“Eu prefiro falar egressa, porque egressa a gente é de tanto lugar, né?”.  A fala é de Karine, uma menina que, após a separação conflituosa dos pais aos 14 anos, começou a se envolver com drogas e entrar no mundo do crime. Essa e a história de outras quatro mulheres – Luana, Naiara, Bianca e Flora – estão presentes no livro “Egressas: histórias de mulheres depois das grades”, da jornalista Bianca Kachani.

No entanto, não se trata de um perfil individual de cada uma. Na obra, as histórias se mesclam numa narrativa fluida. Os capítulos abordam várias temáticas que unem pontos em comum das histórias pessoais de cada uma, como a vida enquanto moradoras de rua, o vício das drogas, abrigos que as acolhiam e dos quais também fugiam, portanto, a vida antes e após a prisão. “Essa questão do livro não seguir uma divisão por personagem e os capítulos as vezes misturar as histórias de duas mulheres ou mais foi justamente pela minha vontade de que o resultado final do livro fosse o perfil de uma situação social, para mostrar que algo maior do que a história de cinco mulheres”, contou a autora para o Não Me Kahlo.

Confira abaixo a entrevista completa:

De onde surgiu a ideia de escrever esse livro?

Bianca: Esse livro é o produto do meu TCC. Eu me formei em jornalismo, apresentei ele para a banca, tirei nota máxima, fui indicada ao prêmio da faculdade e decidi levar o projeto mais adiante. Eu não queria deixá-lo na gaveta, então apresentei o material para algumas editoras e a Editora Autografia se interessou.

A ideia de escrever sobre esse assunto começou porque, primeiro, eu sempre gostei de jornalismo envolvendo tema sociais e de direitos humanos. Eu também sou muito feminista, então eu queria trabalhar com algo que envolvesse direito das mulheres de alguma forma e eu sempre me interessei muito por esse universo de mulheres presas. É um assunto que sempre me interessou muito, já li diversos livros-reportagem sobre esse assunto, já vi vários documentários, é um assunto que sempre me instigou. Aí parei pra pensar e me dei conta que existem vários livros, reportagens, muito material que fala sobre a vida das mulheres na cadeia mas pouco se fala sobre o que acontece quando elas saem da prisão. Existem pouquíssimos materiais que falam sobre o processo de ressocialização que contam como que é essa fase da mulher retomar a vida dela quando sai da cadeia.

Como foi o processo de selecionar essas histórias e encontrar essas mulheres?

B: Quando eu decidi que esse seria o tema, comecei a ir atrás das mulheres. Foi bem complicado ao ponto de até começar a pensar em mudar de tema. Como era um TCC, eu tinha um prazo e demorei bastante para conseguir encontrar de fato com elas pessoalmente porque são mulheres que vivem numa realidade completamente diferente da minha, não tinham dinheiro para pagar uma passagem de ônibus, por exemplo, fora a questão da confiança. Logo de cara nem todas estavam dispostas a compartilhar a história delas comigo, então conquistar a confiança dessas mulheres levou um tempo. Mas depois que a gente se conheceu também, eu formei um elo muito especial com todas elas, mantenho contato com a maioria, conversamos, falamos da vida e criamos um vínculo bem legal.

O ponto comum de todas as histórias, e que dá título ao livro, é a narrativa de mulheres que passaram pelo sistema prisional no Estado de São Paulo. No entanto, além disso existem outros pontos que conectam essas histórias?

B: Eu acho que as histórias tem muitos pontos em comum. Por isso que eu falo que o que eu quis construir no livro foi um perfil de uma situação social. Além de, é claro, o fato de todas terem passado pela prisão, tem alguns pontos que me chamaram mais atenção. Primeiro, a instabilidade familiar. Todas elas tem um núcleo familiar instável. Tem a Naiara que encontrou a própria mãe morta na rua, a Karine que tem a questão do divórcio dos pais, a Bianca que tem os pais alcoólatras, então todas vem de um núcleo familiar bem conturbado. Isso me chamou muito a atenção para a importância que a família tem na formação da pessoa. Outro ponto em comum que me chamou a atenção são as drogas. Todas elas praticamente são usuárias de crack ou outra droga e se você for pesquisar alguns dados você vai ver que a maioria das mulheres presas no Brasil são presas por tráfico, então é bastante comum. Fora isso, tem todos os pontos em comum de violação de direitos humanos na cadeia, na vivências que elas tem na própria prisão, de violência verbal, física, de falta de recursos, enfim.

Conversando com essas mulheres, quais os maiores desafios que de fato elas enfrentam após o cárcere?

B: Eu acho que é muito claro que a principal dificuldade é o trabalho. Lógico que faz um tempo que eu escrevi o livro, então a situação de algumas delas mudou, mas na época das entrevistas só duas das cinco mulheres estavam trabalhando. Uma delas é a Karine, que acho por ter uma vantagem muito grande de ser uma mulher de classe média, que teve acesso à educação que as outras meninas não tiveram, então ela foge um pouco da maioria. E a outra que estava trabalhando era a Flora, mas as outras relataram uma dificuldade muito grande de conseguir trabalho. Existe ainda um preconceito muito grande. O que elas relatam é que em entrevistas de emprego quando ficam sabendo que elas tem passagem pela cadeia elas são eliminadas do processo seletivo. Então, a passagem pelo cárcere cria uma barreira muito grande na hora de conseguir um emprego e sem trabalho fica muito mais difícil delas retomarem a vida. Não foi o caso de nenhuma delas, mas é por isso muitas egressas acabam voltando pro crime.

O livro pode ser adquirido aqui.

 

Como diz Angela Davis, a liberdade é uma luta constante. Falar sobre feminismo é necessário e eles não poderão contar com a comodidade do nosso silêncio! Precisamos falar mais e falar mais alto.

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