Liliane Amorim, influenciadora digital cearence, foi internada na UTI por complicações resultantes de uma cirurgia de lipoaspiração realizada no dia 9 de Janeiro. Segundo o UOL, Liliane teve um quadro de infecção generalizada o que a levou a ter uma segunda cirurgia. Segundo publicações de seus amigos nas redes, a partir de então seu quadro de grave passou a ser gravíssimo. Então, infelizmente veio à óbito no dia 24 de Janeiro. Ela deixa um filho de seis anos.

A cirurgia que Liliane se aventurou a fazer é a moda do momento: lipo lad. Trata-se de uma cirurgia de lipoaspiração com objetivo de definir uma região do corpo, sendo usada principalmente para deixar o abdômen com aquele aspecto “trincado”. O cirurgião plástico Wilian Pires explicou a diferença do lipolad para a lipoaspiração comum em entrevista para o portal Metrópole:

“Diferentemente da lipo convencional, que retira gordura de forma homogênea, a lad, também conhecida como HD, trabalha valorizando os músculos. No abdômen, esculpimos os gominhos e aquelas entradas laterais que homens e mulheres gostam bastante”

 

Lumilla e Brunna em fotos do Instagram

 

A obsessão pelo corpo perfeito encontra terreno fértil no Instagram, rede social baseada em fotografia no qual a estética das influenciadoras é transformada em mercadoria para consumo. Isso é perceptível quando vemos que as buscas no Google relacionadas ao termo “lipo lad” registraram aumento de 800% quando a cantora Ludmilla e a sua companheira Brunna publicaram fotos após terem sido submetidas à cirurgia. Abaixo, podemos ver que a procura pelo termo “lipo lad” segue em ritmo de crescimento. A grande parte das buscas é relacionada a procura por informações como o preço. A título de curiosidade: custa entre R$ 15.000 e R$30.000m. Mas o preço que quero falar não é esse, mas um muito mais caro que pagamos para tentar nos moldar a um ideal de beleza.

grafico do google trends mostra um aumento repentino na procura pelo termo lipo lad a partir do final de 2019

O preço da beleza

Cirurgias plásticas ainda são bastante inacessíveis considerando a realidade da maioria das brasileiras. E parece triste que apenas mais mulheres não pagam esse preço simplesmente porque ainda assim é caro fazer cirurgia. É, no entanto, importante observar como a pressão estética é tanta que a procura pelos procedimentos crescem mesmo entre pessoas com menor poder aquisitivo, alavancados pelo crescente número de clínicas que oferecem o serviço com publicidade ostensiva, qualidade duvidosa – volta às influencers também utilizadas como propaganda – e diversos métodos de pagamento . Já vi incontáveis exemplos de mulheres que trabalham para sustentar procedimentos estéticos em detrimento de questões como lazer e guardam dinheiro por anos para fazer as cirurgias. E digo não mulheres ricas, dondocas, digo mulheres trabalhadoras mesmo, desde manicure até advogadas.

O corpo, nesse sentido, é também um símbolo de status. É algo que podemos comprar, como uma bolsa de grife ou um carro importado, relegando os riscos e problemas de se submeter a esses procedimentos a algo meramente secundário: “o preço da beleza”. E as mulheres estão dispostas a pagá-lo, seja à vista ou divido em doze vezes com juros.

A pressão é tanta que tem chamado atenção nas redes o fato das mulheres que estão e submetendo a estes riscos já serem magras. É compreensível que isso seja pontuado, uma vez que a impressão que passa é que não há a necessidade para uma intervenção tão drástica. Ouvimos coisas como “poxa, e ela nem precisava”, como se a tragédia fosse maior justamente por ser uma mulher magra. A questão é: quando que essa necessidade existe?No caso do lipo lad, não consigo vislumbrar uma situação em que seja necessário.

tirinha no qual uma mulher se olha no espelo enquanto a outra está ao seu lado

– Qual parte você mudaria primeiro?
– A cultura.

 

Mas não quero aqui generalizar e colocar a cirurgia plástica como o problema porque, de fato, podem existir situações onde pode ser benéfica. Mas ainda assim é preciso contextualizar a plástica dentro de um sistema capitalista e patriarcal e perceber os efeitos desse imbróglio.

O que aconteceria amanhã se todas as mulheres acordassem amando seus corpos? Quantas indústrias iriam falir? Capitalismo e patriarcado tem uma relação que é absolutamente benéfica aos dois, um casamento próspero. A pressão estética é um negócio altamente lucrativo e principalmente voltado às mulheres, porque nosso valor social está intimamente conectado à nossa aparência. Naomi Wolf, em “O Mito da Beleza”, afirma que a obsessão pelo corpo perfeito é algo que é encucado na cabeça de mulheres para ser um poderoso sedativo político.  Ela diz, ainda na introdução da obra:

“Quando eu falava em palestras sobre a epidemia de transtornos alimentares, por exemplo, ou sobre os perigos dos implantes mamários de silicone, muitas vezes recebia uma resposta saída direito de O banquete de Platão, o famoso diálogo sobre ideais eternos e imutáveis: algo como ‘As mulheres sempre sofreram pela beleza’. Em suma, não era sabido naquela ocasião que os ideais não caíam simplesmente dos céus, que eles, de fato, provinham de algum lugar e que serviam a algum projeto. Esse propósito, como eu então explicava, costumava ser de ordem financeira, ou seja, o de aumentar os lucros daqueles anunciantes cujos dólares de patrocínio na realidade movimentava a mídia, que, por sua vez, criava os ideais. O ideal, eu sustentava, também servia a um fim político. Quanto mais fortes as mulheres se tornassem em termos políticos, maior seria o peso do ideal de beleza sobre seus ombros, principalmente para desviar a sua energia e solapar seu desenvolvimento” (Pg 15-16).

Veja bem a lógica cruel do heteropatriarcadocapitalista. Ele cria um ideal de beleza que precisamos nos submeter e naturaliza isso quando fala, por exemplo, que a beleza vem através do sofrimento, da beleza como algo que precisamos constantemente buscar, é algo que precisamos para sermos aceitas, válidas ou mesmo para nos sentirmos bem. Mas essa beleza vem com um preço, dividido em 12x no cartão. Afinal, se você quer ser levada a sério no trabalho você não pode ir assim como você tá agora, né?

Nós, mulheres, que somos as proletárias do proletariado, que ganhamos menos que homens e começamos atrás na corrida por oportunidades, precisamos, além das duplas e triplas jornadas, reservar um tempo ao trabalho de manter nossa beleza. É esse o propósito mais cruel dos ideais de beleza, nos manter constantemente correndo atrás de algo impossível de ser alcançado. E impossível porque inclusive antinatural. As barrigas de lipolad não estão nascendo por atividade física, mas por intervenção cirúrgica. E são as intervenções cirúrgicas que causam a maior parte das disforias de imagem que temos, porque não há nada que possamos fazer para alcançar aquele resultado a não ser pagar por uma cirurgia.

Por isso, ao invés de correr atrás de lipos deveríamos estar usando essa energia para correr atrás de derrubar todos os padrões e ideais de beleza. Isso é uma questão urgente, porque tem nos matado. Matou Liliane. A luta é a forma como podemos transformar o luto. Vamos começar a falir essas indústrias que lucram com o ódio ao nosso corpo. Seja desobediente, se ame.

 

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