*Artigo originalmente publicado no site Literary Hub. Traduzido por Maria Gabriela Bandeira e revisado por Carol Ribeiro.

Se um autor disser que ele é seu pior crítico, não acredite. Não quer dizer que ele esteja mentindo ou tentando parecer humilde. Ele simplesmente ainda não encontrou o Goodreaders.

Para aquelas raras almas que nunca visitam este site, aqui está tudo o que você precisa saber: ele é como o lar de milhões dos leitores mais espirituosos de todo o mundo. Quando eles amam um livro, o amam com uma paixão que você não vai encontrar em nenhum outro lugar. E quando odeiam um livro… Idem. Ler as resenhas de qualquer romance marcadas com “uma estrela” é como pular dentro de um liquidificador. Algumas das críticas são devastadoramente profundas. Outras, como uma pichação no banheiro público. Algumas poderiam ter vindo diretamente do diário do assassino do Zodíaco. Há pessoas lá fora, na internet, com quem eu não gostaria de cruzar pelo caminho para discutir.

Eu me preparei para o pior com The Flight of the Silvers (sem tradução para o português), meu livro de 600 páginas sobre duas irmãs e quatro estranhos salvos de um apocalipse por forças misteriosas e trazidos para uma espécie de Terra alternativa. Era o primeiro livro de uma trilogia, meu primeiro título com a editora Penguin e minha primeira incursão na ficção científica, gênero conhecido por seus leitores brutos e inconstantes. Se eu pudesse imaginar que alguma coisa me derrubaria, apostaria nos aspectos técnicos. Não expliquei a ciência por trás dos meus conceitos. Este é um conto de seis pessoas únicas em uma situação impossível. Na minha cabeça, era tudo sobre as personagens.

Então, imaginem minha consternação quando chequei os comentários e percebi que as personagens eram a principal fonte de queixas. Foram Hannah e Amanda Given, as irmãs de 20 e poucos anos, que provocaram a maior parte do desprezo. Elas são estúpidas. Elas são choronas. Elas discutem o tempo todo. Uma delas tem peitos enormes e o autor os menciona o tempo todo.

Então, quatro semanas depois da publicação do livro, alguém simplesmente disse: Este é um livro sexista.

Eu estava no chão. Passei tanto tempo criando as irmãs Given quanto passei criando qualquer outra personagem, devotei incontáveis páginas para suas forças e fraquezas, os arcos das personagens e suas evoluções de personalidade. Mais do que isso, eu tive nove leitores “beta”, todos espertos e grandes amigos, que jamais teriam hesitado em me chamar de autor sexista. Vanessa, minha editora na Blue Rider Press, tinha expressado alguma preocupação com relação ao fato de as irmãs serem um pouco “cansativas”, às vezes. Elas haviam acabado de perder seu planeta inteiro, mas tudo bem. Eu atenuei isso.

As reclamações continuavam chegando, em minoria, mas com vozes que pareciam só aparecer no Goodreaders. A cada cinquenta leitoras que faziam uma boa resenha para The Flight of the Silvers, uma me queria ardendo em brasas por ser um misógino furioso.

Jesus. Um conhecido do sexo masculino me escreveu. A polícia da internet está vindo atrás de você.

Besteira. Eu não estava sendo “policiado”, apenas criticado. Não era um ato de opressão pessoal, apenas um punhado de leitores expressando suas opiniões, como tinham direito de fazer. Posso ter minhas falhas e pontos cegos teimosos, mas nunca fui balístico porque uma feminista se opôs a algo de que eu gostava. Não sou muito frágil para discutir.

Ainda assim, eu tinha direito de ter minha própria opinião sobre as opiniões delas, e eu não concordava. Algumas vezes, admito, eu estava na defensiva. Você não pode passar três anos escrevendo um livro e não sentir uma espécie de parentesco com ele. Mais que isso, eu tinha uma verdadeira montanha de leitores que elogiavam a profundidade e a complexidade das minhas heroínas.

Mas a principal razão para eu não ter levado em consideração as acusações de sexismo foi porque ninguém tinha apresentado um argumento sério. Aquelas primeiras resenhas eram apenas críticas, linhas escritas rapidamente sob efeito do ódio, como se alguém gritasse com você da janela de um carro em movimento. Eventualmente, um artigo mais detalhado apareceu, mas ele estava tão cheio de fatos malsucedidos e argumentos de má-fé que quase pensei que era uma paródia. Praticamente nada no meu livro havia acontecido da forma como a leitora descrevera. No entanto, a raiva dela era real, e ela não estava sozinha.

Em junho de 2015, quase um ano e meio depois que The Flight of the Silvers foi publicado, uma leitora chamada Erin me mandou um e-mail com um dilema. Ela nunca havia escrito críticas, contou. E mesmo que as tivesse feito antes, não saberia como avaliar meu livro. Havia gostado do enredo. Havia gostado das personagens. Tinha amado o mundo paralelo que eu construí. Mas existia uma tendência sexista à história que continuava sobressaindo-se uma e outra vez, como um dedo nos olhos.

Deprimido, lhe escrevi de volta e perguntei, da maneira mais gentil possível, se ela se importaria em elaborar melhor essa questão. Três dias depois, fiquei chocado ao receber “a mãe de todos os e-mails” – quase duas mil palavras de análise crítica, todas originais e com exemplos do meu romance. Ela separou minha história com bisturi, não com uma motosserra. Foi a melhor “pior revisão” que já consegui na vida.

Não vou te incomodar com cada mínimo detalhe, até porque eles não terão sentido algum se você não leu meu livro. O importante é saber que adoro personagens imperfeitas, sejam homens ou mulheres. Heróis perfeitos derrubam a merda de todos, principalmente porque não têm espaço para crescer. Os seis protagonistas de The Flight of the Silvers começam num lugar fraco e lamentável. Eles são como Thelma, no início de Thelma & Louise. São o Luke Skywalker resmungando para o tio sobre conversores de energia. Mas todos ficam fortes à medida que a história continua, as irmãs acima de tudo.

O problema, Erin explicou perfeitamente, não era o fato de eu ter criado minhas personagens femininas de forma tão imperfeita. Era que as fraquezas que dei a elas as tornaram extremamente estereotipadas. Amanda é uma enfermeira tímida e cristã. Hannah é uma jovem atriz que se ampara na intimidade sexual como uma muleta. Ambas têm ciúme perpétuo uma da outra, principalmente pelas diferentes maneiras como os homens respondem a cada uma. Além disso, elas gastam um tempo além do necessário pensando em potenciais interesses românticos do grupo, e eu exagerei nas palavras que usei para descrever seus aspectos físicos (sim, isso inclui os seios).

Precisei de três dias e duas noites para processar completamente os comentários de Erin. Naquele fim de semana, peguei uma cópia em brochura de The Flight of the Silvers e, pela primeira vez em dois anos, o li de capa a capa. Já carregava comigo uma série de arrependimentos sobre a história: escolha de palavras, cenas, uma metáfora ridícula aqui e ali. Mas agora, eu também estava vendo tudo o que Erin estava falando – todos os pormenores que eram invisíveis para alguns e irritantes para outros. Os erros que cometi não eram enormes, mas também não eram novos. A maioria dos leitores do sexo feminino já os viu mil vezes antes, em mil livros. E nisso reside a raiva.

Gostaria de poder dizer que isso foi uma epifania agradável, mas me atingiu com força em todos os ângulos. Doeu perceber que eu não era tão iluminado como pensei que fosse. Doía pensar nos leitores que estavam irritados, distraídos ou alienados pelas minhas gafes. Doía saber que eu poderia corrigir todos esses problemas com uma semana de reescritas simples, se eu tivesse percebido a tempo. Era muito tarde para mudar The Flight of the Silvers. Mas eu não estava inteiramente desamparado.

Onze meses após minha troca de e-mails com Erin, eu a escrevi de novo e perguntei se ela estaria interessada em ler um rascunho inicial de The Song of the Orphans, a sequência de 750 páginas de Silvers, que deveria ser lançada em julho de 2017. Ao revisitar páginas antigas, encontrei muitos dos mesmos erros que cometi no primeiro livro. Não só consegui consertá-los desta vez, como encontrei dezenas de oportunidades para lançar minhas heroínas em uma luz mais forte, dando-lhes mais atitude, mais individualidade, mais distinção, mais tudo. Mas eu ainda queria ouvir os pensamentos de Erin.

Enviei-lhe um PDF do meu manuscrito. As próximas seis semanas passaram-se sem um pio. Assim que eu já estava começando a temer que tivesse desistido de mim, ela me enviou um pequeno e-mail no meio da noite. Sem linha de assunto. Nenhuma saudação. Apenas três palavras simples em fonte Genebra, tamanho 10: Caramba. Você ouviu.

Sim, eu escutei. Ela tinha sido um caso difícil. Ela tomou o tempo de falar comigo em vez de gritar de longe. O mínimo que pude fazer em troca foi colocar o meu orgulho teimoso de lado e olhar para o meu trabalho sob um ponto de vista mais amplo.

No final do dia, não se trata de apaixonar os críticos. Trata-se de se tornar um escritor melhor. Em uma história com carros voadores e campos de força, é vital ter personagens tridimensionais que atuem de forma realista. E em um gênero literário que tem sido historicamente forjado com falsas declarações e sub-representações, não é demais pedir a um autor como eu para pensar um pouco mais nos leitores.

Erin me pediu, da maneira mais convincente possível, para fazer melhor. Respondi-lhe com um livro melhor.