Jane Addams à esquerda e Ellen Gate Starr, à direita.

 

Durante o ensino médio eu, com a minha mínima consciência sobre as desigualdades de gênero, ficava me perguntando onde as mulheres estavam durante o decorrer da história mundial e porque elas eram citadas com falas tão breves e generalizadas. Okay, na segunda guerra mundial houve uma inserção das mulheres no mercado de trabalho, mas o que isso significava? E o que isso significava para as mulheres negras? Eram perguntas que nem existiam na sala de aula.

Iniciei minha graduação em Terapia Ocupacional, um curso que forma profissionais capacitados para trabalhar com a saúde humana, buscando tratamentos e terapias para a recuperação física e psicológica do paciente. Quando descobri as origens da minha profissão, ela parecia mecânica e um tanto quanto vazia ao primeiro olhar. Pensar que uma profissão inteira de tamanha complexidade havia derivado apenas da necessidade de reabilitar soldados após a segunda guerra mundial me soava vago. Juntamente com o olhar de inferioridade que os colegas de outros cursos da área da saúde lançavam sobre mim, isso me impulsionou a mergulhar mais fundo na história dessa profissão. Então, depois de alguns cursos extracurriculares eu descobri que essa origem havia sido editada!

A Hull House

Quem foram Jane Addams e Ellen Gate Star?

 

Jane Addams (1860-1935) foi conhecida como “a mãe do trabalho social. Ativista, assistente social, socióloga, filósofa, feminista, foi também a segunda mulher a ganhar o Prêmio Nobel da Paz. Ellen Gates Starr (1859-1940) foi também uma ativista e reformadora social norte-americana. Juntas, em 1889, fundaram a partir de uma movimentação social de cunho feminista a Hull House.

A Hull House era uma casa de acolhimento e abrigo, em Chicago, com o propósito primeiro de compreender as condições de vida de outras mulheres e de famílias imigrante. Tratava-se de uma grande mansão, custeada primeiro por Jane e que depois viria a reber doações de diversas pessoas para garantir a continuidade do projeto. A relação entre a Hull House e a comunidade de imigrantes se dava também por causa da localização da casa: entre um bairro com população de alemãs, judeus, gregos, irlandeses, italianos e canadenses. A Hull House oferecia treinamento de assistentes sociais para acolher essa comunidade, além de ter sido pioneira em oferecer uma escola noturna para adultos.

Mais tarde, passam a olhar as condições para o tratamento de pessoas consideradas doentes mentais na época. Além de abrigo, a casa era um centro de pesquisa, estudo e debate sobre vários temas como economia doméstica, cuidados pós-parto, turbeculose, febre tifóide, entre outros assuntos  – o que alguns anos depois ligariam esse movimento com os soldados que voltam com os traumas da guerra.

A Hull House tinha uma visão crítica sobre o processo que as crianças imigrantes sofriam de despimento de sua cultura, tinha um programa de arte que desafiava o sistema educacional da época e servia para promover a integração comunitária e promover a identidade cultural dos imigrantes, além de promover na prática uma visão ética feminista. No entanto, a história de Jane Addams e Ellen Gate Starr  foi transformada na história de uma profissão que surge com a função de reabilitar os soldados após a segunda guerra.

 

Jane Addams e Ellen Starr.

A invisibilização das mulheres na história

 

A revolta que isso me causou me deixou dias pensando sobre isso, e no quanto somos invisíveis perante o sistema que escreve a história. Pensar em como estas mulheres foram apagadas, assim como o seu trabalho, e como a profissão foi resumida a algo tão simplório, simplesmente me dilacera.

Todas as coisas maravilhosas que fizemos, as lutas que lutamos, o esforço enorme para ascender em um sistema que não abre espaço para a sua subida e que não te quer no topo, toda a vida que produzimos através da arte, tudo, é apagado e editado em algo padronizado e resumido. Todo o nosso protagonismo é editado para que sejamos colocadas como coadjuvantes da história e da nossa história.

E talvez seja necessário que pensemos sobre isso, onde essa capa da invisibilidade nos leva? O que ela tira de nós? E o mais importante, até quando vamos permitir isso?

 

Referencia: MONZELI, Gustavo Artur; MORRISON, Rodolfo; LOPES, Roseli Esquerdo. Histórias da terapia ocupacional na América Latina: a primeira década de criação dos programas de formação profissional. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, v. 27, n. 2, p. 235-250, 2019.

 

Eduarda Pereira Barbosa. Graduanda de Terapia Ocupacional pela UFTM, 21 anos, vários sonhos e nada de interessante para colocar na biografia.

 

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