Ilustração por Raquel Thomé.

Um estudo recente publicado no jornal Law and Human Behavior mostra que é mais improvável que mulheres bravas exerçam influência sobre outras pessoas, enquanto o contrário ocorre para os seus correspondentes masculinos. De acordo com o resumo do estudo, os pesquisadores montaram uma simulação na qual os participantes “acreditavam que estavam envolvidos num júri sobre um caso de assassinato”.

Sem o conhecimento dos participantes do estudo, os outros jurados na simulação eram somente dados programados para leitura. Dos outros cinco membros do júri, na tentativa de simulação, quatro estavam programados para concordar com o veredicto do participante no estudo, e um jurado estava programado para discordar. Quando o jurado discordante era marcado com um nome “masculino” e expressava discordância e raiva contra o veredicto do participante, o participante era mais propenso a se autoquestionar. Quando o jurado discordante seguia a mesma programação, mas era identificado por um nome tipicamente feminino, os participantes do estudo eram mais propensos a confiar no seu veredito inicial e não se questionar.

A Dra. Jeanne Vaccaro é pós-doutoranda em estudos de gênero na Universidade de Indiana e desenvolve uma pesquisa em Sexo, Gênero e Reprodução no Instituto Kinsey. “Em minha reação inicial [a esse estudo] pensei sobre histeria”, diz ela, “e sobre como historicamente usou-se a histeria como uma patologia das mulheres – qualquer tipo de explosão é visto como irracional e sem fundamento”.

Segundo a Dra. Vaccaro, a percepção da irracionalidade das mulheres está profundamente arraigada na psique cultural contemporânea. Crenças sexistas se manifestam no inconsciente: as pessoas estão frequentemente inconscientes dos preconceitos que carregam consigo. “Há realmente um forte emparelhamento entre o feminino e a histeria; eles foram costurados juntos”, diz ela. “Até mesmo a etimologia da palavra útero leva à histeria. Na era vitoriana, as mulheres eram mandadas para sanatórios para “relaxar” depois desses episódios [de histeria]”.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais é uma ferramenta médica internacionalmente reconhecida. Nele, dados demográficos historicamente oprimidos foram frequentemente classificados como transtornos. O status quo de pessoas neutras foi por muito tempo definido por homens brancos, cisgêneros e heterossexuais, e o comportamento das pessoas que não eram qualificadas como pessoas neutras foi considerado como patologia. Isto não é inconsequente, já que o manual é considerado como um representante de dados científicos a respeito da mente humana.

À medida que movimentos de justiça social progridem e mudam a sociedade, manifestações concretas de discriminação são muitas vezes as primeiras a ir. Políticas e reformas da legislação tentam nivelar as desigualdades. Em 1973, no despertar do movimento de libertação gay, por exemplo, a homossexualidade foi reconhecidamente desclassificada como um transtorno mental e removida do Manual.

Ela explica que ocorre o mesmo com a histeria, que foi desclassificada nos anos 50. Contudo, ela diz que uma mudança na documentação de preconceitos culturais não significa que o estereótipo se foi. “Há outras coisas que apareceram no despertar para a histeria. Nós ainda temos o legado de que mulheres não são racionais”.

De acordo com a Dra. Vaccaro, algumas pessoas até sugeriram que a discriminação de gênero inerente à histeria mudou após a histeria ter sido desclassificada, e agora se manifesta na medida em que os médicos descartam condições médicas, como a fibromialgia, doença de Lyme e fadiga crônica. “Mesmo que a histeria não seja mais um diagnóstico, as pessoas dizem que estas novas doenças preenchem a lacuna deixada pela histeria”, diz ela. “As pacientes se queixam de não serem ouvidas por seus médicos. São pessoas que relatam sentir dor crônica. Você vai ao médico várias vezes, e ninguém te escuta”.

A forma de preconceito persistente nos resultados inquietantes deste estudo não é exclusiva para mulheres, Dr. Vaccaro acrescenta. Assim como acontece com a patologização da diferença, as emoções historicamente oprimidas muitas vezes não são levadas a sério em um nível de pessoa para pessoa, como quando a raiva das pessoas negras é rebaixada ou usada contra elas. “As pessoas devem e podem ficar realmente irritadas sobre pós-colonialismo, racismo institucional, racismo cotidiano ou sexismo cotidiano. A raiva é uma resposta realmente justificada para o mundo em que vivemos”.

Estes preconceitos não são inconsequentes. Mulheres sobreviventes de violência sexual, por exemplo, temem a perseguição social, o que as torna muito menos propensas a falar contra seus estupradores ou abusadores. A raiva é uma resposta natural ao assédio, mas quando estar indignada é um modo de comprometer o seu caso, é muito mais difícil dar um passo adiante e, consequentemente, muito mais difícil de compartilhar sua história para ajudar outras vítimas.

“Neste momento, é muito importante em nosso mundo que as pessoas possam sentir raiva,” diz o Dr. Vaccaro. “Raiva contra a polícia ou o sexismo.” Ela explica que a raiva é um direito, e que ele está ameaçando porque interrompe a ordem sexista das coisas. “É como se você estivesse sendo desafiadora, política, resistente ao status quo. Isso perturba as pessoas que têm uma participação nas relações de poder, da forma que elas são atualmente. O poder delas é antagonizado pela resistência. [Mas] como poderia você não ficar com raiva?”

Por Diana Tourjee *Texto orginalmente publicado no site The Vice, traduzido por Larissa Bontempi e revisado por Evelini  Andrade.

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