista dada em 2014, o ator Daniel Radcliffe (que interpretou Harry Potter), comentou sobre suas frustrações em conseguir interpretar papéis adultos já que a indústria o associava apenas ao Harry, o bruxo criança. Na entrevista, ele critica o machismo dentro do cinema, dizendo: “a população masculina não teve nenhum problema em sexualizar Emma Watson imediatamente”. A atriz, que interpretou Hermione Granger nos filmes Harry Potter, não fez comentários específicos sobre este assunto. Mas podemos ver pelo seu repertório cinematográfico que ela não teve problema algum em conseguir papéis mais adultos e sensuais, como sua participação em As Vantagens de Ser Invisível (2012) e Bling Ring: A Gangue de Hollywood (2013), filmes lançados após o término da franquia de Harry Potter em 2011.

Poderíamos dizer que este problema existe apenas dentro da indústria de entretenimento, mas, se prestarmos atenção, isto vai muito além. Hoje, vemos meninas reais, da idade de Millie ou até mais jovens, com o mesmo comportamento.

 

Porque crianças querem ser sexy?

 

Um estudo publicado em Julho de 2012 pela Universidade Knox (Illinois, EUA), reuniu 60 meninas entre 6 e 9 anos de idade. À elas foram apresentadas duas bonecas: uma vestida em roupas descoladas e mais reservadas (“recatada”), e outra com roupas mais justas e com decote (“sexy”).

Ao todo, as meninas escolhiam o look “sexy”: 68% das meninas disseram que gostariam de se parecer daquela forma e 72% delas acreditam que a “recatada” não é popular.

Podemos, então, ver a associação infantil da sexualidade versus popularidade. As meninas acreditam que ser mais sexy a trará mais vantagens sociais. O que faz sentido quando pensamos em Millie e seus mais de cinco milhões de seguidores no Instagram.

 

O papel da mídia

 

Uma das capas mais recentes da revista americana W, mostra o nome de Millie Bobby Brown abaixo da frase: “porque a TV está mais sexy do que nunca”. Apesar da revista não estar sexualizando Millie de uma forma direta, por exemplo, com imagens sensuais, eles dizem que ela é um dos motivo pelo qual a televisão está mais sexy atualmente. Isso, junto aos outros nomes na lista de pessoas consideradas sexys – como Nicole Kidman e James Franco – e a capa com a atriz Charlize Theron, associa uma menina de apenas 13 anos ao status de sex symbol

Isso nos mostra como a indústria do entretenimento sutilmente incentiva a sexualidade infantil. Apesar de não ser de uma forma explícita, isso influencia crianças a sentirem a necessidade de serem sensuais.

Além disso, existe também papel da publicidade que incentiva que a criança sinta necessidade de consumir produtos que, normalmente, ela não gostaria. Cristhiane Ferreguett, do Departamento de Letras da PUC-RS, falou sobre esse assunto em sua tese de doutorado defendida em Agosto de 2014. No estudo, a autora comenta sobre como a adultização é construída através de padrões adultos que são vistos como referência, fazendo com que a criança opte por certas formas de se vestir, maquiar, pentear, até mesmo como ela deve agir e ser. Ela complementa: “Acredito que meninas não precisam de salto alto, kits de maquiagem ou joias. Todas essas necessidades são criadas pela mídia e pela sociedade de consumo.”

 

O que podemos fazer?

 

De acordo com os pesquisadores do estudo da Universidade Knox (2012), meninas que praticam alguma atividade física como dança, ginástica, futebol, etc. são mais propensas a aceitarem e apreciarem suas imagens. Eles dizem que, possivelmente, o motivo para isso ocorrer, vem da conscientização criado por esse tipo de atividade, que mostra às meninas que seus corpos podem ser utilizados para outros propósitos.

E, claro, outros fatores também são necessários nesse processo. Sabemos que alienar e afastar crianças da mídia é impossível, mas podemos trazer essa percepção para dentro de casa assim como nas escolas.

Algo que é passado por algum meio de comunicação pode ser aperfeiçoado pelos pais e reforçado através do sistema educacional. Conversar e desenvolver esse assunto com as crianças é uma das formas mais eficazes de modificar o cenário atual. Desta forma, quem sabe, Millie Bobby Brown, assim como diversas outras meninas e meninos, terão a oportunidade de aproveitar uma das melhores fases de suas vidas e serem exatamente o que eles são: crianças.

 

Sobre a Autora: Rachel Alvarez morou 9 anos em Londres, onde trabalhou em diversas multinacionais no setor de Facilities e RH. Voltou a morar no Brasil há pouco tempo e ainda está se readaptando as confusões do nosso país. É feminista, Coach de Vida e empreendedora.