“Não estou chorando por estar menstruada ou qualquer coisa. Eu não acredito que um filme sobre menstruação ganhou o Oscar!”, disse Rayka Zehtabchi, diretora de Absorvendo o Tabu, ao receber sua estatueta na noite de domingo (dia 24) na 91º cerimônia do Oscar.

O curta é um documentário que fala sobre como o estigma da menstruação em uma comunidade rural na Índia impacta no dia a dia das mulheres. O filme mostra como a questão cultural, que relaciona menstruação com impureza e, assim, mulheres menstruadas como “impuras”, impede que elas frequentem escolas, trabalho, templos, entre outros espaços públicos.

A origem deste mito remonta à mitologia hindu do assassinato de Vritras por Indra. Segundo o Veda – quatro obras que consistem em vários tipos de textos, todos datando aos tempos antigos – o fluxo menstrual é a representação da culpa que as mulheres tomaram sobre si mesmas como parte do assassinato cometido por Indra. O artigo Menstruation related myths in India: strategies for combating it menciona além desse outros mitos, mostrando como é forte culturalmente a correlação entre o período menstrual e a impureza:

As normas culturais e os tabus religiosos sobre a menstruação são frequentemente compostos por associações tradicionais com espíritos malignos, vergonha e constrangimento em torno da reprodução sexual. Em algumas culturas, as mulheres enterram os panos usados durante a menstruação para evitar que sejam usados por espíritos malignos. No Suriname, acredita-se que o sangue menstrual é perigoso, e uma pessoa malévola pode causar dano a uma mulher ou menina menstruada usando magia negra (“wisi”). Acredita-se também que uma mulher pode usar seu sangue menstrual para impor sua vontade a um homem.

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Em algumas partes da Índia, as percepções do hinduísmo centram-se em noções de pureza e poluição. Acredita-se que excrementos corporais sejam poluentes, assim como os corpos ao produzi-los. Todas as mulheres, independentemente da sua casta social, expõe-se à poluição através dos processos corporais da menstruação e do parto. A água é considerada o meio mais comum de purificação. A proteção das fontes de água contra essa poluição, que é a manifestação física das divindades hindus, é, portanto, uma preocupação fundamental. Esta é a possível razão pela qual as mulheres menstruadas não podem tomar banho, especialmente nos primeiros dias ciclo menstrual. Acredita-se que, se uma menina ou mulher toca uma vaca enquanto ela está menstruada, a vaca se tornará infértil – levando as meninas a associarem seus próprios corpos à maldição e à impureza”.

O impacto desses mitos na vida das mulheres é demonstrado no documentário. “Estudei até chegar ao ensino médio, mas quando comecei a menstruar, tornou-se realmente desafiador”, diz uma jovem.  A falta de acesso a um produto básico de saúde, como os absorventes, faz com que 23% das meninas indianas abandonem os estudos. O tabu em torno do tema também impede que elas comprem o produto em lojas, seja pelo vendedor ser um homem seja por estarem envoltas de homens no local.

Um estudo feito em 2015 aponta que 77% das mulheres indianas usam pedaços de pano velhos para absorver o sangue do período menstrual, que muitas vezes é reutilizado a cada mês:

Além disso, 88% das mulheres na Índia às vezes recorrem ao uso de cinzas, jornais, folhas secas e areia para ajudar na absorção. A má proteção e instalações de lavagem inadequadas podem aumentar a suscetibilidade à infecção, com o odor do sangue menstrual colocando as meninas em risco de serem estigmatizadas. Este último pode ter implicações significativas para sua saúde mental. O desafio de abordar os tabus e crenças socioculturais na menstruação, é ainda agravado pelo fato de que os níveis de conhecimento e compreensão da puberdade, menstruação e saúde reprodutiva das meninas são muito baixos.

O documentário mostra também a história de mulheres se unindo para produzir absorventes baratos e vendê-los nas comunidades indianas. Assim, além de contribuírem para que mulheres tenham acesso a estes produtos, a produção serve de estímulo à independência financeira daquelas mulheres.

A máquina que utilizam para fazer o absorvente, bem como o próprio documentário, foram financiados por estudantes da Escola Oakwood em Los Angeles. Portanto, o filme não se limita a mostrar um problema, mas também em pensar em ferramentas para solucioná-lo. Dessa forma, muito mais do que um documentário sobre menstruação, é um documentário sobre a força feminina em resistir a toda adversidade que nos impõe sobre o nosso gênero.

 

Bruna Rangel é escritora, cofundadora da Não Me Kahlo e Editora de Conteúdo deste site.
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