Infância e juventude no Brasil sofrem com problemas como a terceirização das políticas de educação e assistência, e o aumento da criminalização e do encarceramento. CRESS-SP vê a defesa de um outro projeto societário como fundamental na superação de velhos e novos desafios.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 30 anos no próximo dia 13 de julho. Depois de três décadas, o marco normativo entendido como a maior referência no campo dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil segue enfrentando inúmeros desafios na proteção da infância e da juventude brasileiras.

“Seria uma violência contra todos os meninos e meninas assassinados, presos e que vivem o fenômeno da fome afirmar que os desafios foram superados. Não só não foram superados, como foram atualizados a um novo formato de acumulação e expropriação capitalista que se utiliza da própria infância para manter a existência do capitalismo”, avalia a assistente social Camila Gibin Melo, Conselheira e membro da Direção Estadual do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo — 9ª Região (CRESS-SP). Entre os aspectos que apresentam essa atualização, Camila destaca a terceirização das políticas para a infância e juventude e o aumento do encarceramento e genocídio da juventude, especialmente das crianças e adolescentes pretos/as e indígenas.

Ela comenta que, na cidade de São Paulo, 85% da Educação Infantil é gerida por Organizações da Sociedade Civil (OSCs), em contratos de “parceria” com a Prefeitura Municipal. Na política de assistência, os serviços voltados a crianças e adolescentes fazem parte dos 95% dos serviços que atendem a outros segmentos da população e que também são executados por OSCs1. A assistente social acha possível, inclusive, falar em “formulação de uma indústria da Proteção Integral”, que extrai lucros via terceirização sob o slogan do cuidado à infância. “Foi assim que muitas organizações, Fundações cresceram e enriqueceram”, aponta.

Já números referentes às medidas socioeducativas em meio aberto e fechado indicam que, de 2004 a 2018, o número de adolescentes criminalizados/as subiu de 39.5782 para 141.1333. “Ao invés do Estado ser responsabilizado por não consolidar condições à existência plena da infância, apoia-se no ECA — junto com o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) — para se responsabilizar e judicializar ainda mais os/as adolescentes, através de formas punitivas”, critica Camila. Segundo a assistente social, há um aumento da judicialização que pode ser visto, por exemplo, na interferência de juízes/as em questões alheias ao seu campo de conhecimento, como as pedagógicas, e na criminalização de adolescentes, que se estende a familiares e trabalhadores/as comprometidos/as na defesa dos/as atendidos/as. “O número de crianças e adolescentes assassinados pela polícia e pelas milícias também cresceu. E em governos de violência explícita, como o de João Dória, governador de São Paulo, em conjunto com os vários discursos violentos do atual presidente Jair Bolsonaro, há uma validação do extermínio da infância pobre”, acrescenta.

Para a conselheira do CRESS-SP, mais do que consolidar o ECA, é preciso defender um outro projeto de sociedade, pensar em um mundo onde a infância e a juventude façam parte dele em sua totalidade, buscando fortalecer experiências populares, em que a defesa normativa possa ser um caminho a ser percorrido e não um fim em si mesma. “Só defendendo um projeto anticapitalista será possível protegermos integralmente a infância e a juventude. A defesa ‘de cima para baixo’ do ECA — ou por dentro das estruturas governamentais —, além de não garantir em seu conteúdo as emergências populares da atualidade, fica engessada a uma luta institucionalizada que já demonstrou o seu limite”, observa. Camila acredita que o fortalecimento das lutas populares, junto com a classe trabalhadora, nas suas experiências, nos locais de trabalho e de moradia, pode render frutos importantes.

O CRESS-SP está atento ao papel do Serviço Social nas lutas pelos direitos das crianças e dos/as adolescentes. O Conselho apoia e compõe diversos movimentos sociais nesse contexto, entre os quais, o Movimento pela Proteção Integral de Crianças e Adolescentes, a Comissão Municipal de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes (CMESCA) e a Câmara Técnica da CIB – Escuta Especializada. Ainda no primeiro semestre de 2020, publicou Notas sobre o “Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil” e o “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”. Para 13 de julho — Dia do ECA, a Direção do CRESS-SP também está preparando a divulgação de uma Nota, e, até o fim do mês, será publicada no site oficial da organização, cress-sp.org.br, uma entrevista sobre os 30 anos do Estatuto, com a conselheira Camila Gibin Melo.

Assistentes sociais são atores fundamentais na defesa da infância e da juventude, não só na mediação de direitos nos diversos espaços sócio-ocupacionais onde exercem seus trabalhos, mas também fomentando a criação de um ambiente coletivo e favorável ao desenvolvimento humano pleno das crianças e dos/as adolescentes e de uma nova consciência revolucionária. “Nosso papel é lutar em defesa da infância, ao lado dos/as trabalhadores/as e de seus filhos/as. Promover espaços de encontros, de afetos, de politização, de articulação e luta, carregados de ludicidade, porque é isso que a infância nos relembra a todo instante: que o lúdico é parte do humano, e que a luta exige criatividade! E nas construções conjuntas, nos espaços sócio-ocupacionais, dispormo-nos a fazer parte do germe do novo, contribuindo para que crianças e adolescentes sejam reconhecidos mais do que como sujeitos de direitos, mas, sim, como sujeitos revolucionários”, propõe Camila.

 

1 – FONTES: Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME), em http://patiodigital.prefeitura.sp.gov.br/parcerias/ , e   Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), em https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assistencia_social/rede_socioassistencial/index.php?p=3200.

2 – FONTE:  Levantamento estatístico da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2004;

3 – FONTES: Levantamento Anual do SINASE 2018, do MDH, e Panorama da Execução dos Programas Socioeducativos de Internação e Semiliberdade nos Estados Brasileiros de 2019, do Conselho Nacional do Ministério Público.