Há tempos mulheres denunciam a baixa representatividade no cinema. Apesar disso, uma mudança de perspectiva anda a passos lentos. Mas o quão lento estamos falando?

O teste de Bechdel, por exemplo, visa lançar holofotes para a desigualdade nos filmes. O teste é bem simples: consiste em pegar um filme e se fazer dois questionamentos. O primeiro: a obra possui duas mulheres que conversam entre si? E o segundo: elas conversam sobre algo que não seja um homem?

É até interessante perceber que grandes blockbusters como Os Vingadores: The Avengers, Avatar e a trilogia inteira O Senhor dos Anéis falham no teste, que pode ser reaplicado a cada nova safra de filmes. Podemos perceber, assim, que a ideia é avaliar de que forma as mulheres são retratadas nas telonas. No entanto, não se trata exatamente de uma pesquisa com rigor metodológico.

Tendo isso em mente, o site The Pudding fez uma análise bem mais abrangente e criteriosa. Foram comparados o número de palavras faladas por personagens femininos e masculinos de cerca de dois mil filmes, com o propósito de ter uma visão mais objetiva das diferenças relacionadas a gênero nos filmes. Foram levados em consideração apenas personagens com mais de 100 palavras de diálogo no roteiro. Os resultados confirmam a subrepresentatividade feminina no cinema (até mesmo em filmes de princesa da Disney!).

 

Os filmes infantis não dão o melhor exemplo

 

Segundo a pesquisa, 22 dos 30 filmes da Disney analisados, incluindo da Pixar, tem maioria de diálogo masculino. Mesmo em filmes protagonizados por personagens femininas, elas tem menos falas. É o caso de Mulan, por exemplo, no qual Mushu, o dragão protetor da guerreira, tem 50% mais palavras em diálogos que a própria protagonista.

Os filmes nos quais personagens femininos e masculinos tem diálogos mais balanceados são: Frozen, Os Incríveis, Caminhos da Floresta e Tarzan. E em apenas 4 filmes personagens femininos são mais dominantes: Divertidamente, Alice no País das Maravilhas, Malévola e Bela Adormecida.

Gráficos comparam o volume de diálogo masculino e feminino em filmes da Disney

 

E o protagonismo feminino em números?

 

Somente em 22% dos filmes analisados as atrizes tiveram um número maior de falas. Em 34% dos casos, elas ocupam o segundo lugar em volume de diálogos em filmes.

Quando se analisa os três maiores papéis em um filme, em 18% deles as mulheres ocupam ao menos dois dos três papéis principais. Os homens, 82% dos casos. Esses dados mostram o longo caminho que ainda temos que percorrer por igualdade representativa em Hollywood.

 Em azul, o número de filmes com diálogos majoritariamente masculino. À direita, em vermelho, filmes com diálogos majoritariamente de mulheres.

Somente dois dos dois mil filmes analisados contém diálogos 100% femininos: Agora e Sempre (1995) e Abismo do Medo (2006). Em maior número estão os que contam com todos os diálogos masculinos, entre eles: O Regresso, Cartas de Iwo Jima, Platoon, Cães de Aluguel, A Lista de Schindler e O Beijo da Mulher Aranha.

 Pôster dos filmes “Agora e Sempre” e “Abismo do Medo”, os únicos com diálogos 100% femininos dentre os filmes analisados na pesquisa.

 

A idade é inimiga das mulheres e amiga dos homens

 

A pesquisa também demonstra como os papéis de homens e mulheres diferem com relação à idade dos atores e atrizes.

As mulheres mais jovens possuem mais diálogo em filmes, comparativamente até mais que os homens. No entanto, na medida que envelhecem, vão perdendo espaço ao passo que os homens vão ganhando mais protagonismo. Ou seja: existem mais papéis para homens conforme avançam os anos e o contrário para as mulheres.

Daí vermos tantos filmes com homens na meia-idade fazendo par romântico com mulheres de vinte e poucos anos. Tipo todos do Woody Allen.

Não por menos a triz Maggie Gyllenhall (imagem à direita) declarou, em 2015, aos 37 anos, que havia sido desconsiderada para um papel por ser “velha demais”. Ela faria o interesse romântico de um cara de… 55 anos.

 Imagem do filme “Tudo Pode Dar Certo” (2009)

O que dizem os números

 

Os dados revelados na pesquisa nos auxiliam a ter uma real dimensão do problema da falta de representatividade feminina no cinema. É realmente chocante ver o gráfico comparativo dos filmes premiados com o Oscar com relação ao volume de falas de homens e mulheres, por exemplo:

Ter esse apoio visual do gráfico também auxilia nossa compreensão da brecha que há entre a representatividade de homens e mulheres no cinema.

O método utilizado pode até ter suas falhas, como é ressaltado na própria pesquisa . O filme Mulan, por exemplo, mencionado anteriormente, tem mais falas de um personagem masculino mas é centrado em uma protagonista feminina forte. Em que pese algumas críticas nesse sentido possam ser cabíveis considerando um ou outro filme isoladamente, a análise de um número robusto de obras, tais como feito pelo The Pudding, revelam dados confiáveis.

Infelizmente, a pesquisa não cruzou dados comparativos relacionando a raça dos personagens e o volume de falas que possuem nos filmes. Aí que o buraco é ainda mais fundo.

Bruna Leão é cofundadora do Não Me Kahlo, escritora e ocasionalmente advogada