Girl From Nowhere (Garota de Fora) estreou sua primeira temporada na Netflix no dia 8 de agosto de 2018. A produção tailandesa mistura suspense e fantasia ao acompanhar Nanno, uma protagonista de comportamento bastante ambíguo que nos faz pensar a respeito do impacto dos nossos atos. A jovem misteriosa e onipotente, sem amigos, sem informações sobre seu passado, mas sempre vestindo uniforme escolar, é a figura central no desenrolar de cada história, a qual se desenvolve em episódios fechados e que tem um desfecho independente daquele com que a série termina.

Ao longo das temporadas são abordadas diferentes questões sociais, envolvendo educação, gênero, classe e tradições culturais (como o respeito à hierarquia e a forte defesa da virgindade), além de preocupações próprias da adolescência, ligadas a relacionamentos amorosos, de amizade e aceitação por um grupo.

É possível perceber que a sociedade tailandesa, onde se passa a trama, parece valorizar a educação formal. Porém, a escola é mostrada, por vezes, como um local em que se estimula a competitividade e as aparências. Sobre isto, uma das primeiras reflexões proporcionadas seria exatamente pensar a respeito do seu papel. Afinal, embora seja entendida como espaço para a aquisição de conhecimentos e preparação para a vida adulta, também pode ser percebida como propagadora de valores ultrapassados ou egoísticos. Uma outra provocação seria: que tipo de pessoas são produzidas por uma escola disfuncional?

Um segundo aspecto que merece ser ressaltado em Girl From Nowhere é uma característica da referida sociedade retratada nos episódios em que a ideia de coletivo é sempre mais privilegiada em comparação com um indivíduo isolado. Na realidade, é um ponto que pode ser igualmente observado em outras sociedades asiáticas. Ele nos faz questionar o que se visa preservar com uma coletividade embasada em violência.

 

Cena de “Girl From Nowhere”

 

Violência, aliás, é um dos elementos presentes na série, ora implícita ora explicitamente, gerando um certo choque no telespectador ou elevando a situação mostrada ao nível do absurdo, mas, certamente, permitindo a reflexão sobre o quanto a ficção e a realidade, muitas vezes, podem caminhar tão próximas. Com isto, a narrativa nos leva a pensar na forma com a qual a juventude é tratada atualmente e em como este tratamento pode impactar no projeto de sociedade futura. A opressão, ocasionada pela violência, pode ser um meio recorrente de disciplinamento, mas que não gera vantagens reais, tornando todos reféns (uns mais do que outros).

Em parte das histórias, o dinheiro é posto como fator motivador desta violência, podendo ser entendido, não somente como modo de diferenciação material, mas, ainda, como diferenciação subjetiva de quem acredita ter alternativas para lidar com frustrações ou efeitos negativos de seus atos. Curiosamente, a violência é sempre destinada de uns para com os outros, mas nunca em relação às estruturas. Neste aspecto, é possível perceber que as personagens não pensam no que seria melhor para a construção de uma outra coletividade, apesar de todos estarem inseridos na sua manutenção.

Nanno nos faz questionar se se trata de um ser humano de fato ou se é algum tipo de entidade devido ser detentora de habilidades não humanas e de origem não explicada. Fica claro ao logo das temporadas que sua função é instigar, sugerir e interferir em situações para que atinjam seu ápice e desenrolar, normalmente trágico. Não apenas se trata de uma missão, mas a personagem demonstra se divertir com a eclosão dos conflitos.

Poderia ser dito, de outro modo, que Nanno revela os sentimentos e aspirações das pessoas para que tomem forma de ações, mostrando o valor tangível destes aspectos invisíveis e, assim, questionando toda a moralidade defendida pelos adultos, a geração que está no controle, em oposição à juventude, a geração que está sendo moldada.

Em certo sentido, entende-se que Nanno representa a ação do carma, porque, em alguma medida traz as noções de retribuição e justiça, em alguns casos até de redenção, a partir das suas atitudes.

Girl From Nowhere se desenvolve em duas temporadas nas quais cada episódio não necessariamente possui relação com o próximo a não ser pela presença de Nanno. Porém, no final da segunda, com o surgimento da antagonista, passa a haver alguma comunicação entre as histórias, o que contribui para demonstrar a relação entre ela e a personagem principal.

O surgimento da anti-heroína (se é que podemos chamar Nanno de heroína) nos mostra que ela também termina se questionando sobre a complexidade das relações humanas, quando aceita o desfecho provocado por aquela, e do quanto interiorizamos as relações de poder em nós mesmos.

 

Caelen Yumi Takada Barros. Advogada fascinada por relações humanas e seus reflexos

 

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