O uso das redes sociais vem sendo motivo de muita discussão e critica já faz algum tempo, O Dilema das Redes (Jeff Orlowski, 2020), documentário produzido pela plataforma de streaming Netflix não apontou novos problemas, pelo contrário, apesentou ao espectador um grande resumo dos dilemas que qualquer pessoa com rede social e um smartphone em mãos já se indagou sobre o modo como vem usando as plataformas.

O Dilema das Redes (The Social Dilemma) convida alguns ex-funcionários de empresas como Google, Facebook ou Instagram para relatarem suas experiências como mentes pensantes por trás das funções sedutoras das redes sociais. É inegável que são visões privilegiadas, pois todos atuavam no coração das corporações. Em comum, no discurso desses ex-empregados arrependidos está a denúncia da falta de ética quanto a forma que os usuários são tratados pelas plataformas. A comercialização de informações pessoais dos “usuários” para empresas que desejam vender suas mercadorias  aos indivíduos que possuem contas nestas plataformas, mecanismo desenvolvidos dentro das redes sociais para que os usuários passem mais tempo em frente a tela do celular, ou até mesmo, a manipulação em processos historicamente democráticos como as eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016, são tópicos apontados pelos ex-funcionários no documentário.

Talvez o nome mais relevante entre as personalidades que ajudaram a criar plataformas desse tipo, a realidade conectada que vivemos em 2020 e optou por   deixar o vale do silício alegando problemas éticos seja Jaron Lanier. O autor do livro publicado no Brasil com o título Dez argumentos para você largar agora suas redes sociais [i], virou um dos principais nomes requisitados para debater sobre privacidade digital. Jaron propõem que o leitor saia de todas as redes que possui conta, pois, segundo o autor, estamos muito longe de chegar a alguma solução para o problema e, além disso, o mercado de informação de usuários é um dos  mais rentável da atualidade, o que nos deixa ainda mais longe de uma mudança eficaz.

Problemas para a democracia vem surgindo nos quatro cantos do globo, e o caso da Cambridge Analytica [ii], a empresa inglesa que esteve no centro do furacão de todo o escândalo mundial envolvendo o Facebook, é um exemplo dos perigos enfrentados pelos processos eleitorais.  Em uma troca comercial entre as duas empresas, a Cambridge Analytica conseguiu desenvolver perfis de personalidade baseado em dados de usuários. Com essas informações em mãos, a startup foi capaz de detectar os usuários denominados “persuasíveis” e bombardeá-los com conteúdo adequado a cada tipo de perfil. Esses conteúdos visavam mostrar para os usuários nas redes sociais suas possíveis similaridades ideológicas com as propostas de Donald Trump. O foco da Cambridge Analytica foi em estados considerados “chaves” e que ainda eram considerados indecisos.

Todo esse processo envolvendo as eleições norte americanas veio a público, Alexander Nix, o CEO da Analytica e Britanny Kaiser, funcionária de confiança de Alexander tiveram seus nomes citados no olho do furacão e foram obrigados a depor em comissões de investigação do governo norte americano e inglês. Direcionando a discussão para o cenário brasileiro, muitos são os relatos alegando que o atual presidente brasileiro Jair Bolsonaro foi eleito com a ajuda das fake News [iii] em correntes de mensagens do aplicativo WhatsApp. É importante lembrar que o aplicativo WhatsApp pertence ao grupo de Mark Zuckerberg, o Facebook. Ao que parece, Jair Bolsonaro descrito pelo documentário como “um presidente totalitário” e que se alinha ao discurso político de Donald Trump, mostrou que em terras tupiniquins nossa situação não parece muito diferente da norte americana.

Pensar em eleições atualmente sem pensar em internet e redes sociais parece algo impossível de se conceber. A venda de informação [vi] de usuários sem autorização, do Facebook para a startup Cambridge Analytica, é o exemplo de que processos eleitorais onde a democracia é historicamente consolidada estão correndo risco.  Se o discurso do esforço individual não deixar de ser o dominante como solução para venda de dados de usuários (como excluir as contas), dificilmente obteremos mudanças. Os estados democráticos precisam apresentar leis e normas para empresas como Instagram, Google e Facebook. Quem tem uma conta em rede social é considerado um produto, tem informações pessoais básicas vendidas sem sua autorização e esse é um dos negócios mais lucrativos atualmente no mundo. Tal processo de venda mostrou-se com potencial muito destrutivo quando pensamos em processos políticos, a liberdade desenfreada das redes sociais junto ao mercado precisa de regulamentações para ontem, ao que parece, mais uma vez a mão do estado terá que deixar de ser invisível.

 

1 LANIER, Jaron. Dez Argumentos Para Você Largar Agora Suas Redes Sociais. 1ªEdição. São Paulo. Editora: Intrínseca.2018.

 2 WAKIFIELD, Jane. Brittany Kaiser calls for Facebook political ad ban at Web Summit. bbc.com, 2019. Disponível em: <URL>https://www.bbc.com/news/technology-50234144. Acesso em: 31 de outubro de 2020.

3 BARRAGÁN, Almudena. Cinco ‘fake News’ que beneficiaram a candidatura de Bolsonaro. El País, 2018. Disponível em: <URL> https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html. Acesso em: 31 de outubro de 2020.

4 MACHADO, Jorge, & MISKOLCI, Richard. 2019. DAS JORNADAS DE JUNHO À CRUZADA MORAL: O PAPEL DAS REDES SOCIAIS NA POLARIZAÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA. Sociologia & Antropologia9(3), 945-970. Dezembro de 2019.

 5ZUCKERMAN, Ethan. Redes Sociais Criam Bolhas Ideológicas Inacessíveis a Quem Pensa Diferente. Folha de São Paulo. 2017. Disponível em: <URL> https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/09/1920816-cada-macaco-no-seu-galho—zuckerman.shtml. Acesso em: 31 de outubro de 2020.

6 LANZAC-PEREZ, Carmen. Shoshana Zuboff: “O neoliberalismo destroçou tudo. Temos que começar do zero”. El País. 2020. Disponível em: <URL> https://brasil.elpais.com/ideas/2020-10-11/shoshana-zuboff-o-neoliberalismo-destrocou-tudo-temos-que-comecar-do-zero.html. Acessado em: 31 de outubro de 2020.

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