A segunda vítima de coronavírus confirmada foi uma mulher de 42 anos, empregada doméstica, em Feira de Santana, na Bahia. Ela contraiu o vírus de sua patroa que havia viajado para Itália. A patroa está muito bem, obrigada.

O caso abriu os olhos da sociedade para a realidade em que vivemos. Gostamos muito de dizer que “estamos no mesmo barco”, mas o fato é que alguns estão num cruzeiro de luxo e outros em uma boia no meio da tempestade. Os impactos de uma epidemia não são sentidos de forma igual, eles acompanham as desigualdades sociais do nosso país.

No caso das empregadas domésticas e diaristas,  preocupação é, portanto, primeiramente em relação às condições de trabalho que essas mulheres enfrentam – diante uma posição subalterna a uma classe dominante branca -, além dos efeitos econômicos que poderão sofrer ao ficarem sem remuneração caso cumpram as recomendações de isolamento essenciais no atual contexto.

Nesse sentido, os filhos e filhas dessas trabalhadoras lançaram um manifesto exigindo a quarentena remunerada para suas mães. “A situação de pandemia indica que o maior número de trabalhadores neste momento (de grande risco de contágio) estão desamparados por leis trabalhistas. As diaristas estão em situação ainda mais precária e vulnerável, sem contratos legais que possibilitem, por exemplo, negociar adiantamento de férias. Por isso, encontram ainda mais obstáculos em
se manterem e garantirem a segurança de seu coletivo familiar, pois recebem por dia trabalhado”, afirma o documento.

Você pode apoiar a iniciativa assinando o abaixo-assinado disponível na plataforma da change.com e também contando seu relato, caso você seja também filha ou filho de empregada doméstica ou diarista. Siga-os no Facebook e no Instagram. Leia abaixo o manifesto completo:

 

MANIFESTO DAS FILHAS E DOS FILHOS DE EMPREGADAS (OS) DOMÉSTICAS (OS) E DIARISTAS

Ao poder público, empregadores e empregadoras de domésticas e diaristas, e toda sociedade civil.

Esta carta manifesto tem como objetivo acionar a política do bem comum, em que ações individuais são primordiais para o bem-estar da coletividade. Levamos em consideração que, segundo a OMS, estamos inseridas(os) em uma pandemia, com recomendações internacionais de ficarmos em isolamentos e quarentenas voluntárias, sendo necessária, momentaneamente, a restrição do convívio social.

E ao constatarmos que nossas familiares que são empregadas domésticas e diaristas continuam trabalhando normalmente, salientamos a EMERGÊNCIA de atender à quarentena estipulada pelas autoridades e reivindicamos a DISPENSA REMUNERADA das empregadas domésticas e diaristas pelos empregadores para que, assim, cumpram com as exigências de precaução no combate à propagação contagiosa do COVID-19.

O isolamento social é crucial e vai muito além da relação trabalhista. É uma maneira eficaz de evitar a exposição à aglomeração em transportes públicos e outras situações que favorecem a contaminação em massa, levando ao contágio comunitário, como já vem acontecendo. Fato que traz riscos aos empregadores e aos empregados.

Em Miguel Pereira, sul do Estado do Rio de Janeiro, uma senhora de 63 anos veio a óbito infectada pelo novo coronavírus. A mesma continuou a trabalhar como empregada doméstica na casa de sua empregadora, no RJ, que já havia sido  diagnosticada com o COVID-19, ao voltar de uma viagem à Itália.

As empregadas domésticas pertencem a uma categoria de trabalhadoras que representam o Brasil. Segundo o IBGE, profissionais que prestam serviços domésticos – o que pode incluir jardineiros, caseiros, empregadas domésticas e diaristas – representam um total de 6,3 milhões de trabalhadores. Todos esses profissionais estão economicamente ativos no País.

Desse grupo, 1,5 milhão trabalham com carteira assinada. Outros 2,3 milhões de trabalhadores atuam sem carteira assinada e 2,5 milhões são diaristas, o que as torna um grupo vulnerável diante do cenário atual.

A situação de pandemia indica que o maior número de trabalhadores neste momento (de grande risco de contágio) estão desamparados por leis trabalhistas. As diaristas estão em situação ainda mais precária e vulnerável, sem contratos legais que possibilitem, por exemplo, negociar adiantamento de férias. Por isso, encontram ainda mais obstáculos em
se manterem e garantirem a segurança de seu coletivo familiar, pois recebem por dia trabalhado.

Há anos nossas mães, avós, tias, primas dedicam suas vidas a outras famílias, somos todas (os) afetadas (os) por essa “relação trabalhista” de retrocesso e modos escravistas. Tivemos nossas vidas marcadas por esse contexto, que precisa ser repensado por toda sociedade, sobretudo, pelos empregadores. Nesse contexto, nós, filhas e filhos de empregadas domésticas e diaristas, vivenciamos os incômodos relatados por nossas parentes:

1. “No meu caso, minha vó trabalhou anos em uma casa de família. Ela tinha seus 63 anos, chegava lá às 6h duas vezes na semana, depois passou a cozinhar, a passar, a lavar terraço… Ganhando apenas R$100, sem a passagem. Em janeiro ela veio a óbito e a mensagem recebida pelo whatsapp foi “ Dona Conceição, arrumei outra pessoa para pôr no seu lugar, já que a senhora não veio mais, a minha casa tá toda suja porque as paredes foram pintadas.”

Nicole Nascimento, Japeri/RJ

2. “Minha mãe trabalha desde os 6 anos de idade como doméstica e diarista, e a vi muitas vezes ir trabalhar doente para manter seus compromissos. Mesmo falando sobre os riscos do Corona, ela não tem como faltar com risco de ser demitida. As domésticas estão correndo grandes riscos e também são uma grande possibilidade de contágio, principalmente nos
transportes nas metrópoles”.

Marcelo Rocha – Mauá/SP

3. “Mainha é diarista todo dia uma casa diferente, nesta segunda feira quando explodiu o lance do coronavírus meu irmão me manda um zap dizendo que a nossa mãe não queria entrar em casa pois a patroa teria dito a ela que estava com febre e que era para minha mãe ficar atenta. Esse episódio fez mainha tomar um banho de álcool em gel, não por desinformação era por DESESPERO de alguém que ela ama dentro de casa pegar o coronavírus.”

Yane Mendes, 28 Anos- Totó-Recife PE

4. “Me recordo de várias histórias, do trabalho excessivo, da sobrecarga e ainda presencio ela trabalhando com 66 anos de idade mesmo aposentada. Uma vez aconteceu uma situação, uma não, várias vezes, ela precisou se ausentar do trabalho por motivo de doença e pediu para que ligasse avisando da sua falta, assim fiz e ouvi: “Mas quando sua mãe vai voltar?” Na hora minha resposta foi certeira: “Simples, quando ela melhorar!”.

Laura Cristina, 29 anos- Santa Luzia/MG

Dito isto, apresentamos medidas concretas que podem e precisam ser cumpridas pelos empregadores, visando o bem comum, sendo elas:

– Dispensa remunerada imediata de domésticas, com carteira assinada ou informais, e de diaristas;
– Adiantamento das férias em sua totalidade ou de forma parcial;
– Caso o empregado more na casa do empregador e esteja em grupo de risco, o mesmo não poderá ser colocado em situações de risco de contágio, como: ir a supermercados, farmácias, shoppings e demais espaços públicos, evitando assim,
quaisquer tipo de aglomerações.

Esta carta é assinada por filhas e filhos de empregadas domésticas e diaristas que prezam pela saúde, cuidado, coletivo e para além de tudo a vida de suas mães!

Brasil, março de 2020

 

 

 

 

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