Ilustração por Raquel Thomé.

Texto originalmente publicado no Medium.

Tem algum tempo que a palavra feminista me serve como identificação. Agora todo mundo é feminista — felizmente -, a Beyoncé, Taylor Swift, Valeska, minha mãe, a mina do meu trabalho e muita, muita, gente na internet. Ainda que alguns tentem definir o que pode ou não caber na palavra feminista e apontar as falhas como um pecado digno de exclusão, eu nunca vou duvidar de uma mulher que se identifica como feminista. Até porque não tem muito tempo que esse termo carregava o peso de um esterótipo antiquado — na real, esse tempo ainda existe por aí, depende muito de onde e com quem você convive. Não que eu me importe de ser confundida com essa visão de feminista como uma mulher raivosa que não se depila, inclusive amo/sou, mas curto que as versões se atualizem.

Acho a popularização do feminismo muito importante e fico realmente irritada quando alguém — que geralmente fala a partir de uma posição privilegiada — vem apontar o quanto há de neoliberalismo nessa conquista. Primeiro, porque já deu de ficar supondo que a gente não tá ligada nesse rolê, a maioria das feministas que conheço são engajadas em diversas causas sociais e sabem muito bem a treta enorme que é fazer política. Em segundo lugar, acho que um dos grande desafios do nosso tempo é viver em um sistema que engole tudo que é possivelmente subversivo até transformá-lo em mercadoria, mas sabendo medir o quanto não precisamos desesperadamente de alguns direitos a ponto de ficarmos satisfeitos com a representatividade nos comerciais de perfume. Porque, sim, a gente quer destruir o patriarcado e obviamente o capitalismo, mas também queremos estar vivos, reconhecidos e felizes agora. Ainda que a felicidade dure o tempo de percebemos que estamos comprando um plano que é insuficiente, porque ainda se ergue em exploração. É aquele papo que já se tornou meme revisitado: enquanto você dança Flawless, é explorada, miga. O pior, enquanto vibra pela árdua conquista de um empoderamento, outas mulheres são exploradas. É foda, não dá pra medir em outra expressão.

Esse texto não é para apontar dedo na cara de ninguém, é muito mais autocrítica do que qualquer outra coisa. Quando digo “nós” é em referência a quem se identificar com essas angústias que são minhas em primeiro lugar. Não tô escrevendo às 03:08 da madrugada pra julgar o que uma outra mulher milita ou vive, sabe? Vem tudo de uma insatisfação pessoal que come meu sono e atrasa meu trabalho. Não quero cortar o barato ou questionar todas as possibilidades que nós estamos conquistando com um esforço enorme. É MARAVILHOSO viver em um mundo em que minha prima adolescente lê a Capitolina. É lindo abrir minhas redes sociais e só encontrar mensagens de sororidade e força feminina. É revigorante ter mais representatividade. Não sei mais existir sem meus grupos de apoio. E tudo isso — ainda que em um óbvio microcosmo da minha vidinha — é revolucionário de um jeito que não consigo ainda descrever. Mas e aí? Pra onde a gente vai?

O feminismo se tornou um movimento vasto e plural graças a sua popularização, mas o que a gente faz com isso agora? Tem muitas possibilidades, algumas já são bem reais. A opção mais óbvia é rachar a parada, o que me parece ser o mais lucrativo para um sistema que alimenta de nichos e teme classes unidas. Tamo aqui numas picuinhas desnecessárias, produzindo opressão entre nós mesmas, incapazes de dialogar e apegadas a um dialeto de internet. Também tem a possibilidade de lucrar com o feminismo quando ele se transforma em marca ou numa ideologia que venera as mulheres fortes e bem sucedidas. Com um grande cuidado e trabalho coletivo, é possível aprender lidar com as diferentes vozes que suportam a mesma causa. Por último, podemos nos deliciar com a primeira dose de poder e liberdade esquecendo que o caminho é longo.

Talvez meu problema seja que ultimamente a palavra feminista parece definir todo o meu ser. Eu sou feminista e isso é um começo imprescindível para que eu seja qualquer outra coisa. Mas eu sou — por ser feminista — uma imensidão de vontades, questões, lutas e incoerências. Eu quero tirar selfie com minhas amigas no lançamento do nosso livro feminista na Bienal, mas não quero que isso seja o que nos mova — e obviamente não é. Pode ser efeito da ansiedade que não me deixa nunca aproveitar o momento, mas provavelmente é uma necessidade questionar para quem existe meu feminismo. Não quero esquecer que não sou feminista só por mim. Por favor, que vocês continuem a me lembrar e que sigamos juntas nesse caminho, porque as tretas são imensamente maiores do que os textões da rede social, migas.

 

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