No dia 8 de março é celebrado o dia Internacional da Mulher, essa data foi definida pela Organização das Nações Unidas – ONU, como uma forma de fazer memória as reivindicações e lutas das mulheres durante a história por melhores condições de trabalho e equidade de direitos. Entretanto, apesar da importância política do 8 de março, ao longo dos anos o sistema capitalista tem reduzido o significado da data e o promovido como um espetáculo de consumo. Infelizmente, a relação escola e sociedade não encontra-se ilesa neste processo.

Sendo assim, o 8 de março tem sido um dos poucos momentos de protagonismo feminino no espaço escolar, e é muito comum que nas escolas públicas e privadas sejam realizadas atividades e experiências em referência ao 8 de Março e essas homenagens tendem a expressar uma visão romantizada da data, excluindo seu caráter histórico e político.

Nesse sentido, enquanto professora e militante do movimento feminista, busco pensar e repensar o percurso de práticas pedagógicas para que essas sejam geradoras de narrativas emancipatórias e antisexistas, antirracistas e quiçá anticapitalistas. Algumas pessoas tendem a pensar que a Educação Infantil por ter como currículo experiências baseadas nas interações e brincadeiras e atuar com crianças de até 5 anos, encontra-se impossibilitada de trabalhar alguns temas de cunho social e político. Discordo completamente de tal pensamento, e desde a graduação busquei comprovar o quão emancipatória pode ser a Educação Infantil quando fundamentada, organizada e planejada, para tal objetivo.

Atuo como professora na rede pública municipal de Manaus (AM) e nos desafios do cotidiano “chão da escola” venho efetivando práticas na Educação Infantil que comprovam que nunca é cedo para que meninas compreendam que elas podem ser quem elas quiserem ser, e que nada e ninguém deve as impedir; e que meninos podem facilmente aprender a respeitar meninas e mulheres, e compreender que não existe brinquedo de menino e brinquedo de menina e que existem apenas os brinquedos das crianças; que azul e rosa são cores lindas e quando misturadas geram um lindo tom de roxo. Empoderamento e equidade de gênero também podem e devem ser partes da rotina da Educação Infantil.

Dentre as sequências e projetos de intervenção, aos quais tive a oportunidade de escrever e executar com o apoio das equipes pedagógicas com as quais atuei, selecionei para socialização no presente texto, a sequência que organizei e executei para a semana do 8 de março de 2020, mas que pode ser desenvolvida em qualquer período do ano.

A sequência didática é uma ótima forma de organização de experiências na educação infantil a partir de uma temática. Considerando o 8 de março como tema gerador da sequência que desenvolvi, busquei selecionar uma mulher revolucionária para homenagear e apresentar elementos da história de vida que trouxessem à tona a equidade de gênero e o empoderamento feminino. Além disso, considerei a ausência de materiais visuais produzidos e ou acessíveis sobre o protagonismo feminino, então optei na busca por uma homenageada que possuísse uma imagem bem difundida, pois isso facilitaria a produção dos materiais e a utilização de outros já existentes. Dessa forma, considerei Frida Kahlo como a protagonista da sequência, e assim se deu a sequência didática “Mulheres Revolucionárias: Frida Kahlo”.

Essa proposta é a sugestão de uma prática bem sucedida, que pode ser desenvolvida e alterada por outras professoras e outros professores, bem como famílias que com o contexto da pandemia tiveram que criar novas rotinas com suas crianças.

 

A Sequência Didática: Mulheres Revolucionárias –  Frida Kahlo

 

A sequência foi planejada para ser executada em cinco dias, diversos foram os materiais utilizados, buscarei apresentar nos parágrafos que se seguem os itens utilizados em cada experiência.

1° Dia: Linguagem oral e escrita.

  • Roda de conversa: O 8 de março e as mudanças pela equidade de direitos. Na roda, é importante dialogar com as crianças sobre as ideias que elas já possuem sobre o 8 de março e a partir disso a educadora ou o educador, podem contextualizar historicamente a data, demonstrando a luta por igualdade e equidade. Exemplos que geralmente busco inserir nas rodas sobre equidade de gênero, é o acesso das meninas à escola, a escola é o ambiente ao qual as crianças estão inseridas , portanto, quando sugerimos a elas que houve um momento em que meninas não podiam acessar a escola, e outro momento em que meninos e meninas não estudavam nas mesmas salas, elas tendem a refletir sobre esses processos e compreender a necessidade pela busca da equidade.
  • Contação de História: Para contação de histórias, sugiro o livro, “Frida Kahlo para Crianças”. Infelizmente, eu não tenho o livro, então busquei utilizar de outros instrumentos para narrar parte da história de Frida Kahlo. Encontrei um trecho do livro “Frida Kahlo: Uma biografia” de María Hesse disponível neste link, mostrei as imagens para as crianças e realizei algumas adaptações durante a contação da história. Outra forma interessante, é imprimir imagens da Frida, do México e de alguns elementos da história de vida da pintora, recortar e colar em uma base de palito ou canudo. Assim, os elementos ficam mais lúdicos para a apresentação da história.

 

fotografia de uma pagina do livro e ao lado capa do livro frida kahlo uma biografia

Parte do Livro “Frida Kahlo: Uma biografia”, de María Hesse

 

à esquerda, capa do livro e à direita, foto de uma página do livro

Parte do Livro “Frida Kahlo para crianças”. (Neste trecho é possível dialogar com as crianças sobre equidade de gênero e acesso a escola)

 

 

  • Produção de livro coletivo (reconto)  com desenhos individuais sobre a história de Frida Kahlo. Após a realização da contação de história, fui escrivã das crianças, que recontaram com as próprias palavras as histórias de Frida Kahlo, em seguida desenharam livremente diversas versões da Frida Kahlo e assim organizamos o nosso próprio livro.

 

Foto de um quadro branco e escrito em caneta preta: era uma vez frida kahlo. ela era uma artista, pintora. ela queria estudar para aprender e que todas as meninas estudassem como os meninos. o sonho de frida é que meninas e mulheres fossem livres e felizes

Reconto Frida Kahlo. Arquivo Pessoal.

 

 

Foto: Arquivo Pessoal

 

2° Dia: Matemática.

Durante o processo de elaboração da sequência, visualizei na tela “Viva la vida” possibilidades de exploração da matemática por meio da observação e interação com as formas geométricas presentes na tela e que podem ser feitas na melancia. Abaixo, segue a descrição das atividades desenvolvidas:

  • Realização de observação das formas geométricas na tela de Frida Kahlo “Viva la vida”.

 

quadro com melancias cortdas em diversos formatos

“Viva la Vida” (1954), por Frida Kahlo.

 

 

  • Observação de melancia inteira e cortes  da melancia formando diversas formas geométricas. Sugestão: Realizar a degustação da melancia.
  • Realização de desenho livre das formas geométricas observadas.
  • Modelagem da melancia em seus variados cortes geométricos.

 

fotografia. do lado esquerdo, uma foto do quadro viva la vida em cima de uma cadeira escolar e do lado direito uma melancia cortada em formato de triangulo e outra de quadrado em cima de um pote.

desenho infantil de uma melancia

Foto: Arquivo pessoal

 

 

3° Dia: Natureza e Sociedade

  • Apreciação do traje de Frida Kahlo em referência a Cultura Mexicana.
  • Colagem com folhas e flores formando o adorno que ela usava no cabelo. No espaço da própria escola, as crianças coletaram folhas e afins, para realizar a colagem.

 

iimagem com diferentes estilos de roupa de frida kahlo

 

 

4° Dia: Movimento e Música

  • Exibição audiovisual: Mulheres Fantásticas – Frida Kahlo e Mulheres revolucionárias- Quintal da Cultura
  • Roda de conversa sobre a exibição.
  • Movimentos livres com a música: Menina Moleca – Palavra Cantada.

 

 

5° Dia:

  • Apresentação de autorretratos de Frida Kahlo.
  • Realização de releituras das telas.

 

 

Materiais

Diversos foram os materiais utilizados para a realização dessas  experiências, mas, como atuo no espaço da escola pública, sempre busco realizar experiências com materiais simples e acessíveis. Os materiais utilizados foram folhas de papel, lápis, giz de cera, tinta guache, melancia, e o material impresso que caso você não tenha como imprimir pode mostrar para as crianças em mídia (por meio de um smartphone e ou notebook), e na exibição dos vídeos e apreciação da música, utilizei notebook e caixa de som de uso coletivo da escola.

 

Considerações Finais

Espero que essas interações e brincadeiras possam de alguma forma encontrar as crianças nesse contexto tão difícil, no qual infelizmente o sistema de ensino brasileiro tem supervalorizado o conteúdo, forçado precocemente a alfabetização e o cobrir do tracejado, e deixado de escanteio as demandas de acolhimento e cuidado, bem como se isentado da criação de ambientes e instrumentos de livre expressão da criatividade, da imaginação e dos sentimentos infantis. Por fim, peço que escutem as crianças e valorizem suas ideias, seus pensamentos, seus sentimentos e se tiverem a oportunidade, sujem suas mãos de tinta, deem uma mordida na melancia, conversem com essas crianças e as ensinem desde cedo a criarem um mundo muito melhor do que esse em que nós vivemos.

 

Referências 

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2018. Disponível em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ >. Acesso em: 18 fev. 2019.

 

Raescla Ribeiro. Escritora, professora da rede pública de ensino em Manaus, mestranda em Educação pela Universidade Federal do Amazonas, militante na Coletiva Banzeiro Feminista, colaboradora do Miga Sua Lôca Cultura e Diversidade, idealizadora e mediadora do Projeto Mana, escreve! Em prosa e ou poesia busca em sua escrita promover o protagonismo das mulheres e a visibilidade lgbtq+ , construindo na escrita as representações que ela deseja e a ruptura dos silêncios que ainda anseia. Instagram: @raescla
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