Na noite do dia 3 de agosto, uma jovem de 17 anos saía de uma festa acompanhada de alguns amigos. Eles à deixaram próximo à sua casa, no bairro de Azcapotzalco, na Cidade do México, e seguiram cada qual seu caminho.

Enquanto caminhava, a jovem passou por quatro policiais da Secretaria de Segurança Pública da capital, que patrulhavam a área. Eles perguntaram o que ela fazia sozinha na rua e a colocaram no veículo oficial. Depois, a estupraram e abandonaram em uma rua próxima à sua casa.

Sabendo do ocorrido, os pais acompanharam a jovem para prestar queixa na Delegacia de Delitos Sexuais. No entanto, não ratificaram a denúncia porque foram ameaçados. Os policiais obrigaram vizinhos e comerciantes da região a entregarem imagens de suas câmeras de segurança sem obedecer ao procedimento legal que exigia que isso fosse feito pela Procuradoria Geral de Justiça. Além disso, os peritos da Delegacia se omitiram de realizar a perícia na vítima para colher amostras de DNA, como é de praxe em casos de estupro. A menina apenas realizou os exames três dias depois da noite do ataque, tarde demais para colheita de provas e, assim, as evidências foram perdidas.

No dia 6 agosto, outra história ocupou os noticiários locais. O corpo de uma jovem de 29 anos foi encontrado nu, com marcas de tortura e violência sexual, envolto numa manta, debaixo de um viaduto no município de Atitalaquia, no estado de Hidalgo. A jovem havia sido reportada como desaparecida no dia anterior a vários quilômetros do local onde foi localizada.

Outra menina, de apenas 6 anos, também teve um destino trágico. Ela foi visitar os avós na cidade de Cuernavaca, em Morelos. Em um dos dias, decidiu ir dormir mais cedo em um local próximo onde estavam os adultos, como havia feitos em outras ocasiões. Quando os familiares foram verificar se estava bem, a encontraram morta e com ferimentos em diversas partes do corpo. Exames constataram que ela havia sido também estuprada.

Esses não foram os únicos casos. Ainda este mês, outro policial foi acusado de estuprar uma adolescente no Museu de Arquivo da Fotografia, no centro da Cidade do México e em julho dois policiais foram presos acusados de estuprar uma moradora de rua, também na capital.

Essas meninas e mulheres fazem parte de uma longa lista de vítimas de abuso, estupro e feminicídio que tem crescido no México. Entre 2015 a 2019 o governo federal declarou Alerta de Violência de Gênero contra as Mulheres em 18 dos 32 estados mexicanos, ou seja, 56% do território do país foi declarado como perigoso para o sexo feminino. A violência sexual contra meninas mexicanas aumentou 37% em três anos.

Essas histórias e dados explicam a revolta das mulheres mexicanas que se reuniram em diversos protestos, sob o lema “Não nos cuidam, nos violam”. Claudia Sheinbaum, Chefe do Governo da Cidade do México disse que a manifestação foi uma provocação, encobriu os fatos e manteve livres os policiais responsáveis. Ademais, o Ministro de Segurança, Jesús Orta Martínez, se colocou contra o afastamento dos acusados, sob o argumento que não havia processo legal contra eles. Ele foi alvejado por um punhado de glitter rosa.

 

 Jesús Orta Martínez

 

Em contrapartida, milhares de mulheres se reuniram no dia 16 de agosto, na Glorieta de Insurgentes, na Cidade do México, em repúdio às declarações do governo. Vidros foram quebrados, estações pixadas durante a revolta. O glitter se tornou símbolo da luta. A mídia fez sua parte em condenar mobilização das mulheres, numa retórica de criminalização das manifestações.

Segundo o Esquerda Diário, “a pressão obrigou Sheinbaum a convocar um grupo de feministas institucionais e radicais a negociar com ela a portas fechadas, comprometendo-se a treinar a política e a eliminar acusações contra mulheres ativistas que participaram dos protestos nos dias anteriores”. No entanto, esta é uma medida que não tem aceitação unânime entre as manifestantes. “Algumas ativistas afirmas que é positivo se reunir com a chefa do governo e que existem treinamentos aos aparelhos repressivos, outras afirmam que não têm que confiar nas autoridades, mas que têm que seguir replicando os métodos como os que foram praticados na última sexta-feira, com uma visão clara de para onde devem dirigir os seus esforços”, afirma a publicação.

 

 

… No Brasil

 

No dia 19 de junho, uma adolescente de 19 anos era perseguida por um homem que tentava assaltá-la. Ao correr, ela avistou uma viatura da Polícia Militar pedir ajuda. Ela disse que precisava ir até a rodoviária e os policiais se prontificaram a levá-la. No entanto, no meio do caminho fizeram um desvio e estupraram a menina.

O caso, que ocorreu em Praia Grande, no interior de São Paulo, não é diferente da história da jovem mexicana estuprada por policiais que serviu de combustível para a insurgência de diversas manifestações. Aqui também a violência de gênero está noticiada nos jornais, presente no nosso dia a dia. E aqui também sofremos com as vítimas e enterramos companheiras.

Que a insurgência das fortes mulheres mexicanas se pulverize. Que possamos nós também transformar nossa dor em revolta. A rebeldia tem que ser característica do movimento feminista.

Se eu morrer, não acendam velas. Acendam barricadas.

Protestos feministas no México 2019

 

 

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