Em A Esposa, a protagonista Joan Castleman (Glenn Close) é casada com um escritor de romances aclamado pela crítica. Alcançando uma carreira longa e  consolidada, Joe Castleman (Jonathan Pryce) é contemplado recebendo o prêmio nobel de literatura e a narrativa se desenvolve ao longo da viagem do casal para receber o prêmio. Aos poucos as pistas ficam mais evidentes e a espectadora percebe que a autoria dos romances na verdade são de Joan, e que existe um suposto “acordo” entre o casal para que Joe siga lançando as obras em seu nome. É a partir desta conjuntura, que nossa protagonista passa a transbordar seus sentimentos de aflição diante do suposto “acordo” com o  marido.

Estamos em uma das primeiras cenas do filme, nossa protagonista está tensa. Ela, a esposa, se prepara para receber a notícia que vai consagrar a carreira de seu marido, jornada que “não teria sido possível sem o apoio dela”. É com tal tensão que se dá  início o enredo do drama de Bjorn Runge, uma produção cinematográfica norte americana e sueca baseada no livro homônimo de Meg Wolitzer.

Logo no início da narrativa, percebemos que existe um incômodo entre o casal, algo que não deveria acontecer.  Afinal, estamos observando um escritor que foi indicado ao prêmio nobel de literatura, honraria que consiste no mais importante reconhecimento que um romancista pode receber em sua carreira. Prontamente, somos condicionadas a entender aquela situação como mais um caso onde a mulher sacrifica sua carreira profissional ou seus desejos pessoais para ser “a grande mulher que existe por trás de uma grande homem”.

Ao longo do filme, a narrativa nos mostrar que, na verdade, não estamos lidando com a situação da “esposa por trás do grande homem de sucesso”, mas sim de um cenário  que diversas vezes pertenceu ao universo feminino ao longo da história: o não lugar da mulher em feitos historicamente notáveis. Diante do caso apresentado pelo diretor, podemos voltar a outras situações similares que aconteceram ao longo da história, como da  química Rosalind Franklin teve sua contribuição para o entendimento da estrutura do DNA, reconhecido apenas postumamente; Mary Shelley, a criadora do romance Frankenstein é outro exemplo, precisou que seu marido, o poeta Percy Bysshe Shelley, declarasse publicamente que o romance era de autoria de sua esposa e não dele; ou a física Lise Meitner, cujo colega de trabalho,Otto Hahn, retirou o seu nome da publicação de um artigo científico que, dentre outras coisas, explicava a fissão nuclear.

São muitos exemplos a serem listados. Assim, devemos questionar se alguma coisa está sendo feita para que essas mulheres tenham o merecido reconhecimento de seus feitos admiráveis. Dessa forma, mais do que uma crítica à vaidade que envolve o mundo da academia ou o sofrimento de uma mulher em conviver com um esposo publicamente adúltero, A Esposa toca em uma opressão que pouco foi reparada ao longo da história, e que nós, mulheres, ainda nos encontramos vulneráveis  na contemporaneidade.

Se no século passado ser mulher e judia como é o caso da química Rosalind Franklin já citada anteriormente, era um pretexto para que a figura feminina como agente social de importância fosse negligenciada. Hoje, o filme mostra que ainda podemos nos deparar com a mesma  situação, dessa vez, como uma forma de manter um relacionamento ou uma família. A escolha da protagonista, de manter a imagem do marido como o autor das obras premiadas, no final da trama apresenta a espectadora o que socialmente ainda se espera de uma mulher que é mãe e esposa: a decisão de preservar a imagem de seu núcleo familiar em detrimento de sua carreira, além disso observamos que a condição de mãe, esposa e mulher que sacrifica seus sonhos pessoais em pró da família, ainda pode ser interpretado como um caminho “romantizado”.

Muito além da fotografia e até mesmo da fantástica atuação da veterana Glenn Close, o que queremos de A Esposa não é Oscar, é esse incômodo. É entender que a obra nos permite alcançar uma reflexão que nós todas podemos assimilar depois de um encontro genuíno com a sétima arte.

Juliana Meningue é historiadora da arte, educadora e no momento graduanda em história. Cinéfila assumida que acredita no poder de transformação da educação e da arte.
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