Benguela já nasceu na forca. O que te amarrava era seu próprio cordão umbilical. Nasceu na marra. Nasceu lutando pela sua própria vida entre o seu enlaçar e o fórceps. E com toda a brutalidade para vir ao mundo, ela não chorou. Não nasceu chorando. Aguentou a dor calada. E assim permaneceu por quase toda a vida silenciada. 

Benguela nunca conheceu Freud, Lacan, ou foi para o divã, para entender as suas próprias neuras. Aprendeu com a própria vida sofrida. Ela nunca desfrutou do tempo abstrato de viver em crises existenciais. Embora sempre esteve em contato com suas próprias crises existenciais. A diferença era que Benguela sempre priorizava a sua sobrevivência entre a existência.

Benguela nunca foi para fora do país para se entender, para se conhecer, para se perceber. Todas as suas reflexões foram feitas no lavar de roupa, da louça. No esfregar o chão, no varrer o terreiro. Ela não precisou conhecer os conceitos da psicanálise para fazer as suas autoanálises.

Benguela entendia muito bem que se não fosse por ela mesma, nada mudaria. Ninguém a reconhecia. Então Benguela fez da mesma força para nascer a sua própria força para renascer e ascender.

Benguela guerreou contra todos e tudo que a impedia de existir. Sempre só, mas sempre acompanhada. Desde pequena que Benguela tem um amigo invisível aos nossos olhos, que só ela vê, sente. É Benguela que sempre está aos olhos dele. Como das tantas vezes em que se encontrou em alguma situação de perigo, e ele a livrou, te salvou de todo mal.  Por isso que ela sempre o agrada. Todo dia ela lhe dá água e o despacha. 

Benguela aprendeu com sua avó que é devagarinho que se chega lá. Ela não precisa dizer o que é. Ela é! E ela sempre foi o oposto de tudo aquilo que pensavam que ela fosse. A presença por si só de Benguela quebra o que se espera dela. 

Esperavam que ela continuasse silenciada. Calada. Subordinada aos feitores de quem se achava proprietária dela. Até tentaram manter por perto. Aprisioná-la em relações arbitrárias. Mas esqueceram que água de rio não fica parada. Não se impede o fluxo das águas.

Benguela foi. Seguiu seu próprio rumo. Contornou as próprias barreiras que a impedia de ser o que ela é. Benguela só se enxergou mulher quando na beira do rio ela se viu, se notou, se banhou do sagrado. E foi lá, no colo de mamãe Oxum, que ela chorou. Chora Ye Ye ô!

Hoje, Benguela se tornou espelho para tantas mulheres negras, que assim como ela, buscam seu brilho ao sol. Um brilho único que ofusca qualquer olhar de preconceito, discriminação e racismo. 

Em qualquer lugar que Benguela chega, luzes se acendem. Estrelas se juntam a sua constelação. E não é ego. São almas pretas que se reencontram para reconquistar tudo aquilo que nos tiraram, à força, e na forca. 

Julho é o mês de Tereza Benguela. De contar a sua história. A minha história. E não permitiremos mais que falem por nós. Nossa história não é estória. Não seremos mais palanque ou trampolim para pessoas não negras falarem por nós. Sempre tivemos voz. Destampem os ouvidos e nos ouçam. Nossos gritos não são de agora. Ecoam tempos outrora. Silencie! Mas não nos silenciem. 

Benguela está viva e se manifesta em mim, em nós. E não é de agora. Porque a gente não morre. Se encanta. Se torna natureza. Por isso, eu cultuo a natureza em mim e (me) manifesto culto a Benguela porque ela sou eu. 

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