Roman Polanski é foragido da Justiça estadunidense desde 1978. Ele admitiu o estupro de Samantha Geimer, uma menina na época com 13 anos. Atualmente, enfrenta nova acusação de estupro, desta vez por parte da ex-modelo e hoje fotógrafa Valentine Monnier. “Em 1975 fui estuprada por Roman Polanski. Eu não tinha nenhum vínculo com ele, nem pessoal nem profissional, e mal o conhecia. Foi de uma violência extrema, depois de esquiar, em seu chalé de Gstaad (Suíça). Bateu em mim até que eu me rendi. Depois me violentou me fazendo sofrer todas as vicissitudes. Eu acabava de completar 18 anos”, declarou ao jornal francês Le Parisien.

As particularidades dos casos não cabem ser dissecadas no momento. Fato é que, nesta sexta-feira, Polanski foi agraciado com um César, maior prêmio do cinema francês, na categoria de melhor direção pelo filme J’accuse. Na mesma hora, em protesto, atrizes e diretoras abandonam o evento. Entre elas, a protagonista de “Retratos de uma Jovem em Chamas”, Adèle Haenel. Ela recentemente revelou ter sido abusada sexualmente na infância também por um cineasta. Em entrevista ao New York Times, afirmou: “Distinguir Polanski é cuspir na cara de todas as vítimas. Significa: ‘não é tão ruim estuprar mulheres'”.⠀

Adèle Haenel

Mandatory Credit: Photo by Willy Sanjuan/Invision/AP/Shutterstock (10518042dl)
Adèle Haenel quitte la salle.

 

 

Do lado de fora, centenas de manifestantes se reuniram em protesto contra as doze indicações do novo filme do cineasta. O próprio Polanski não compareceu ao evento. Talvez com medo das represálias, mas na verdade ele tem muito mais apoiadores. Afinal, é só começar a criticar Polanski que aparece algum homem do nada para falar: “devemos separar a obra do artista!”.

Afinal, seria essa manifestação uma forma censura? A própria Adèle Haenel respondeu na entrevista mencionada: “a censura real no cinema francês é invisibilidade, em particular das minorias raciais”, disse. Polanski, no máximo, sofre uma tentativa de boicote. E ainda assim, em certos termos específicos.

Eu concordo, por exemplo, que devemos ter acesso a obras de homens merda como Polanski. Elas devem ser vistas, lidas, refletidas, criticadas, e não apagadas da história como se nunca houvessem existido. Até mesmo as críticas aos seus criadores dependem também da avaliação do impacto cultural de suas obras. No entanto, não é isso que estamos falando quando se trata de premiações.

Em premiações, falamos não só da avaliação técnica de uma obra. Aliás, às vezes parece que nem isso é o que mais importa, visto que nem sempre os filmes tecnicamente mais aclamados por especialistas realmente vencem o prêmio. Trata-se, portanto, de um reconhecimento que perpassa a celebração de um artista.

O que está em discussão, portanto é: devemos celebrar estupradores?