A população LGBTQIA+ hora é relegada a funções fora do mercado de trabalho regulamentado, como a prostituição, ora é contratada para cargos específicos e precarizados, como o telemarketing. Assim ela está presente em um nicho bem específico da unidade produtiva, geralmente dentro do setor de serviços. Esta parcela da população observa limites muito restritivos às funções que pode desempenhar e as empresas que podem as contratar. Durante o período de quarentena as condições de trabalho e empregabilidade das pessoas LGBT+ só piorou e isso está diretamente ligado a vivência do ser LGBT no Brasil.

 

Visão  Geral

 

O que se pode observar em uma breve olhada ao mercado de trabalho é que não existem muitos LGBT+ em posições de visibilidade e altos cargos, isto diz muito sobre como a sociedade cisheteronormativa e misógina define quais corpos são pra quais ocupações. Um estudo realizado pela Dieese[1] mostrou que 20% das empresas não contrataria um funcionário abertamente LGBT, outras 7% não contrataria em hipótese nenhuma e 11% contratariam, mas para cargos inferiores. Isto aparece também no trabalho de Caio César Wanderley Jucá (2019)[2], que mostra como as empresas não querem se ver sua imagem ligada a funcionários LGBTQIA+, pois estes indivíduos seriam associados a promiscuidade, imoralidade, fraqueza, ociosidade etc.

A CUT de Santa Catarina afirma que, em 2018, 33% das empresas não contratariam LGBTs para cargos de chefia e 90% das travestis estão se prostituindo [3]. Isto significa que estes corpos são entendidos como incapazes de exercer funções administrativas e/ou sua estética é interpretada como um obstáculo para interação com o público de forma não fetichizada e marginal. Assim quando empresas contratam LGBTs é para funções invisíveis [4] (Ribeiro 2020), com baixa remuneração e altamente precarizadas, o exemplo mais relevante é o telemarketing.

 

Condições de trabalho

 

Visto que o mercado de telemarketing e call centers apareceram juntamente com a reestruturação capitalista nos anos 90, parece que a descentralização do trabalho serviu para incorporar e ao mesmo tempo empurrar mais para a linha da precarização a população LGBTQIA+. Então, salta aos olhos que esta comunidade é expulsa de ambientes de escolarização e profissionalização, mas serve para ocupar vagas extremamente precarizadas ou formar o exército de reserva.  No caso específico do telemarketing, os LGBT+ são aceitos por ficar escondida por trás de um telefone, ser uma mão de obra barata e altamente rotativa, para evitar a formalização. Além disso os atendentes se sujeitam a uma jornada exaustiva e intensamente controlada por seus supervisores.

As empresas de fast food foram outras que recentemente despontaram com discursos LGBT friendly em contradição com as condições de trabalho que impõem a maioria de seus colaboradores, diversos deles LGBTQIA+ inclusive.  Os serviços de beleza também abrem as portas a LGBTs com menor resistência, já que existe o estereótipo de que eles são vaidosos, delicados e por consequência se adaptam com mais facilidade as estas tarefas ou são naturalmente bons nelas.

Outro ponto indissociável do tema é o preconceito contra LGBTQIA+ nos locais de trabalho. Quando se vê a estatística de que 41% [5] relatam já ter sofrido discriminação no ambiente profissional e 61% preferem manter escondida sua orientação sexual no mesmo espaço fica claro que este é um fato significativo para degradação da jornada destes indivíduos. Desta forma, para ter mais chance de sucesso ou apenas mais tranquilidade no emprego implica em esconder parte fundamental de sua identidade. Salvo exceções, pessoas explicitamente LGBT+ são mais alvo de assédio moral por superiores e discriminação por parte dos colegas de trabalho. O que acaba por ser mais um complicador durante a jornada laboral, a tarefa de se camuflar no ambiente cis-heteronormativo ou lidar com as pessoas preconceituosas, o que gera preocupações constantes.

 

LGBT+ e trabalho na Pandemia

 

O ciclo de exclusão já era amplamente debatido pela comunidade LGBTQIA+ muito antes da pandemia, mas o impacto desta para a condição profissional deste setor da população brasileira virou um quesito preocupante. Se pode perceber que a questão financeira em tempos de crise ataca principalmente os grupos marginalizados, no surto de coronavírus não foi muito diferente, 1 em cada 4 pessoas LGBT perdeu seu emprego devido ao COVID-19.[6]

Outro dado do Diagnóstico LGBT na Pandemia é que 3 em cada 10 dos desempregados [7] já estava a um ano ou mais sem conseguir uma ocupação. Além disso, a taxa de desemprego dentro da comunidade está em 21,6%, em relação a da taxa nacional que é de 13,8% [8], isto mostra uma assimetria dentro da população brasileira. O que comprova que os LGBTQIA+ são excluídos do mercado de trabalho e quando se fala em pessoas transsexuais e negras há uma situação pior ainda.  Mesmo a parcela da população LGBT+ que manteve seu emprego lida com situações mais estressantes neste momento, já que em diversas empresas seu salário foi reduzido, em casos de trabalhadores autônomos muitos trabalhos foram inviabilizados ou tiveram que ser migrados para plataformas digitais. Então se pode alegar que a sobrevivência de pessoas queers se tornou mais dificultada neste último ano, quem não pode parar de trabalhar se expõem a um risco diário de contaminação, quem trabalha em casa sofre novos tipos de exploração e o número de casos de violência que vitima LGBTs só cresce. A expectativa de vida de mulheres transexuais desceu de 35 anos para 29 [9], por exempl,o e o Estado se mantém omisso, além de se colocar como inimigo de uma “ideologia de gênero” que nem ao menos existe. Não apenas os casos de violência física, mas também os ataques à saúde mental desse setor da sociedade aumentou no período de isolamento.

 

Home Office

 

No cenário de pandemia aspectos que antes eram restritos a alguns segmentos da classe trabalhadora se tornaram muito mais significativos. Um importante exemplo é o home office. Este sendo como um dos sintomas da reestruturação produtiva, em 2020 ganha status de trabalho mais seguro. Ao ser analisado de perto, trabalhar em casa apresenta benefícios, além de expor menos o trabalhador ao risco de contaminação ao coronavírus. Para LGBTQIA+, significa menos convivência com uma cultura empresarial lgbtfóbica e controle absurdo por parte de seus superiores no caso do telemarketing.  Porém, ao isolar o funcionário em casa, se pode desmobilizar também as formas de resistência coletiva que este poderia manter na empresa, ou pelo menos impede a socialização com os colegas de trabalho. Além disso, descaracteriza a rotina de trabalho em um ambiente próprio para tal e joga para o trabalhador a responsabilidade e o controle dos horários e materiais para realizar a função pretendida.

Um aspecto que é potencialmente nocivo para a população LGBT+ se tratando de home school e homeoffice é a questão de ficar restrito em casa, convivendo mais horas por dia com familiares, o que pode gerar mais conflitos motivados por preconceito. Visto que o ambiente doméstico é onde muitos LGBTs sofrem violências de diversos tipos, ser confinado em casa com parentes transfóbicos/homofóbicos, se distanciar de sua rede de apoio/afeto representa um elemento a mais de penúria.

 

Considerações finais

 

O conceito de necropolítica [10] se encaixa muito bem no contexto de pandemia porque um dos principais empreendimentos do Estado brasileiro durante a crise sanitária causada pelo COVID-19 foi o de abandonar boa parte da população a própria sorte para morrer. Além desta, a política de morte já assola boa parte da comunidade LGBTQIA+, pois vários destes indivíduos são considerados de vidas sem valor, passíveis de serem agredidos ou assassinados a qualquer instante. Sem falar na exclusão de acesso a serviços públicos de saúde e educação. Assim, por sua cidadania ser comprometida por estes fatores, sua existência também é considerada descartável no mundo do trabalho [11], sua saúde mental deslegitimada a ponto de precisar esconder sua sexualidade/gênero no ambiente trabalhista por proteção. Acrescentando a isso o cenário de colapso ao qual o Brasil está sendo submetido, tanto pelo governo Bolsonaro, tanto pelas implicações do Covid 19, a vivência LGBT se tornou ainda mais precária.

 

Augustine Araújo Khair. Estudante de Ciências Sociais, bissexual e membro do Coletivo Cinema Direitos Humanos e Afetos.

 

Referências

ARAÚJO, A. M.C; LOMBARDI, M. R. Trabalho informal, gênero e raça no Brasil do início do século XXI. In: Cadernos de Pesquisa. VOL. 43. Nº 149.pp. 452-477. Mai/Ago, 2013

DUARTE, Marcos José de Oliveira. Vidas precárias e lgbtfobia no contexto de pandemia: A necropolítica das sexualidades dissidentes. APES, 2020 Disponível em : https://www.apesjf.org.br/wp-content/uploads/LGBT_Convid_19_APES-1.pdf Acesso 16/10/2020

DIAGNÓSTICO LGBT+ NA PANDEMIA. Votelgbt, 2020. Disponível em: https://www.votelgbt.org/pesquisas Acesso em 16/10/2020.

MARIA, Giovanna. LGBTs negros: A relação entre a polícia trabalho precário e a educação. Esquerda Diário, 2020. Disponível. em: https://www.esquerdadiario.com.br/LGBTs-negros-a-relacao-entre-a-policia-trabalho-precario-e-a-educacao Acesso em 17/10/2020

MARINHO, Silvana. Precarização social da população LGBT: Um debate sobre o trabalho, relações sociais no capitalismo e as tendências contemporâneas do modo de produção capitalista. In: Seminário Internacional de Educação e Sexualidade, 4. 2016, Vitória-ES.

BORGES, Lizelly. Esvaziamento da democracia e dos direitos LGBTs estão conectados, aponta seminário. Movimento dos trabalhadores rurais sem terra, 2017. Disponível em: https://mst.org.br/2017/06/21/esvaziamento-da-democracia-e-dos-direitos-lgbts-estao-conectados-aponta-seminario/ Acesso: 17/10/2020.

FRAGA, César. LGBTs são preteridos no mercado de trabalho. Extraclasse, 2018. Disponível em:  https://www.extraclasse.org.br/movimento/2018/11/lgbts-sao-preteridos-no-mercado-de-trabalho/ Acesso em 17/10/2020.

GOLVEIA, Rose. O desmonte de direitos e a população LGBT. Sindicato dos Bancários de Santos e região, 2018. Disponível em: https://santosbancarios.com.br/artigo/o-desmonte-de-direitos-e-a-populacao-lgbt

https://www.brasildefato.com.br/2020/07/02/pessoas-lgbt-tiveram-mais-problemas-financeiros-e-de-saude-na-pandemia-diz-estudo Acesso em 20/10/2020.

OLIVEIRA, Caroline. População LGBTI+ demanda inclusão no mundo do trabalho para combater discriminação. Brasil de Fato, 2020.  Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/06/25/inclusao-no-mundo-do-trabalho-e-fundamental-populacao-lgbti-apontam-organizacoes Acesso 20/10/2020 Acesso 20/10/2020

JUCÁ, Caio César Wanderley. A precarização do trabalho LGBT: uma análise da visão binária sobre gênero no Direito do Trabalho. Monografia (Bacharel direito), Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018.

[1] https://www.extraclasse.org.br/movimento/2018/11/lgbts-sao-preteridos-no-mercado-de-trabalho/

[2]  JUCÁ, Caio César Wanderley. A precarização do trabalho LGBT: uma análise da visão binária sobre gênero no Direito do Trabalho. Monografia (Bacharel direito), Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018.

[3] https://www.esquerdadiario.com.br/LGBTs-negros-a-relacao-entre-a-policia-trabalho-precario-e-a-educacao

[4] https://www.fg2021.eventos.dype.com.br/trabalho/view?ID_TRABALHO=1494

[5] https://www.brasildefato.com.br/2020/06/25/inclusao-no-mundo-do-trabalho-e-fundamental-populacao-lgbti-apontam-organizacoes Acesso 20/10/2020 Acesso 20/10/2020

[6] https://www.votelgbt.org/pesquisas

[7] https://www.votelgbt.org/pesquisas

[8] https://www.brasildefato.com.br/2020/07/02/pessoas-lgbt-tiveram-mais-problemas-financeiros-e-de-saude-na-pandemia-diz-estudo

[9] https://www.brasildefato.com.br/2021/01/29/agenda-anti-genero-de-bolsonaro-torna-populacao-trans-uma-inimiga-diz-ativista

[10] MBEMBE, A. Necropolítica. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, PPGAV, EBA, UFRJ, n.32, dez. 2016. (Recentemente publicado como: MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. São Paulo: n-1 editora, 2018)

[11] MARINHO, Silvana. Precarização social da população LGBT: Um debate sobre o trabalho, relações sociais no capitalismo e as tendências contemporâneas do modo de produção capitalista. In: Seminário Internacional de Educação e Sexualidade, 4.

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