O despertar para a parentalidade não faz distinção entre sexos, raça, cor, religião ou opção pelo partido político. O desejo de se tornar pai/mãe, de gerar, cuidar, criar de uma criança pode despertar para todos cada qual em seu tempo, como pode também passar despercebido.

Cabe à pessoa que gesta, não excluindo o seio familiar o debate, em determinar qual o melhor momento para gestar. Esta escolha é o exercício do seu direito reprodutivo. Não pode ser imposta nem obstada.

O ato de nascer, tão natural, encontra no século XXI, novas nuances, desafios, necessidade de mudança de pensamento e construção social. Principalmente para as famílias trans quando a constituição da família não se limita a adoção ou gestação de substituição, é biológica, pois os homens trans que mantém ovário, útero e vagina pode gestar, parir e também amamentar.

Por outro lado, a ciência auxilia ao possibilitar que a mulher trans* amamente o seu filho ou ainda, caso assim deseje, engravide. Através do transplante de útero – realidade ainda em desenvolvimento pela ciência – mas que já teve no Brasil o 1o caso de sucesso do mundo entre cis – poderá realizar o sonho da gestação em mulheres trans.

São tão rápidas as mudanças sociais que o direito não consegue acompanhar, e urge já a necessidade de uma revisão legislativa acompanhada de uma mudança de pensamento social, baseada no respeito e dignidade. Por faltar tratamento legislativo, restará ao judiciário a solução (como vem acontecendo).

O pai que gestar e parir tem direito a estabilidade no trabalho desde a confirmação da gestação até 5 meses após o parto. Ele não pode laborar em local insalubre. Pode sair para realizar todas as consultas e exames pré-natal sem desconto de salário. Tem direito a “licença maternidade” (os vocábulos ainda precisam reconhecer pessoas transmaculinas enquanto gestantes) de 120 ou 180 dias. Poderá receber o “salário maternidade”, desde que preenchidos os requisitos. Poderá ter direito ao salário família.

O pai que amamentar tem direito a não laborar em local insalubre. Aos intervalos para amamentação de 1 hora durante a jornada de trabalho até que o bebê complete 6 meses, somado do auxílio creche se for praticado pela empresa.

O pai que gesta não pode ser vítima de violência obstétrica. Assim como é direito de todas as mulheres cis que gestam, ele precisa de atendimento e acompanhamento médico respeitoso, conforme os ditames da Rede Cegonha, e congruente com o seu gênero autodeterminado, e não excludente. Se chama atenção a este detalhe pois os atos rotineiros de consulta e atendimento são baseados em uma gestação feminina cis, pois é certo que a maternidade ainda é vista como unicamente feminina.

Em todo o período deve ser acompanhado sempre de uma pessoa de sua escolha, afinal a lei lhe garante um acompanhante em todo o pré-natal, parto e pós-natal.

Ao companheiro ou companheira do homem trans que engravida será concedido todos os direitos decorrentes da parentalidade relacionada ao pai, ou seja, a licença paternidade.

A atenção integral à saúde da pessoa que gesta é um dos princípios e ações da Rede Cegonha, identificando na pessoa que gesta a autora do seu próprio parto. Em relação a gestação de homens trans, pesquisadoras Ana R. Pinho, Liliana Rodrigues e Conceição Nogueira, pesquisadoras do Centro de Psicologia da Universidade do Porto destacam que é preciso uma atenção e cuidado ainda mais especial, pois muitos podem enxergar o processo de gestação como contraditório ao autoafirmado para não se tornar a gestação um processo (auto)deslegitimador de seu gênero. Vale a ressalva de Liliana Rodrigues: “Um homem trans ao querer engravidar não está a ser menos homem por isso, está apenas a espelhar a diversidade humana”.

Ainda que ausente legislação específica destinada a eles, a legislação existente é autoaplicável aos casos de gestação de homem trans de modo a assegurar que todo o processo gestacional transcorra de forma respeitável, digna, humanizada ausente de qualquer forma de discriminação. Em ocorrendo, o Poder Judiciário está a postos para garantir o respeito.

Parentalidade vai além da questão de gêneros.