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Fiz uma pesquisa um tempo atrás para produção de um artigo sobre gênero e mercado de trabalho. Apesar de ser mulher e sofrer na pele a injustiça desse sistema, depois de ler os dados e abrir mais e mais links, me senti pior que já estava. Não é pra menos, se o mercado de trabalho é cruel demais com quem é mulher, imagina se você é mãe.

Temos poucas mulheres nos cargos de liderança dentro das empresas e essas poucas mulheres normalmente são brancas, têm uma condição financeira digamos média e não são mães. Isso nos leva a pensar que além de patriarcal, a questão do trabalho envolve também o social e racial. Uma das coisas que eu sempre bato na tecla é que: não somos todos iguais. Por mais que a gente lute por igualdade, não somos iguais.

Fico tentando imaginar um mundo sem o patriarcado, um mundo onde homens e mulheres tivessem sido criados sem a imposição do gênero, se a cor da nossa pele e a nossa questão social não interferisse na nossa vida, onde todos seríamos felizes iguais aqueles panfletos de igreja. É… eu só imagino mesmo, isso não aconteceu e não sei se vai acontecer tão cedo. Ser pessimista? Não, eu sou realista.

Nós movemos o mundo por meio de pequenas mudanças. Coletivos, grupos e pessoas independentes conseguem fazer bem esse papel. Mas, por que eu dei essa volta toda ao mundo pra falar sobre maternidade e mercado de trabalho? Porque tem tudo a ver. Como vamos falar sobre igualdade se sequer entendemos a raiz da desigualdade?

Numa pesquisa realizada pela MindMiners com mais de 500 mulheres que são mães sobre o mercado de trabalho, 34% estão em regime CLT, seguido de 24% sem trabalhar, as demais porcentagens estão divididas entre PJ e Empreendedorismo. Os principais fatores da baixa de mulheres mães no mercado se dá pelo preconceito. Sim, muitas mulheres passam por entrevistas um tanto constrangedoras. Algumas pessoas perguntam com quem o filho vai ficar, se tem ajuda, se está na escola, e um “qualquer coisa te avisamos” passa a ser uma frase muito comum.

Parte dessa falta, são mulheres que por conta da maternidade acabaram empreendendo. O mais engraçado, ou melhor, triste nessa situação é que muitas deixaram os seus empregos, estáveis até, para poderem ficar mais perto dos filhos, seja por conta do ambiente preconceituoso com mães, seja pelo patriarcado comendo solto dentro das empresas, seja por conta dos baixos salários e falta de infraestrutura para receber essas mulheres.

Segundo um relatório produzido pela MindMiners, “30% das mulheres declarou ter sofrido algum preconceito por causa da gravidez no ambiente de trabalho. Outras 28% tiveram problemas psicológicos por conta de pressão no trabalho e estabilidade.” Ou seja, o empreendedorismo materno, se dá mais pela necessidade do que o próprio sonho em si. Romantizam o empreendedorismo, mas na verdade, não é aberto nenhum estudo sobre o porque essas mulheres estão abandonando o mercado de trabalho e ficando cada vez mais sobrecarregadas em casa.

Eu sou uma das mulheres que preferiu sair do trabalho, mesmo tendo dificuldades financeiras. Não tinha com quem deixar meu filho quando ele nasceu, e quando estava grávida cheguei a ouvir da minha chefe: “Depois que você engravidou, não serve mais pra nada”. Pois é. Tem a amamentação, tem o puerpério, tem nosso corpo, tem a sociedade, tem a casa, a família a vida. Já levei meu filho bebê duas vezes pro trabalho, enfrentando cara feia e possíveis “penalidades” depois. Então, resolvi fazer freela, estar perto do meu filho, amamentá-lo e não ouvir mais que eu era imprestável.

Se as empresas te consideram menos capaz quando se é mulher, quando você é mãe, parece que sua capacidade diminui drasticamente, é como se não prestássemos para mais nada literalmente.

Precisamos de uma reforma, precisamos de empresas humanas que saibam e tenham em mente que uma mãe é tão competente quanto uma que não é. Que não queremos ser deixadas de lado, ouvir piadas na volta depois do parto, ou estar com medo de ser mandada embora depois da estabilidade de um mês. Queremos empresas que paguem os mesmos salários para cargos iguais. Queremos ser vistas pelo nosso currículo. Queremos ser competentes, mas não nos deixam.

Deixo abaixo um relato real da Ana Claudia Ricardo, que postei na página do Mães que Escrevem dia desses, e que resume todo esse texto e deixa um quê de revolta, impotência e desejo de mudança:

Entrevista de emprego:
-Você tem filhos?
-Sim 3.
-Como você vai trabalhar?
-Eles vão pra escola.
-Mas aí fica complicado né!?
-Meu senhor a pergunta correta seria, “Como eles vão comer, morar, vestir, viver se eu não trabalhar?”
-Okay entraremos em contato!

Matrícula da creche:
-Você trabalha qual período?
-Estou desempregada, procurando emprego.
-Precisa de carteira assinada pra conseguir a vaga.
-Moça como vou arrumar emprego com um bebê fora da escola?
-Não temos vagas nesse caso.

Conselho Tutelar:
-Onde essas crianças ficam a noite?
-Em casa, eu faço bicos em bares e eles só abrem a noite.
-Abandono de incapaz é crime.
-…

Tudo isso tem a ver com a romantização da maternidade também. É sempre o mesmo discurso, depois que somos mães, parece que o nosso papel social muda. É como se mudassem a nossa identidade. É como se nos colocassem em potinhos etiquetados. Não estamos mais no século passado onde nossas avós e mães eram obrigadas a ficarem em casa para cuidar de nós.

Queremos autonomia financeira. Queremos também condições de ir trabalhar sossegada. Queremos vaga em creche para nossos filhos. Queremos ter um salário família. É pedir demais? Para alguns sim, afinal “quem mandou abrir as pernas?”, mas o que a sociedade não entende que esse ser social que são nossos filhos merecem ter direitos, coisa que o Estado parece não estar nem aí.

É uma teia enorme de problemáticas que se eu for nomear aqui, vira um livro. Uma coisa puxa a outra, mas nenhuma vai pra frente. São tantas as causas, tantas as mudanças que precisam acontecer. Não é fácil, mas seguimos lutando para sermos vistas como mulheres, como seres parte dessa sociedade. Como profissionais competentes que estamos lutando para ser. Queremos o tal reconhecimento. Vagas de emprego, outra questão que poxa vida, 28,3 milhões de pessoas, segundo o IBGE, estão sem trabalho e se formos fazer um recorte nesse número, pode ter certeza que mulheres negras, indígenas, de baixa renda e escolaridade mínima, estão com uma parte grande dessa pizza que cresce cada vez mais.

Pois é, o mercado de trabalho é cruel demais com mães.

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