A ARTIGO 19, organização de direitos humanos que trabalha na promoção e defesa da liberdade de expressão e do acesso à informação, lançou nesta quarta (19) um relatório inédito sobre acesso à informação e direito ao aborto nos casos previstos em lei.

O aborto no Brasil é legalizado em casos de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia fetal. Vale lembrar, em nenhum dos casos é necessário que a mulher apresente Boletim de Ocorrência ou qualquer ordem judicial para realizar o procedimento. Nos dois últimos casos, risco à vida da gestante e anencefalia fetal, é exigido um laudo médico que comprove a condição para, assim, dar prosseguimento à interrupção da gestação.

No entanto, apesar da legalidade do procedimento nesses casos, apenas 43% (76 hospitais) dos 176 hospitais públicos de todo o Brasil indicados para realização da interrupção da gestação afirmaram realizar o procedimento.

A publicação consolida evidências de que o acesso à informação é uma barreira para a realização do procedimento, concluindo que – seja por medo justificado de retaliação, por desconhecimento ou por objeções morais mais diretas à garantia desse direito – no geral, foi difícil conseguir informações via telefone nos estabelecimentos de saúde.

Por exemplo, 7 hospitais informaram que realizam o aborto nos três casos previstos em lei, 6 hospitais realizam somente nos casos de violência sexual e anencefalia e 3 hospitais realizam somente no caso de estupro.

Quanto à idade gestacional máxima para o abortamento, as respostas foram completamente dissonantes. Alguns afirmaram realizar o procedimento até 12 semanas, outros 14 semanas, outros 20, 22 semanas. De acordo com a norma técnica Atenção Humanizada ao Abortamento (2011), o abortamento pode ser realizado até a 20ª ou 22ª semana e com o feto pesando menos que 500g.

Além disso, 16 hospitais mencionaram o Boletim de Ocorrência entre os documentos necessários para a realização do aborto legal – ainda que não seja necessária a apresentação do BO desde a publicação de uma portaria em 2005.

 

DESCASO NO ATENDIMENTO

 

Dentre os hospitais que informaram não fazer aborto legal, chama a atenção o descaso e a rudeza no atendimento. Por exemplo, uma série de hospitais disseram que não realizariam o aborto legal “pois é crime”, evidenciando o desconhecimento da legislação sobre o tema. Destaca-se nesses casos respostas como “deus me livre!”, “claro que não faz aborto”, “aborto é crime e aqui não defendemos direitos humanos para bandido” e “nenhum médico realizará o procedimento”.

Um hospital perguntou se a Usuária poderia provar que tinha sido estuprada – e nesse caso, inclusive, expôs o caso às/aos colegas que estavam na mesma sala, falando detalhes em voz alta – e outro perguntou se ela conhecia o autor da violência.

É desnecessário dizer que tais comportamentos constrangem as mulheres que buscam informações sobre aborto legal, e até mesmo desmotivam que tenham acesso ao procedimento às que legalmente têm direito.

 

METODOLOGIA

 

A base da pesquisa, segundo o Relatório, foi construída a partir do acesso a duas listas de informações públicas disponibilizadas pelo Ministério da Saúde. A primeira obtida a partir do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) do Sistema Único de Saúde e a segunda adquirida diretamente do Ministério da Saúde, via solicitação de acesso à informação. Juntadas as listas e excluídas as repetições, chegou-se a uma lista com 176 estabelecimentos, que compôs a base de dados para a elaboração do Mapa.

Depois, para certificação de que, de fato, as cidadãs teriam acesso ao serviço de aborto legal, foi realizado contato telefônico com todos os 176 estabelecimentos de saúde.

As ligações foram realizadas para os 176 hospitais por dois perfis – um que se apresentaria como Pesquisadora, em busca de informações para fins de pesquisa, e um que se apresentaria como Usuária, que estaria buscando informações para conseguir realizar o abortamento legal. A Usuária conseguiu falar com 140 hospitais, enquanto a Pesquisadora conseguiu falar com apenas 22 hospitais.

Os hospitais que confirmaram a realização do aborto legal na pesquisa telefônica foram listados na plataforma mapaabortolegal.org.

Saiba mais sobre a metodologia acessando o Relatório.

 

MAPA ABORTO LEGAL

 

O site, de domínio www.mapaabortolegal.org, reúne informações úteis sobre direitos sexuais e reprodutivos, principalmente sobre aborto legal, em linguagem cidadã, a fim de informar diretamente mulheres que estejam buscando acessar esse direito nos serviços públicos de saúde. Além disso, a plataforma também reúne dados e outras publicações que possam interessar a  jornalistas, pesquisadoras/es da área e cidadãs/ãos de modo geral.

A plataforma surge, principalmente, para suprir a lacuna de inexistência de uma lista atualizada e unificada, fornecida pelo Ministério da Saúde, que apresente todos os estabelecimentos de saúde pública que realizam aborto legal no país. Sem essa lista, muitas mulheres (sobretudo as mais pobres e não brancas), ficam desamparadas e sem saber a quais locais recorrer caso necessitem interromper a gestação.

 

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