Poetisa, escritora, cantora, bailarina, atriz, ativista dos direitos humanos e igualdade… ufa! Definir Maya Angelou é tão difícil quanto categorizar, em caixinhas, sua obra. Entretanto, o viés libertário, de luta racial da sua escrita reverberam até hoje.

Nascida Marguerite Annie Johnson, nasceu em St. Louis, Missouri, em 4 de abril de 1928. Aos 8 anos, Maya foi estuprada pelo namorado da sua mãe. Condenado a apenas um dia de prisão, o estuprador foi assassinado pouco tempo depois de sair da cadeia. Esse evento marcaria tanto a vida quanto sua escrita autobiográfica. Maya foi abatida por um mutismo que durou anos, pois acreditava que havia matado o seu algoz — por ter revelado o que aconteceu.

Mesmo silenciada pelo trauma, Maya desenvolveu grande admiração pela literatura; Charles Dickens, William Shakespeare, Edgar Allan Poe, Douglas Johnson e James Weldon Johnson, foram suas grandes influências, ao lado de artistas feministas negras como Frances Harper, Anne Spencer e Jessie Fauset. A poesia ajudou Maya a voltar a falar, afinal poesia se ouve ou se proclama.

Libertação, sobrevivência, autoaceitação, transcendência. Seus temas desafiam rótulos. A poesia de Maya é um convite coletivo para compartilhar experiências individuais, sejam elas perdas, abusos ou racismo. É um convite a uma experiência individual, mas em comunidade.

Em Phenomenal Woman (Mulher Fenomenal), passeamos pela celebração da sexualidade da mulher, com um eu lírico centrado na experiência feminina:

 

“ Eu entro em um lugar,

Com toda tranquilidade,

E encontro um homem,

Seus amigos se levantam ou caem de joelhos

Então eles me rodeiam como um enxame,

Uma colmeia de abelhas.

Eu digo,

É o fogo dos meus dentes,

O balanço da minha cintura,

E a alegria dos meus pés.

Eu sou mulher

De um jeito fenomenal.

Uma mulher fenomenal,

Essa sou eu. ”

 

Em A kind of love, some say (Um tipo de amor, dizem) lidamos com o abuso doméstico. Percebemos aqui, uma alternância entre o sofrimento da protagonista e a exploração da natureza abusivo do parceiro. A marcas do abuso são evidenciadas através da escolha de palavras como, hurt, bruised, beast, fist, lock (ferido, contundido, besta, punho, fechadura). Os abusos físicos e mentais da protagonista são limítrofes; o amor abusivo, aqui, é a metáfora perfeita da tortura medieval.

 

“ O ódio geralmente é confuso.

Seus limites estão em zonas além de si.

E os sádicos não aprenderam que

O amor, por sua natureza, causa uma dor

Inigualada na tortura. ”

 

 

 

Men (Homens) trata o fardo do estupro. Mesmo sendo um poema curto, Homens estabelece rapidamente o cenário a ser explorado: uma menina de quinze anos que já apresentava uma certa curiosidade sobre os homens. A menina, na puberdade, passa de observadora a abusada. O poema versa sobre a fragilidade feminina e a relação de poder entre gêneros. O homem é o sujeito da ação, ela a vítima impotente. A inocência da menina, mesmo após o trauma, está presente quando a protagonista descreve o sangramento após perda da virgindade como “suco” que escorre pelas pernas deles, manchando-lhes os sapatos. Men (Homens) é o retrato da sociedade liderada por homens e a vulnerabilidade feminina nessa seara. Além do abuso físico, o texto também explora os danos à psique feminina, “o corpo já se fechou. Para sempre. Não há chave”, sabemos que aquela mulher nunca mais será a mesma.

 

“O primeiro aperto é bom. Um abraço rápido.

Suave na sua desproteção. Um pouco mais.

A dor começa. Arranca um sorriso que contorna o medo.

Quando o ar desaparece, sua mente estala, explode feroz, rapidamente,

Como fósforo de cozinha. Estilhaçada.

É seu sumo

Que escorre pelas pernas dele. Manchando seus sapatos.

Quando o mundo se endireita novamente e o sabor tenta voltar para sua língua

Seu corpo já se fechou. Para sempre. Não existe chave”.

 

They went home (Eles voltam para suas casas) é sobre um homem (ou homens) que volta com sua esposa depois de um caso com a protagonista. Ali, percebemos a dor do looping da experiência; os versos são como um sussurro, a baixo autoestima e a tentativa de entender “porque não sou boa suficiente… o que eu fiz de errado? ”. O espelho da experiência toca a todas (quase) mulheres que já passaram por isso, envolvidas ou não com algum homem casado.

“ Eles voltavam para suas casas e contavam às suas esposas,

Que nunca antes em suas vidas haviam conhecido uma garota como eu,

Mas…eles voltam para suas casas.”

Maya Angelou é mais do que poesia. Maya é o acalento, é a certeza de que as experiências individuais pesam menos na coletividade. Então, be a rainbow in somebody else’s sky (seja um arco-íris no céu de outra pessoa).

 

Andressa Habibe. Sou revisora de periódicos científicos, tradutora e professora de inglês. Sou formada em Letras pela UFBA e mestrando em teoria literária. Sou escritora amadora e amo literatura. Sou mãe de 3, negra e baiana. 36 anos.