Escaras nem sempre são visíveis.

Com trinta e um anos ela era muito velha para aquilo, iria apenas perder seu tempo. Essa constatação, feita pelo treinador que se recusava a treiná-la por ser ela uma mulher, poderia ter sido sua ruína. Honestidade é o nome que ele daria a esse desestímulo, alguém tinha que ser honesto com ela, e ele odiava ser ele a fazê-lo. Com o pequeno saco vermelho agora imóvel à sua frente, ela afirmaria que se era muito velha para aquilo, então ela não tinha nada. Essa é a fala. A fala que ao mesmo tempo a liberta e a aprisiona. A fala que nos permite compreender o desenrolar do filme.

A impressão que muitas vezes se tem durante a história da menina de ouro é que o boxe, ali, pode ter sido uma grande metáfora. Os socos não são apenas os físicos, e as lutas não são apenas as corporais. São, quase todos, maiores do que o que ali se vê em um primeiro momento. Os socos que Maggie levaria viriam de todos os lados. O que mudaria, todavia, seria a forma de devolvê-los: fora dos ringues, apenas sorrisos.

Sua persistência é o que nos faz torcer por cada soco lançado ou devolvido por Hilary Swank dentro do ringue. São várias as cenas que bem retratam isso  o resto de carne embrulhado em um papel alumínio simulando alimento para um inventado cachorro, o treino da movimentação correta dos pés realizado disfarçadamente enquanto servia os clientes, e a fita envolvida no pescoço para manter o braço rente ao corpo são apenas algumas delas.

 

Clint Eastwood e Morgan Freeman.

Clint Eastwood e Morgan Freeman.

 

Mas não é somente a essa persistência que é dado o enfoque do filme. As atitudes de alguns poucos e específicos personagens  como o caso de uma lutadora adorada pela multidão e retratada como alguém que não se importava que determinado golpe seu pudesse matar um adversário  confirmam uma das constatações iniciais do narrador personagem, a constatação de que as pessoas amam violência. E talvez prevalecesse em nós essa impressão, a de ser o boxe um esporte violento, se não fosse a escolha de colocar este narrador nos explicando, quase descrevendo, os termos, golpes e movimentos do esporte que, como ele mesmo explica, não é sobre violência, e sim sobre respeito.

Maggie parecia saber disso muito antes de poder dizer que o boxe era tudo o que tinha. É rápida e extremamente reconfortante a passagem em que ela, jantando o jantar da vitória, pergunta ao seu treinador como a outra lutadora estava, se ela ficaria bem, e responde honestamente à pergunta retórica e indiferente dada pelo treinador à sua preocupação.

A lutadora, que rendeu à atriz vários prêmios dentre eles o Globo de Ouro e Oscar de 2005, sempre soube o que quis e pôs seu corpo para agir a seu favor. Sua vontade de aprender era tamanha que logo cativou o ex lutador  ali não como treinador e sim zelador  e foi ele quem passou a dar-lhe as dicas, emprestar material e permitir a permanência na academia para além do horário convencional.

É principalmente à condução do enredo pelo personagem de Morgan Freeman, bem como à sua sensibilidade demonstrada nas mais diversas situações, que credito a empatia que não raras vezes sentimos ao longo da história. Aliás, a escolha de um ex lutador de boxe para ser esse narrador onisciente e extremamente sensível é sobretudo a ruptura de um estereótipo.

 

Larissa Guimarães Moutinho. Apaixonada por cinema e livros, Larissa sempre arruma um jeito de inserir recomendações de filmes em seus assuntos. É colunista do site Eu sou o Talvez.

 

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