Ser adulto é morar sozinho, fazer lista de mercado e saber escorrer um macarrão.

A quarentena veio e transformou tudo que tínhamos. Nossas relações, nossos trabalhos, nossa forma de sair na rua, de nos cuidar e cuidar do outro. No meio de muito caos e muitas crises, eu mudei por dentro, por fora, por inteiro. E me mudei de casa também. Sai da casa da minha mãe, um momento tão intenso e marcante quanto quando sai do útero dela. A  diferença é que dessa vez não teve sangue, nem um médico batendo na minha bunda, mas as lágrimas não faltaram. 

Já tinha um tempo que queria ter essa experiência e banquei a decisão. Quando nova, sempre achei que morar sozinho era coisa de adulto, mas hoje em dia, apesar de ser, não me sinto como uma. Afinal, não sei trocar uma resistência, matar uma barata e nem mexer na panela de pressão. Muito menos dobrar um lençol de elástico. (Desculpa, mãe)

Além disso, em todas as oportunidades que tinha de sair de casa para estar rodeada de pessoas, lá eu estava. Percebi que isso era uma fuga da minha própria companhia. Sabe-se lá que medo eu tinha, mas isso acontecia. Até que não teve jeito, percebi que era hora de dar passos maiores e morar só.

Acontece que na minha vida é tudo 8 ou 80. Ou planejo demais e as coisas nunca saem do papel, ou eu faço tudo no impulso e me arrependo quando passa o calor do momento. Porém, esta aqui no caso, eu diria que foi a decisão mais planejadamente impulsiva que tive. 

Tem coisas que por mais que você planeje o quanto for, não saem como você imagina. Então não adianta ver tutoriais de blogueira, montar pasta no Pinterest, porque ninguém planeja os perrengues e se não tiver perrengue, a vida não se chama vida. E graças a isso, eu tenho um tema para escrever a coluna desse mês..

Para se ter uma noção, nos primeiros dias morando aqui, não bastava fechar a boca do fogão, eu precisava conferir o tempo inteiro porque eu achava que iria morrer intoxicada ou explodida a qualquer momento.

Se você quer morar sozinho, eu te pergunto: você está preparado para uma semana não ter nada em casa e na outra semana ter banana em todas as suas refeições? Única e simplesmente porque o cacho decidiu amadurecer de uma hora pra outra. Então foi panqueca de banana no café da manhã, depois arroz, feijão e banana no almoço e iogurte com banana no lanche. 

Mas eu também devo confessar que Murilo Gun ficaria orgulhoso da artimanha que eu fiz dias atrás pra escorrer o macarrão sem o escorredor de macarrão. Utilizei a própria tampa e deixei uma pequena abertura para a água passar, ou seja, gênia, criativa, disruptiva. A única questão foi que a tampa escorregou e o macarrão caiu todo na pia suja. Eu sei que você deve estar se perguntando agora “mas não dava pra salvar o macarrão?”. Bom meu caro leitor, não podemos esquecer do fato inexplicável de que as louças sujas se reproduzem em ritmo exponencial. Então tinha uma pilha até o teto e com restos de comida da noite anterior. 

Foi muito triste porque eu passei a semana inteira pensando no que eu faria com aquele macarrão, qual seria o acompanhamento perfeito, fiz mercado para comprar o que faltava. Eu já estava apegada, ele tinha até nome: Spencer, a pasta. Eu não usaria ele num dia comum, o guardei para fazer no fim de semana que é quando eu teria mais tempo para preparar um afago gastronômico.

Pois bem, o alimento especial, vulgo Spencer, que iria abraçar meu coração e curar as mágoas de uma semana ferrada de trabalho, agora estava na pia todo esparramado me olhando, banhado a resto de café, empanado em aveia amolecida, servido numa frigideira que estava de molho para desgrudar a gordura. E é importante ressaltar também que agora é só você e você. Se você não limpar, vai ficar sujo, simples assim. Então, fiquei encarando o Spencer por alguns minutos desacreditada e decepcionada comigo mesma até tomar a coragem para catar tudo.

Em seguida, fui até a geladeira em busca de uma solução decente para comer, afinal de contas, não dá para sobreviver de biscoitos e salgadinhos para sempre. Fiquei com ela aberta um tempo pensando “estou vivendo ou apenas enchendo a garrafa de água pra gelar?”. Então subiu um cheiro podre. Não sei que tipo de batalha ocorreu ali dentro, acho que na noite passada o salmão matou o brócolis e quis ser o protagonista da geladeira inteira. Objetivo alcançado com sucesso. 

Eu nem terminei de passar pelo luto de Spencer e já tenho outra morte para resolver, e eu nem lembrava que tinha alguma coisa naquele pote escondido no fundo. Fui jogar o nosso querido macarrão fora e o lixo estava transbordando. Junto com isso tem também o fenômeno da multiplicação de roupas sujas que brotam sem parar. E nem adianta reclamar, sempre vai existir cabelo jogado por algum lado da casa, você pode limpar o quanto quiser.

Apesar de todas essas situações, morar na própria companhia é uma sensação de liberdade inexplicável de poder fazer o que der na telha, na hora que quiser. Ficar sozinha agora não é mais um medo, e sim uma vontade que vem de dentro. Quando tenho visitas, é bem legal, mas eu não vejo a hora de ficar sozinha, lavar a louça do meu jeito e arrumar tudo como eu gosto.  

E foi meio que isso que aconteceu até aqui. Será que eu já posso dar entrada no meu certificado de adulta ou só depois de declarar o imposto de renda?

*Esse texto é uma homenagem a Spencer, macarrão espaguete marca Renata (Lote Agosto de 2020 – Falecimento 13 de Novembro 2020).

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