A associação do bordado à repressão feminina vem sendo desconstruída. Por muitos anos, essa técnica foi repassada de geração à geração e servia como um indicador da qualidade da mulher na sociedade: mulheres que sabiam bordar eram consideradas “prendadas” e, portanto, dariam excelentes esposas. O bordado, inclusive, foi colocado como matéria obrigatória na grade de colégios internos femininos do século XX para que as meninas aprendessem, assim, a enfeitarem seu futuro enxoval de casamento.

Mas ao longo dos anos o bordado foi subvertido. “Essa ideia de subverter o bordado tradicional já foi explorada ao longo da história, especialmente por artistas feministas na década de 1970”, explica Amanda Zacarkim, membra do coletivo Clube do Bordado, criado em 2013. O coletivo conta com a participação de seis sócias-bordadeiras e auxiliou na ressignificação dessa forma de artesanato no Brasil. Ela conta que, no ano em que decidiram se juntar, as membras do coletivo não conheciam esse modo de expressão e devido a isso, foi natural usá-lo para “explorar universo feminino e questões feministas que vivemos diariamente.”

Outra bordadeira que transformou a temática comum dos bordados foi Bruna Antunes. A gaúcha foi eleita como uma das “mulheres inspiradoras de 2016” pelo site Think Olga na seção ativismo e cidadania por conta de seus trabalhos manuais. Ela conta que começou a bordar temáticas feministas por meio de um pedido que uma amiga fez de que ela lhe ensinasse a técnica : “Ela me mostrou contas no Instagram de inglesas e norte-americanas que estavam fazendo justamente isso – usando o bordado como suporte para mensagens feministas. Foi a partir desse dia que eu resolvi bordar essa temática e, por consequência natural, ensinar bordado com esses temas.”

As obras do coletivo e de Bruna possuem o perfeito equilíbrio entre delicadeza eBruna Antunespotencialidade que ativou a curiosidade e possibilitou a adesão de muitas bordadeiras e iniciantes na temática. Para Bruna, “o bordado, pelas características da técnica, pelos materiais e suportes, fica responsável pela delicadeza. A força vem das mensagens e dos desenhos.” Em seus trabalhos pessoais, ela combina letterings delicados com frases impactantes e borda vaginas, úteros e vulvas em meio a flores. Já Amanda responde de maneira mais subjetiva à questão da harmonia entre sensibilidade e força, “esse equilíbrio é o anseio e conquista diária de muitas mulheres que se desdobram entre diferentes papéis, diferentes quereres, e que têm estado cada vez mais dispostas a entender que essa força, garra e amorosidade são de todas nós. Acreditamos que reconhecer a beleza e a força do feminino também se torna um ato político, uma celebração de quem somos em meio a um mundo individualista, competitivo e machista”, conclui.

As questões de gênero são uma preocupação constante das meninas do Clube do Bordado. Em 2014, elas criaram uma coleção chamada “Love Porn” na qual, entre outras peças empoderadas, havia o trabalho de uma das bordadeiras que representava um casal em que um dos pares era trans. “Nós achamos que é papel da arte apresentar outras formas de ver o mundo, que gerem sensações e convidem as pessoas a (re)pensar conceitos e entender que a escolha do outro pode ser tão válida quanto a sua”, opina Amanda. O debate desses assuntos também encontra lugar nos cursos de Bruna Antunes, que acredita que a presença de pessoas interessadas em um mesmo espaço auxilia no entendimento de posicionamentos políticos e das questões feministas.

E é aí que entra outro conceito dessa luta que ganhou visibilidade recentemente nas redes sociais: a sororidade. O artesanato é uma maneira fortalecer o espírito individual e a reunião de bordadeiros que, em sua maioria, ainda são mulheres, servindo para proporcionar o fortalecimento do grupo e  uma maior empatia feminina. “A sororidade cabe em qualquer espaço onde 2 ou mais mulheres coabitem”, afirma Bruna. “Todas temos algo a ensinar e a aprender. Em ambientes como os dos meus cursos, as alunas são incentivadas a essa troca, e acredito que isso ocorra em grande parte dos cursos de artesanato. Acredito muito no potencial de ambientes majoritariamente femininos e que envolvam aprendizado”.

 Bordado de Bruna Antunes 

Para Amanda Zacarkim, a sororidade é o que faz com que o bordado contemporâneo tenha força e seja uma ferramenta empoderadora para tantas mulheres. “Ao longo desses anos, percebemos que esse movimento de aprender e resgatar as técnicas manuais está acontecendo numa esfera ampla, sem muitas barreiras de gênero, e com o conhecimento prévio sendo substituído pela troca de saberes. A partir disso surge um pequeno universo novo em que podem ser criadas novas conexões – um novo grupo de amigas(os) ou um momento de ensinar e aprender com as mulheres da família”.

O bordado assim se torna um instrumento de união. O Clube do Bordado enxergou essa outra função das manualidades e reuniu diversos relatos de bordadeiros e iniciantes no perfil do Instagram @gentequeborda. “Recebíamos tantos emails, mensagens e relatos de novos grupos se formando pelo Brasil de pessoas que tiveram grandes mudanças em sua rotina ou em sua aceitação pessoal, saúde mental e física, que resolvemos contar essas histórias para inspirar ainda mais gente a criar um tempo para si através do fazer com as mãos”, conta Amanda. Inclusive, a participação masculina nesses grupos vem crescendo com o passar dos anos, o que reitera a desconstrução do estereótipo de que bordar é uma atividade de interesse exclusivamente feminino. “Fiz uma oficina de bordado em papel durante um evento e a turma foi mista, 50% meninas e 50% meninos”, conta Bruna Antunes. Marina Dini, bordadeira-sócia do Clube do Bordado, também relata outra situação em que os homens participaram das oficinas de bordado que as meninas do coletivo ministraram em cidades do interior de São Paulo. “Eles se interessaram livres de preconceitos e abertos a aprender uma atividade nova. Ficamos muito felizes em perceber que a técnica não é mais vista como algo exclusivamente feminino como antigamente, e nem deve, já que lutamos cada vez mais pela igualdade de gêneros”, diz.

Clube do Bordado no Youtube: https://www.youtube.com/c/clubedobordado

Site: http://www.oclubedobordado.com/index.html

Instagram do curso da Bruna Antunes: https://www.instagram.com/bordadoempoderado

Bruna Diseró é estudante de jornalismo da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e trabalha como repórter para o site Sala 33. Percebeu-se feminista há alguns anos e, desde então, tenta transmitir essa mensagem pelos seus textos.  
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