Cartaz feito pelos estudantes de publicidade e propaganda da PUC-Minas Camila Araújo, Camila Vidigal, Bruna Araújo, Raul Almeida, Vítor Brumano.

 

A importunação sexual ganhou bastante destaque na mídia no final de 2018, por ter sido aprovada a lei que criminalizou essa conduta. Essa é uma lei que veio especialmente para combater os assédios sexuais em espaços públicos e esse será o primeiro carnaval que ela estará valendo.

Entretanto, antes de nós sabermos o que é importunação sexual, nós precisamos entender o que é assédio.

Assédio é uma manifestação de caráter sexual ou sensual, contrária à vontade da pessoa a quem é dirigida. Dessa forma, é uma manifestação unilateral de uma pessoa contra a outra, sem o consentimento dessa.

São posturas grosseiras, desagradáveis, abusivas, invasivas, rudes e que causam constrangimento, humilhação, medo. É uma sensação de invasão do seu próprio corpo, da sua autonomia, da sua liberdade.

Muitas vezes, infelizmente, a nossa sociedade naturaliza o assédio sexual. São usadas como justificativas para esse tipo de comportamento a roupa da mulher, o local onde ela está, se ela está acompanhada ou não, o horário que está fora de casa. E, por incrível que pareça, até setembro de 2018, nós não tínhamos uma lei para coibir exatamente esse tipo de comportamento, que é o assédio em locais públicos. Nós tínhamos um verdadeiro vácuo jurídico, porque nós ficávamos entre duas figuras muito extremas do nosso ordenamento jurídico.

A primeira seria a importunação ofensiva ao pudor, que, na verdade, não é um crime, mas uma contravenção penal. Consiste em importunar alguém, de modo ofensivo ao pudor, em um espaço público (artigo 61 da Lei de Contravenções Penais).

No caso da contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, o bem juríduco protegido não é a dignidade sexual da vítima do assédio, mas o pudor, o sentimento de “moralidade pública” de uma “decência” coletiva.

Por outro lado, no outro extremo, está o estupro (artigo 213 do Código Penal), que é um crime hediondo, um dos mais graves em nosso ordenamento jurídico. O crime de estupro consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que se pratique com esse agente, um ato libidinoso. Traduzindo o “juridiquês”, ato libidinoso é qualquer manifestação de caráter sexual, principalmente quando há interação, toques físicos entre a vítima e o agressor.

E qual seria o problema de enquadrar o assédio em locais públicos como crime de estupro? O problema é que o crime de estupro precisa do elemento violência ou grave ameaça para se consumar. Isto é, para o agente conseguir obter aquele resultado, a satisfação de seu prazer sexual, ele usa da violência ou da grave ameaça para coagir a vítima. Seria o caso, por exemplo, em que o agressor segura a vítima à força ou a ameaça com o uso de arma de fogo. Se nós não estamos diante de uma situação dessas, não é possível aplicar o crime do estupro nas decisões judiciais.

E, só para esclarecer, há um crime chamado assédio sexual (artigo 216-A do Código Penal), mas esse crime só é aplicado para situações em que há uma relação de emprego ou de trabalho, tendo como requisito um vínculo de hierarquia e/ou subordinação entre vítima e agressor. Assim, para casos que estão fora desse contexto de hierarquia e/ou subordinação, o crime de assédio sexual não pode ser aplicado.

Em consequência da falta de uma tipificação específica, os casos de assédio sexual em locais públicos, que ocorrem, diariamente, em transportes públicos, nas vias públicas, baladas, shows, ficavam nesse “limbo”, porque, por mais que aquelas atitudes sejam violentas, não estavam amparadas pela lei penal. Se por um lado, uma importunação ofensiva ao pudor, não é o suficiente, por outro lado, um crime de estupro também não era aplicável.

Esse vácuo legislativo ficou muito claro, principalmente, no ano de 2017, quando uma passageira foi surpreendida por um homem ejaculando em seu pescoço enquanto estava no ônibus. O homem foi detido, levado para uma audiência e liberado logo em seguida, entendendo o juiz que não poderia ser enquadrado em crime de estupro porque não houve emprego de violência ou grave ameaça.

Diante disso, o congresso nacional editou a Lei nº 13.718/2018, resultado de reivindicações populares que vinham de casos midiáticos de violência contra a mulher em transporte e locais públicos.

Assim, foi criado o crime de importunação sexual, que consiste em praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.

Dessa forma, tentando facilitar a compreensão desses termos, ato libidinoso pode ser entendido como um ato que visa satisfazer a libido, um ato que visa o prazer sexual do agente. Normalmente envolve interação física, como por exemplo, um toque, principalmente em partes mais erotizadas do corpo como seios, nádegas, genitais, coxas, boca. Lascívia é o prazer sexual e, portanto, o ato deve ser executado de forma a satisfazer sexualmente o agente do delito. Sempre que houver um ato dessa natureza, que é cometido contra outra pessoa e sem a anuência, estaremos diante de um caso de importunação sexual.

Dois exemplos práticos que poderiam enquadrar em importunação sexual:

1) Dentro de um ônibus, determinado homem faz automasturbação e ejacula nas costas de uma passageira que está sentada à sua frente;

2) Conduta do frotteurismo consistente em tocar e esfregar-se em uma pessoa sem seu consentimento.

 

Se eu sofrer esse tipo de violência, o que devo fazer?

 

A primeira hipótese pode ser um possivelmente de um flagrante. Então, se você está na rua, em um transporte público ou em um local que há mais pessoas presentes, é aconselhável que você chame por ajuda, tente chamar atenção das outras pessoas que estão ao seu redor. Essas pessoas podem ajudar a conter o agressor para que ele não fuja do local e podem servir também como testemunhas, futuramente, em um processo.

É aconselhável que você chame o segurança, se houver, e acione imediatamente a polícia para que ela venha e faça o flagrante. Isso significa que as autoridades policiais deverão levar esse agressor preso. Esse momento é crucial para que você consiga coletar os dados dessa pessoa para um julgamento futuro.

Se você não conseguir fazer o flagrante, isso também não é um óbice para denunciar. Se você estiver ou diante de uma situação que aconteceu em um espaço privado e você não teve como reagir ou chamar a polícia, ou ainda que tenha sido em um espaço público, mas aconteceu muito rápido, você “congelou”, não teve coragem de reagir e ficou com medo, não tem problema. É possível denunciar mesmo assim.

Nesses casos, é interessante que você colete o maior número de provas possíveis. Por exemplo, se você está dentro de um ônibus ou um metrô, é interessante anotar qual era a linha, número do vagão, do trem, qual era o horário, placa do ônibus, o máximo de informações possíveis. Veja se alguém ao redor presenciou essa situação e se voluntaria para ser uma testemunha, anote os dados dessas pessoas, como nome e telefone. Se possível, tente filmar o acontecido ou tentar tirar uma foto do agressor.

Também é interessante olhar ao redor, ver se há câmeras de segurança. Se você estiver nas ruas, é importante ver quais eram os estabelecimentos próximos, qual é o endereço onde ocorreu. Todas essas informações quando você for levar à polícia, podem ajudar a identificar quem foi o agressor através de uma investigação policial.

Depois de coletadas as provas, você tem que se dirigir a uma delegacia de polícia, preferencialmente, uma delegacia da mulher e registrar um boletim de ocorrência.

Eu sei que isso é muito difícil, porque em um momento como esse, em que nós estamos em uma extrema vulnerabilidade, a última coisa que a gente vai pensar, realmente, é em pegar o celular e produzir provas. Mas caso seja possível, faça isso.

Se você não conseguir nenhum tipo de prova, ainda assim faça a denúncia. A polícia tem obrigação de investigar o caso. Além disso, é com base nesses registros que o Estado toma conhecimento da quantidade de crimes que aconteceram e, assim, ter dados concretos sobre esse tipo de violência. Com isso, podemos pautar políticas públicas e essas violências não ficam invisibilizadas.

 

Sílvia Cardoso é advogada e Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Instagram: @feminismoedireito