É um erro quem acha que documentários retratam um momento de forma isenta. Muito pelo contrário. As escolhas que são feitas na produção ditam a mensagem que se quer passar no filme para levar o espectador a conclusão que se quer. “A Vida Depois do Tombo” mostra o que acontece com a cantora Karol Conká a partir de sua eliminação no BBB com uma rejeição histórica e cria uma narrativa de redenção. No entanto, as críticas que tem surgido na internet sobre o documentário mostram que não atingiram esse objetivo. E dá pra entender por quê.

Apesar de as produtoras do filme terem dado uma entrevista no Fantástico falando que a Karol não vai gostar do resultado do documentário, esse filme passa a impressão de que foi feito para salvar a imagem da Karol ainda que tente parecer “isento” em alguns momentos para não ficar muito na cara a intenção. Basta ver as pessoas que o documentário foi atrás de entrevistar: família, amigos, pessoas que a Karol queria se desculpar para mostrar seu arrependimento (mas que não compareceram gerando o meme hilário). Então, até mesmo os convites de outros BBBs que não teriam boas coisas para falar à Karol servem à narrativa de redenção na medida que estão ali para que ela possa se redimir. Não há tentativa de ver “o outro lado” de muitas questões que são mencionadas brevemente, como rastro de pessoas que criaram inimizade com a cantora ao ponto de sete de suas dez principais músicas não poderem ser usadas no filme por  serem objeto de disputas judiciais. Algumas dessas pessoas não podem falar sobre a Karol, por motivos legais, mas não existe ninguém que possa? Não existe um ex-empregado da Karol que poderia revelar como ela era por trás das câmeras?

 

O filme mostra toda a trajetória da Karol, desde que começou a cantar e todas as dificuldades que precisou enfrentar para chegar aonde chegou. Karol é uma mulher negra, era pobre, e os episódios de racismo que sofreu ao longo da vida mostram tanto a sua força de superação e quanto suas cicatrizes.O documentário faz o paralelo disso com a explicação dos motivos que a levaram a se comportar daquele jeito no BBB e também dos motivos que a levaram a sofrer tanto hate.

Em um dos casos, ela fala sobre seu pai que era álcoolatra e morreu quando ela tinha apenas 14 anos. Essa parte é bem tocante, mas ao mesmo tempo me senti muito desconfortável na comparação que ela faz com o Lucas Penteado, também participante do BBB 21 e alvo de Karol dentro da casa. Ela diz que o Lucas foi um gatilho dessas memórias do pai, o que “explicaria” a reação que ela teve. Não justifica e ainda acho muito insensível a comparação porque coloca mais um estigma para cima do Lucas além de tudo que ela já fez ele passar.

Um outro ponto que não faz sentido no documentário é mostrar como a Karol uniu uma parcela muito diversa de pessoas no hate (as brincadeiras na internet davam conta que a impopularidade de Karol era tão unânime que formava uma Frente Ampla que nunca foi possível na política brasileira) e depois passar a ideia de que ela está sofrendo tudo isso por ser uma mulher negra empoderada. Ok, tem uma parcela do hate que é isso sim, mas tem uma parte considerável que critica a Karol e não parte desse lugar. Que é o próprio público que ela teve. Eu mesma, oras.

Quando a Karol entrou no #BBB eu publiquei um tweet que dizia assim:

 

 

Esse tweet envelheceu rápido demais!

Existia uma parcela feminista, LGBT, pessoas negras, que se identificavam com a Karol que percebeu suas atitudes fazia seu discurso empoderado vazio. Tirando até a questão do Lucas de cena, a Karol se mostrou uma pessoa que não sabia umas coisas muito básicas, tipo a diferença entre pessoas trans e drags. Não era aquele tipo de representatividade que a gente queria.

No documentário Karol chora diversas vezes, se desculpa, se mostra arrependida. Apesar de eu ter visto muita gente falando que não é sincero, eu acredito que seja. De verdade. Porque eu acredito muito que se ver fazendo aquelas coisas e ver a reação das pessoas a isso causa um impacto muito grande. Não concordo com o “nunca fui assim”, “não me reconheço”, mas no baque que deve ser se ver como espectador do que você sempre foi. Colocar você em seu pior momento na frente de um espelho. Eu acho que isso deve ser muito desolador e imagino que se talvez eu fosse filmada e tivesse que rever alguns momentos da minha vida que eu talvez não ache que fui ruim, maldosa, eu também tenha vergonha de mim mesma. E duvido muito de quem diria que o contrário disso.

Mas, para mim, o documentário não consegue entregar a redenção da Karol porque tá muito na cara. E tá muito cedo.

A Karol está até certa em dizer que as pessoas esperam que ela apareça chorando nas câmeras e definhando para ser perdoada, que ela teria que se arrastar para pedir perdão. Mas, cara… o BBB nem acabou.

O Lucas Penteado recusou o convite para participar do documentário dizendo que não está preparado para aquela conversa. Eu acredito que o público também não está e a tentativa desse filme de acelerar o processo de perdão a Karol acaba fazendo o tiro sair pela culatra.

 

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