Escrevo de Santiago, no Chile. É minha segunda vez por aqui. Se antes me deslumbrava com as lindas paisagens e a energia misteriosa do país, hoje continuo assim, mas um pouco mais realista. A minha primeira viagem foi mais turista. Talvez seja por isso que não consegui identificar tudo o que estava por trás de cada região ou do olhar de cada chileno.

Contudo, felizmente, esta experiência é mais real, mais profunda e me permitiu descobrir coisas sobre o país que antes eu não notava. Também me fez perceber que o Brasil segue um caminho perigoso e muito parecido com o que aconteceu aqui. Vou explicar o que quero dizer com isso.

 

Capitalismo selvagem

 

Já estive em cinco países, na América Latina, e o Chile, sem qualquer dúvida, é o mais capitalista. Fruto, certamente, da Ditadura Militar que foi uma das mais sanguinárias na América Latina. É devastador perceber que o reflexo deste período ainda assombra o país e que isso pode ser observado tanto no comportamento de muitos chilenos quanto na vida prática.

Durante a ditadura, praticamente tudo foi privatizado. Inclusive, a aposentadoria. O resultado disso é que por aqui você encontra muitos idosos trabalhando como vendedores ambulantes ou pedindo dinheiro na rua. Além disso, o número de suicídio entre idosos é assustador.

Segundo o Ministério da Saúde, em média 17,7 a cada 100 mil pessoas, maiores de 80 anos, recorrem ao suicídio. Vale um adendo importante: a reforma da previdência defendida pela Bolsonaro é influenciada pelo sistema empregado, atualmente, no Chile.

E não para por aí.

Antes da ditadura militar, o país contava com um sistema educacional muito parecido com o que temos no Brasil. Contudo, a Ditadura também foi capaz de retirar este direito. Pinochet implantou um sistema de voucher nas escolas, ou seja, cada aluno recebia um valor para pagar a educação básica.

Desta forma, as escolas não eram mais subsidiadas diretamente pelo governo. Isso fez com que houvesse um abismo de oportunidade para os mais pobres, que acabavam estudando em escolas com poucos recursos financeiros e com pouca qualidade.

O governo militar ainda desmembrou as universidades públicas em diversas instituições independentes. O objetivo era “melhorar” a qualidade do ensino (soa parecido com o discurso de algum presidente por aí?).

Desta forma, o modelo liberal fez com que houvesse uma proliferação de universidades privadas e também dificultou a entrada de pessoas pobres, já que era necessário pagar mensalidade até mesmo em universidades públicas.

Com isso, 73% da renda das famílias chilenas eram destinadas a pagar os estudos dos seus familiares [2]. Após a  reforma da ex-presidenta  Bachelet, o cenário mudou parcialmente. Todavia, estudar no Chile ainda é continua sendo uma dificuldade para pessoas pobres.

Por fim, também descobri por aqui que não há sistema público de saúde. Ou seja, se você sofrer um acidente ou ficar doente e não tiver um plano de saúde, você pode MORRER.

 

Nossos direitos, ninguém sai

 

Sinceramente, gostaria de falar sobre as coisas incríveis que estou vivendo aqui, sobre as paisagens que são maravilhosas, sobre a cultura chilena, que é tão rica, mas não posso.

Não posso me dar ao luxo de ver com meus próprios olhos o resultado desastroso da implantação de um modelo liberal e ficar em silêncio. Neste momento, não. Afinal, o caminho do Brasil me parece idêntico ao caminho que o Chile seguiu durante a Ditadura. 19 anos já se passaram desde a retirada dos direitos no Chile e até hoje a luta pela reconquista é intensa e avança em pequenos passos.

Imagine viver sem a garantia de direitos trabalhistas (aqui as relações de trabalhos são praticamente na informalidade)? Imagina viver sem a garantia de saúde e educação? Conseguiu imaginar? Então, é o caminho que o Brasil está seguindo.

Hasta luego.

 

[1] Ministério da Saúde, em parceria com o Instituto Nacional de Estatísticas (INE).

[2] Fórum Econômico Mundial (FEM).

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