Inicialmente, tomemos como ponto de partida refletir sobre a necessidade da criação de uma lei que obrigasse o ensino de um assunto específico.

Ao pensar a formação do que chamamos de “povo brasileiro” é indissociável a presença do continente africano nesse contexto. Povos trazidos compulsoriamente de países africanos para o Brasil, por meio de um truculento processo de escravização. E concomitantemente uma tentativa de apagamento de suas raízes por meio de uma dialética relação colonizador – colonizado, onde nesta o colonizador utiliza de mecanismos diversos para transculturar o colonizado e fazer com que o mesmo desenvolva uma espécie de reconhecimento.

Ter o conhecimento desse fato ocorrido, não se fez suficiente para que com o fim do tráfico existisse uma política de inclusão social dessas pessoas sem perspectiva imediata de sobrevivência. Tanto não existia um plano de inclusão, como no currículo nacional de educação não se tratava desse complexo e importante assunto.

Esse apagamento também na educação, como relembra Juvenal de Carvalho Conceição, fez com que o Movimento Negro Unificado (MNU), nas décadas de 1960 e 1970, começassem a reivindicar pautas relacionadas e valorizando as heranças africanas. Com esse cenário posto, veio em discussão a inclusão, no currículo escolar de disciplinas referente ao ensino de história e cultura africana e afro-brasileira. Após uma árdua luta, no ano de 2003 foi sancionada a lei 10.639/2003 cuja determina federalmente que “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.”

Pensar à necessidade da criação de uma lei federal que obriga o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira mostra que os problemas são ainda mais profundos. Além compreender a problemática que levou a criação da lei, há de se pensar também nas medidas a serem tomadas e estratégias a desenvolver sobre sua implementação e aplicação, e material didático.

Ao longo dos anos que sucederam a implementação da lei, de acordo Eduardo David Oliveira e Gilmara dos Santos Oliveira, o cenário geral no Brasil é que não se vê a aplicabilidade da lei assim como a mesma solicita. E são inúmeros os motivos que colaboram para tal, indo do preconceito e ou desinteresse das escolas, até a falta de estratégias bem elaboradas e com recursos para que atinja a efetividade desta.

Com a ampliação da lei, incluindo o ensino da história dos povos indígenas, mostra entraves ainda maiores em pensar a execução e aplicabilidade da mesma, pois se trata de uma demanda dupla e a falta de políticas que invistam em formação de professores, metas definidas, objetivos claros e propostas curriculares a serem difundidas por toda a escola, para não folclorizar essas demandas e muito menos fazer a lei cair em esquecimento.

Pensar a aplicabilidade da lei, implica necessariamente em problematizar também o papel do livro didático dentro desse processo. Sabemos que o livro o didático é, em tese, o principal recurso pedagógico e meio de interlocução de conteúdo entre professor e aluno. Mas, para além disso, é preciso também enxergar este material com um potencial formador de identidade e de representação, como traz Rubia Caroline Janz.

A luta dos movimentos sociais que se desdobrou na criação da lei 10.639/03, não só se ateve na criação da mesma como possível caminho para reverter esse quadro instalado. Por isso, pensar cautelosamente em quais narrativas utilizar para então elaborar o livro didático, também se leva em consideração pois o mesmo possui um papel presente na formação de identidades e representatividade. Em contra ponto, o livro também e tratado como uma mercadoria que não atende as demandas especificadas pela lei.

Perceber isso é também perceber que, o livro como mercadoria é produzido na intenção de atender aos interesses dos grupos dominantes, que normalmente são os governantes, homens brancos, que escolhem e distribuem estes livros. Observar também que estes livros são distribuídos em escola pública e rapidamente traçar um perfil das crianças, negras e à margem da sociedade, que frequentam essas escolas, faz com que se perceba os poderes mitificados do racismo, como diz Angela Davis, sua lógica irracional e confusa: de acordo a ideologia dominante, a população negra era supostamente incapaz de progressos intelectuais.

Por fim, observar desde a implementação da lei, os caminhos trilhados nas escolas e as práticas e políticas facilitadoras que infelizmente não é empenho do Estado, para que a mesma não se limite ao mês de novembro ou menos ainda ao dia 20 do mesmo, percebe-se que ainda há muito que se fazer para se colabore efetivamente, correspondendo minimamente ao que solicita a lei.

 

Danielle Karina Pereira da Silva. Bahia, 22, graduanda em Lic. em História pela Uni. Federal do Recôncavo da Bahia, se dedica a estudos feministas.

 

 

Referência bibliográfica:

 

CONCEIÇÃO, Juvenal de Carvalho. A ideia de África: obstáculo para o ensino de história africana no Brasil. Projeto História, 2012. São Paulo. P. 343 – 353.

DAVIS, Angela Y. Educação e libertação: a perspectiva das mulheres negrasMulheres, raça e classe. 1ª ed. São Paulo. Boitempo, 2016. p. 107 – 116.

JANZ, Rubia Caroline. Dez anos da lei 10.639/03: o que mudou nos livros didáticos de História? – Uma proposta de análise. UFSC, 2014, Florianópolis.

OLIVEIRA, E.D. OLIVEIRA, G.S. Pedagogia da ancestralidade: execução da lei 10.639/2003 nas escolas municipais de Salvador na Bahia.