Comecei uma jornada em direção a um corpo melhor, uma mente mais focada e uma rotina mais produtiva. Parece coach de produtividade vendendo curso pra empresa, né? Eu sei. E sei tanto que, por anos, romantizei o fato de que eu estava numa jornada autodestrutiva e, portanto, reacionária por inércia. Em algum lugar do caminho, a gente se perdeu. A gente começou a achar patético o hábito de se alimentar bem ou dormir cedo ou sei lá. Como se a gente fosse refém de uma rebeldia que fica linda no pôster, mas, na vida real, causa AVC.

Como posso escrever se não conseguir abrir os olhos de dor de cabeça, sonolência ou mal estar? O mal estar é criativo? A tristeza é criativa? Sim e não. Sim porque a criatividade é a atividade de criar; e viver é ir trazendo pra mesa uma série de materiais, paletas e texturas. A tristeza é uma textura. A dor é uma paleta. Mas a artista que se perde nesses tons, não consegue nem usar os materiais que a vida traz conforme experienciamos coisas no nosso dia-a-dia. Se eu pareço uma coaching de produtividade, é porque, ao longo do tempo, percebi que preciso me organizar, ter estrutura e roubar algumas estratégias de produtividade para fazer não dinheiro (que é importante, mas nunca foi prioridade pra mim), mas uma rotina de arte que não dependa dos meus humores.

Sair do poster, da pose, da imagem construída ao longo de tanto tempo; da ilusão da imortalidade; do olhar contaminado pela falsa rebeldia ao sistema, me exigiu uma escuta profunda e desprovida de preconceitos. Eu sou cheia de preconceitos comigo mesma e logo me coloco em estereótipos e alegorias mal acabadas. Não escutar-se tem a ver com não querer riscar a imagem criada para que a gente sustente nossas frágeis cascas, minuciosamente criadas para esconder a dor, a dúvida e a insegurança de ser desimportante. O meu pôster não pega bem na foto. Estou deitada lendo um livro com um abajur para que o escuro me ajude a pegar no sono. Eu gostava mais de me ver insone bebendo um vinho. Era mais bonito pra capa do disco (mas eu nem canto!) ou para a entrevista exclusiva para a revista (mas eu nem sou capa de revista!). Escutar-se, ficar careta, ouvir e aprender com pessoas que não têm nada a ver comigo, tem sido um processo de esvaziamento da imagem vaidosa e um contato dolorido com o fato de que sou frágil e ordinária. E, nessa calma e falta de foto polêmica para revistas que não existem, tenho descoberto caminhos mais quietos e serenos de ser artista. Ah! Se você que me lê é artista, eu dou aqui um conselho: quem sabe muito o que está fazendo e quer vender para você a arte de ser incrível como ele, não é mestre, é um charlatão cheio de ego. Fuja. Melhor se abrigar nos livros de produtividade do que nos braços de vaidosos “bons demais para terapia”.

A dúvida, a intuição e o desejo de (tentar) ficar em paz, têm sido combustíveis para viver e escrever. Ironicamente, levar a vida menos pra foto e mais pra saúde, tem resultado em mais embriaguez na escrita e mais explosão nas vontades. É muito careta mexer na casca sem nem ter se atrevido a morder a fruta.

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