Quem acompanha o universo das Histórias em Quadrinhos sabe muito bem que os próximos anos será um marco para os fãs de HQs. A Warner Bros., anunciou uma série de filmes sobre o universo DC e um dos mais aguardados é o filme solo da Mulher-Maravilha. A heroína, que irá completar 75 anos no ano que vem, nunca teve um filme só para ela, muito ao contrário dos seus colegas Batman e Super-Homem, que contam um bom número de produções cinematográficas e séries de TV. O máximo que Mulher-Maravilha teve foi uma série de TV produzida há 40 anos, estrelada por Lynda Carter.

 

Pois bem, filme anunciado, atriz anunciada. Vocês acharam mesmo que ela iria escapar do machismo nosso de cada dia? Não, infelizmente. A atriz escolhida para o papel, Gal Gadot, vem sofrendo duras críticas.

Agora adivinhem os conteúdos das criticas. Isso mesmo! A maioria delas, dirigidas a Gal, não é questionando seu potencial artístico para o papel e, sim, seu físico. Mas o que falta a Gal Gadot para o papel? Segundo “especialistas” machistas de plantão: peito, bunda e coxas.

   

Um deles foi sensato:

Em uma recente entrevista a uma publicação de Israel, Gal Gadot comentou as críticas: “Eles disseram que eu era muito magra e que meus seios eram muito pequenos [risos]. Tenho muita sorte de que nada na minha vida foi instantâneo. Quando era mais nova, levava as críticas muito a sério. Mas agora a maior parte me diverte. As verdadeiras amazonas tinham apenas um seio para não atrapalhar na hora de usar o arco e flecha. Então não será como uma verdadeira amazona. Nós sempre tentamos fazer todos felizes, mas não podemos agradar a todos. [As críticas] são apenas conversa vazia. Entendo que parte do que estou fazendo significa ser exposta. E parte de estar exposta significa estar sob fogo”.

Ainda por cima, a atriz demonstra ter mais consciência do que é Mulher-Maravilha do que muito marmanjo que diz ser leitor há anos dos quadrinhos:

“Interpretar a Mulher-Maravilha é uma oportunidade única. Não posso explicar o quanto queria interpretar essa personagem sem saber que queria interpretá-la. Encontrei muitas pessoas da indústria hollywoodiana em reuniões em Los Angeles. Sempre me perguntavam qual era o meu papel dos sonhos e eu nunca conseguia defini-lo. Sempre respondia que queria interpretar uma mulher forte que fosse uma força para a emancipação das mulheres. Não quero interpretar uma donzela em perigo que precisa ser salva. Não gosto quando as mulheres são mostradas como vítimas nos filmes. Sempre pensei que se pudesse passar uma mensagem, seria mostrar o lado forte de uma mulher e como ela pode lidar com situações difíceis. Sim, interpretarei a mulher mais poderosa de todas, a Mulher-Maravilha. Estou tão grata e agradeço a deus todos os dias. Quero devorar [essa oportunidade] e aproveitar cada mordida”.

Sim, Mulher-Maravilha é muito mais (bem mais) do que ser uma mulher dentro dos padrões sociais de beleza.

A Mulher-Maravilha foi criada por William Moulton Marston com o intuito de combater a ideia de que mulheres eram inferiores aos homens. O próprio Marston escreveu, ao justificar sua criação: “a Mulher-Maravilha é a propaganda psicológica para o novo tipo de mulher que, creio eu, deve governar o mundo”. E além do mais, o criador da Wonder Woman disseminava que os homens deveriam ser submissos às mulheres: “Não há amor suficiente no homem para conduzir pacificamente este mundo!”, dizia ele.

 

Viram garotas, é fácil cortar os laços quando você sabe que pode!-Hola! Nossa princesa é invencível!!Nota: trocadilho da questão mulheres/separações, mulher/cara errado, etc.

 -Anjo, quando é que você vai se casar?– Quando o mal e a injustiça forem varridos da Terra

Obviamente se essa ideia fosse abertamente publicada juntamente com as comics da Mulher-Maravilha não iria vender, já que na época, esse era um campo exclusivamente masculino. O que não impediu de a Mulher-Maravilha tornar-se incrivelmente bem-sucedida, inclusive desbancando o Super-Homem em número de vendas. Com uma personagem de sucesso nos quadrinhos, era decidida, forte, empoderada, a Mulher-Maravilha virou ícone; e um ícone feminista. Art Spiegelman afirmou que a Mulher-Maravilha era “the four-color embodiment of the women’s rights movement” (algo como: a personificação em quarto cores do movimento feminista).

  

Não demorou muito e a personagem que deveria ser exemplo de força, coragem e liberdade feminina acabou se tornando um símbolo…sexual. Sério! Depois nós, feministas, que queremos mudar tudo? Diana Prince agora tinha um corpo com mais curvas, pernas mais torneadas, peitos mais abundantes e o shorts saiu para dar lugar a um maiô. E isso, de acordo com os “especialistas” é o traje adequado para uma guerreira amazona (sério, eles precisam ir ao médico. Isso não é normal).

 

Os recorrentes diálogos empoderadores de Diana com outras mulheres, presentes nas primeiras histórias foram diminuindo drasticamente, a Mulher-Maravilha já não lutava mais pela igualdade de gêneros. Os autores estavam mais preocupados em fazer de  Diana um simbolo sexual que saía no soco com monstros enquanto fazia poses nada naturais. Estou exagerando? Talvez sim…

Mas isso é normal? E se outros personagens também fossem retratados da mesma maneira?

Vez ou outra algum autor lembrava do que Mulher-Maravilha representava:

Por que as pessoas entendem “acreditar nas mulheres” como sendo igual a “odiar os homens”?Não consigo nem olhar!

O tempo passou e a quantidade de número de mulheres que se tornaram leitoras de comics cresceu. Naturalmente, a Mulher-Maravilha foi eleita a principal personagem de quadrinhos. Afinal de contas, eu sei que vocês já sabiam quem era a Mulher-Maravilha antes mesmo de saber o que era uma história em quadrinhos. E sim, você a conhecia pela sua igualdade de gênero. Pois bem, quando o mercado de quadrinhos deu um boom de leitoras mulheres, Diana Prince não andava muito de mãos dadas com o feminismo. Meninas e mulheres começaram a questionar a roupa hiper-sexualizada da personagem, as poses desnecessárias e inumanas que se fazia durante as batalhas. Isso não somente com a Mulher-Maravilha, mas com outras personagens. Chegamos ao reboot da DC. O ano é 2011 e eles anunciam os novos trajes dos personagens. As icônicas cuequinhas por cima da calça de Superman e Batman foram embora, assim como o collant da Diana DARIA lugar para a calça… isso mesmo, daria. Novamente os “especialistas” machistas de plantão reclamaram tanto que voltaram ao collant. Desculpa da vez: o collant é icônico, canônico, clássico, oficial…

-Como você ousa modificar um clássico?– Hmmm, com licença…

Alguns anos se passam, cada dia mais as mulheres aderem ao feminismo ao redor do mundo e isso fica em visibilidade. Saiu uma pesquisa sobre leitores de comics nos EUA, quase metade são mulheres. Nova Thor, da Marvel (principal concorrente da DC) defende publicamente o feminismo, quebrando o maxilar de um homem que criticou o movimento:

Thor- O tipo que acaba de quebrar o seu maxilar!Thor – Isso é por dizer “feminista” como se fosse uma palavra de quatro letras, idiota! E também por, sabe, roubar!-O que diabos está acontecendo aqui?

Algo estava claro: mulheres heroínas não eram para ser apenas sex symbol socando eventualmente pessoas más. Na verdade, isso era o que elas menos deveriam ser. Heroínas deveriam servir de inspirações para meninas e garotas de que é preciso lutar para ter um mundo mais justo, inclusive lutar pela igualdade de gênero. Enquanto isso, na DC o novo desenhista da Mulher-Maravilha, David Finch, dava a seguinte declaração nessa entrevista:

Existe alguma parte preferida da mitologia que você esteja interessado em abordar nas primeiras edições ou alguma parte em que você esteja animado em abordar no seu livro? David: De minha parte estou animado em desenhar a trajetória de Meredith, desenhar tal ícone! Existe algo – desde que comecei na DC, tem sido um incrível privilégio desenhar personagens como Batman e, de uma forma um pouco mais limitada, o Superman, e agora a Mulher Maravilha. Eu acho que ela é um personagem bonito, de personalidade forte! Sério, de onde eu venho, e nós conversamos muito sobre isso, nós queremos garantir que seja um livro que trate-a, em primeiro lugar, como um ser humano, mas também com respeito ao fato de que ela representa algo mais. Nós queremos que ela seja forte – Eu não quero dizer feminista, mas uma personalidade forte. Bela, mas forte.

Parece que Finch não gosta da palavra “feminista” e também usa “forte” como um contraponto à “bonita”. Alguém descreveria o Super-Homem como bonito, mas forte? Porque não falar que a Mulher-Maravilha seria bonita E forte?

Ele tentou concertar a situação, dando esta declaração no twitter:

Eu não estava dizendo que a Mulher Maravilha não é pró-igualdade, e, portanto, feminista. Só quero que ela seja um ser humano: passiva de falhas e real.

Alguém, por favor, avisa o Finch que feministas são mulheres reais!

E porque raios a Mulher-Maravilha, uma semi-deusa, seria retratada como um “ser humano, falível e real”? Mas a DC continuava correndo o risco de perder seu público feminino para as concorrentes (que agora anunciava Os Vingadores composto só por mulheres). Então; fez algo para tentar não ficar para trás e anunciou o novo uniforme da Mulher-Maravilha:

Isso foi bom! Uma Mulher-Maravilha com pose de guerreira e não de sex symbol. Mas você acha que isso veio de bom grado para todos? Pessoas, estamos em um mundo misógino! Aqui vemos um pouquinho de amor de omi:

    

 E esse comentário sensato:

 O que Gal Gadot enfrenta hoje é apenas uma parte do que leitoras, jogadoras e grande parte do público feminino no universo geek tem que aguentar diariamente: imposição de estereótipos, insultos e machismo de todas as formas. Importante lembrar que a Mulher-Maravilha já passou por diversas mudanças físicas. Ela já foi mais magra, com menos peitos e coxas. Já teve cabelos lisos, ondulados e  cacheados. A mudança da caracterização da personagem sempre se moldou de acordo com os padrões de beleza da época que estava sendo escrita.

 

Não estão querendo que ela seja igual a personagem por fidelidade à obra, estão querendo que Gal seja a versão que mais apraz o desejo masculino atual. Ou seja, novamente tornando a personagem um sex symbol em vez de ser o símbolo da força feminina. Não podemos deixar de terminar essa matéria com um recado da própria Gal Gadot: