Hoje a Claudia Kathyuscia abre o espaço de sua coluna para a poesia de Natália Farias de Barros.

 

Poderia começar por tantas coisas
Tantos sabores, tantas lágrimas, tantas
palavras
Mas talvez começar por mim seja uma boa
partida
Não que, eu, seja boa, mas porque minha
história
Percorre a boa vida de tantas outras
De prazeres, aqueles que retorcem os
dedos dos pés
Prazeres daqueles que fazem a gente sorrir
no canto da boca

Pois é, elas e eu sentimos isso por aqui
O prazer de ter vivido e viver
contorcionismos cardíacos
Não só um, não por um só, mas vários deles
Sozinhos e conjuntos, difusos e
interconectados
A gente se poupa, muitas vezes, de nós
mesmas por isso e por aquilo também
A gente fica por ai, fechadas

Franzinas e repletas de lenços, de casacos,
de armaduras
Mas andar nua, é andar armada para o
mundo
Armada de prazer pra dar e sentir
Armada de amor e de lágrima pra chorar
Não é fácil, nesse corpo, preto, cacheado,
vaginal, andar só
Andar nua
Não é, mas também nunca foi bom andar
na carcaça

Nunca pensei muito sobre botar pra dentro
e pra fora
São movimentos pélvicos? Penso eu, não sei
Mas são naturais, não?
Pra dentro com a boca, pra fora com ela também
Mas e se, o botar e o tirar for nosso?
For EMAN-CI-PA-DOR?
E se o for?

Não sei se por essas bandas de terra a
gente pode fazer isso
A gente, pode pensar assim

Só sei que faço, e aqui é meio isso, colocar
pra dentro e pra fora
Dentro, o que sinto
Fora, o que quero sentir
Se me foi negado, agora quero pra mim por
INTEIRO
Quero porque sei que é caro não ter

O valor desse “caro” é a vida
É a liberdade subjetiva
É a minha pele, meu cabelo, minha língua,
meus olhos
E foi tão vendida a preços insignificantes
Mas nunca fomos, restauradas desses
valores, nem dos nossos
Não quero ele, só quero a mim mesma
Sei que, no meu corpo
Na matéria, na brisa, na história, nos
banhos, nas tranças
É isso que quero
Não há negócio algum
Há, nêga, preta, fullgás, solta, cintilante e
barrenta
Que se inventa e reinventa da Terra, das
raízes
Dos prazeres, meu e delas.

31/03/2020.
Natália Farias de Barros

 

Sou Natália, mulher negra, filha e neta. Professora de Geografia e mestranda em Geografia pela UFPB. Para além do percurso acadêmico e dos (des)caminhos carrego em mim o amor pulsante pelo corpo através da dança. Instagram: @nataliafariasbarros
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