“There is no hierarchy of opressions” por Audre Lorde, tradução de Bruna Rangel.

 

Eu nasci negra e uma mulher. Estou tentando me tornar a pessoa mais forte que posso ser, para viver a vida que me foi dada e ajudar a efetuar mudanças em direção a futuro habitável para o planeta e para meus filhos. Como negra, lésbica, feminista, socialista, poeta, mãe de dois filhos, incluindo um garoto, e membro de um casal interracial, eu normalmente me vejo enquanto parte de algum grupo no qual a maioria me define como desviante, difícil, inferior ou simplesmente “errada”.

A partir da minha participação em todos esses grupos eu aprendi que a opressão e a intolerância em relação à diferença vem em todos os tamanhos e sexos e cores e sexualidades; e entre aqueles de nós que compartilham dos objetivos de liberação e um futuro viável para nossas crianças, não pode haver hierarquias de opressão. Eu aprendi que ambos o sexismo (a crença na superioridade inerente de um sexo sobre todos os outros e, portato, seu direito de dominar) e o heterossexismo (a crença na superioridade inerente de uma forma de amar sobre todas as outras e, portanto, seu direito de dominar) surgem da mesma fonte que o racismo – a crença na superioridade inerente de uma raça sobre todas as outras e, portanto, seu direito de dominar.

“Ah,” diz uma voz da comunidade negra, “mas, ser negro é NORMAL!”. Bom, eu e muitas pessoas negras da minha idade podem se lembrar duramente dos dias em que não costumava ser!

Eu simplesmente não consigo acreditar que um aspecto de mim mesma pode se beneficiar da opressão de qualquer outra parte da minha identidade. Eu sei que pessoas como eu não podem se beneficiar da opressão sobre qualquer outro grupo que busca o direito a uma existência pacífica. Em vez disso, nós nos diminuímos ao negar aos outros o que derramamos sangue para obter para nossas crianças. E aquelas crianças precisam aprender que elas não tem que se tornar umas iguais às outras para trabalharem juntas por um futuro que irão compartilhar.

Os ataques crescentes às lésbicas e homens gays são apenas uma introdução aos ataques contra todas as pessoas negras, uma vez que aonde qualquer opressão se manifestar nesse país, pessoas negras são vítimas em potencial. É o padrão do cinismo da direita encorajar membros dos grupos oprimidos a agir uns contra os outros e enquanto estivermos divididos em razão de nossas identidades particulares nós não podemos nos unir para uma ação política efetiva. Dentro da comunidade lésbica eu sou negra, e dentro da comunidade negra eu sou uma lésbica. Qualquer ataque contra pessoas negras é uma questão lésbica e gay, porque eu e milhares de outras mulheres negras somos parte da comunidade lésbica. Qualquer ataque contras lésbicas e gays é uma questão negra, porque milhares de lésbicas e homens gays são negros. Não há hierarquia de opressão.

Não é por acaso que a Lei de Proteção Familiar [1], que é virulentamente anti-mulher e anti-negro, é também anti-gay. Enquanto pessoa negra, eu sei quais são meus inimigos, e quando a Ku Klux Klan vai ao tribunal em Detroit tentar forçar o Conselho de Educação a remover livros que o Klan acredita que dão “dicas para a homossexualidade”, então eu sei que não posso me dar ao luxo de lutar apenas uma forma de opressão. Eu não posso me permitir acreditar que a liberdade contra a intolerância é direito de apenas um grupo em particular. E eu não posso me permitir escolher entre as linhas de frente nas quais devo lutar essas forças de discriminação quando aparecem para me destruir. E quando aparecem para me destruir, não irá demorar até aparecerem para destruir você.

 

[1] Um projeto de lei americano da década de 1980, na qual os Estados buscavam abolir as políticas federais que, segundo eles, interferiam na liberdade da família americana. A lei propunha, inclusive, proibir que o Judiciário obrigasse a matrícula de estudantes em escolas, em virtude de raça, sexo ou crença.

 

Audre Lorde foi uma escritora caribenha-americana, feminista, socialista, lésbica e ativista dos direitos civis.

 

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