Há quase quatro anos decidi vir morar na França. Já não era mais a minha primeira vez morando neste país, mas nenhuma familiaridade cultural nos prepara para viver uma pandemia longe do seu país de origem, longe dos nossos. Toda vez em que o Macron se pronuncia sobre a crise sanitária ele fala que “os franceses” não ficarão desamparados. Nenhum francês. FRAN-CÊS. Os enfants de la patrie. É meio óbvio que ele se dirija às pessoas da nação que ele representa, né? Duh.

Ora, mas eu não sou francesa. Não sou filha dessa pátria. O discurso me incomodava em um nível quase infantil, por querer também ser incluída nessa proteção, mas eu não admitia isso.

E vejam bem, na prática, eu tenho os mesmos direitos aqui, então também estou protegida. Eu estou aqui. Mas eu não sou daqui.

E neste momento eu não me sinto pertencer à pátria alguma, porque já não sinto mais o Brasil, enquanto federação, como minha casa desde que ele foi entregue de-mo-cra-ti-ca-men-te à psicopatas parvos e toscos, espelhos de uma sociedade adoecida.

Daí fiquei pensando em um episódio do podcast Mamilos com a Sônia Guajajara e a Adriana Ramos, onde em determinado momento elas falam de como o brasileiro tem esse conflito com as suas origens. Somos filhos bastardos de uma mãe índia estuprada pelo colonizador europeu, que em seguida trouxe à força os pais e mães africanos e os violentou novamente, corpo e alma.

E até hoje buscamos o amor e o reconhecimento desse pai que nunca pagou nem a cesta básica da pensão. É aquele orgulho em dizer que “meu avô era espanhol” ou de tirar um passaporte europeu. É aquela busca por cacos da nossa história, guardando somente aqueles que brilham.

Essa vulnerabilidade é gutural, essa necessidade de aprovação frente ao mundo nos infantiliza, nos faz desenvolver essa bosta de síndrome do vira-lata, nos faz gastar fortunas consumindo uma estética que não é nossa, só para nos parecermos mais com eles e sermos aprovados. E eles continuam nos vendo como caricaturas, não se enganem.

Eu estou relativamente bem inserida, falo a língua deles fluentemente, trabalho, pago impostos e conheço os códigos sociais. Mas ainda sou vista como algo “exótico” na maioria das vezes (e sim, já inclusive ouvi esse termo sendo atribuído à minha pessoa: uma coisa exótica). Quando não sou sexualizada, sou vista como uma Cacatua Inca. Por isso eu digo, não se enganem, nunca seremos como eles.

Está difícil ser brasileira atualmente. Acho que nunca foi fácil, mas períodos de crise expõem de forma escancarada como estamos desamparados. Eu ainda tenho o privilégio de estar protegida em termos práticos pelo “tio europeu”, mas lá no fundinho – quase já no raso – e em termos nada práticos, acho que ainda anseio pelo colo da pátria-mãe.

É, Pátria que me pariu… Puta que o pariu.

 

Bruna Rangel. Escritora amadora de muitas coisas, rabiscadora de pensamentos, filósofa de mesa de café”. Tenho um perfil aberto no insta tb: @wanderbru
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