“Conquistar uma multidão não é um grande truque. Basta ter algum talento, certa dose de mentiras, e um pouco de conhecimento sobre as paixões humanas.” — Søren Kierkegaard 

Artigo originalmente publicado no Medium e traduzido por Aline Brandão com autorização do autor.

“Por favor, verificadores de fatos, façam seu trabalho.” Este foi o pedido exasperado de Hillary Clinton durante seu primeiro debate com Donald Trump. Eles cumpriram seu dever: Trump foi acusado inúmeras vezes de constantes falsidades pelos verificadores de fatos profissionais. O fato mais duro de ver confirmado, no entanto, foi que todos os verificadores do mundo seriam incapazes de impedir que Donald Trump se tornasse presidente.

Uma dinâmica semelhante ocorreu na votação do Brexit em 2016 no Reino Unido. Arron Banks, um empresário britânico que gastou milhões apoiando a campanha de saída da União Europeia, explicou que sua equipe de estrategistas tomou a decisão consciente de não se importar com os fatos: “Eles disseram logo no começo que ‘os fatos não funcionam’, e assim foi. A campanha para permanecer na UE mostrava fatos, fatos, fatos, fatos, fatos. Isso não funciona. É preciso se conectar emocionalmente com as pessoas.”

E como se conectar emocionalmente com as pessoas? Contando uma história convincente. Apesar de nossas pretensões modernas de sermos racionais e movidos a evidências, a maioria dos humanos no fundo não entende o mundo através da análise desinteressada de dados, mas através de narrativas com as quais nos conectamos e que consideramos úteis. A realidade objetiva não consegue competir com um bom causo.

Pesquisadores descobriram que os fatos são ineficazes para convencer aqueles que tenham crenças enraizadas. Há evidências de que, em alguns casos, o tiro pode sair pela culatra, e a apresentação de fatos pode fazer com que as pessoas se agarrem mais ainda a ideias incorretas. Em outras palavras, a verificação de fatos pode ter até ajudado Trump. Isto é, se considerarmos que alguém chegou a saber dos fatos: um estudo recente de psicologia descobriu sinais de que, geralmente, não queremos nem ouvir o outro lado da discussão. As pessoas em todo o espectro político “têm motivações similares para evitar as informações vindas de outros pontos de vista ideológicos”.

Por que os fatos parecem influenciar tão pouco as pessoas? Perder a preocupação com a realidade pode ter sido um resultado do processo evolutivo. O cientista cognitivo Donald Hoffman argumenta que “um organismo que vê a realidade como ela é nunca será mais adaptado do que um organismo de mesma complexidade que não veja realidade alguma, mas esteja mais sintonizado em sua adaptação”. Seguindo uma linha similar, o antropólogo Robert Trivers sugere que nossa capacidade de autoengano tem vantagens darwinianas: por exemplo, “uma forma positiva de autoengano pode servir para orientar o organismo a ser favorável ao futuro”.

A mente humana não se desenvolveu para descobrir a verdade em nome da verdade; aceitamos verdades de maneira instrumental, na medida em que elas nos ajudam a navegar nosso ambiente e alcançar nossos objetivos. Se uma crença nos ajuda a fazer essas coisas, a aceitamos como verdadeira até que algo melhor apareça. Como disse há um século o pioneiro filósofo e psicólogo William James, “verdade é aquilo que funciona”.

Logo, faz sentido que, se uma crença nos ajuda a abrir caminho pelo mundo e nos traz benefícios, simplesmente dizerem que estamos errados não tenha grande sucesso em nos persuadir. Nossos poderes de autoengano são tão fortes que mesmo provas incontroversas são incapazes de convencer os crentes mais extremos. Nos anos 1950, três psicólogos sociais publicaram “Quando a profecia falha”, um estudo fundamental sobre a dissonância cognitiva entre membros de um culto. Os membros acreditavam que o fim do mundo estava próximo. Quando o apocalipse não aconteceu na data prevista, era de se esperar que eles ficassem desiludidos. Em vez disso, ocorreu o contrário: a maioria dos membros do culto se aferrou a suas crenças; muitos ficaram ainda mais fervorosos. Eles se dedicavam tanto àquilo em que acreditavam que inventaram histórias para explicar porque a profecia havia falhado. As histórias que contavam os influenciaram mais do que os eventos reais.

Como os membros desse culto, nossas tentativas de entender o mundo não nos levam a examinar os fatos, mas a contar histórias: construímos narrativas sobre o universo, sobre nós mesmos e sobre outros. Favorecemos os fatos que funcionam nas narrativas que defendemos, e tentamos desacreditar ou ignorar os fatos que contradizem nossas crenças.

Os marqueteiros de sucesso já sabem disso. Fatos por si só não vendem, narrativas sim. Por isso o guru do marketing Seth Godin declarou que “o marketing não trata mais das coisas que você faz, mas das histórias que você conta”. De acordo com um estudo, 92% das pessoas preferem comerciais que contam uma história.

Contar histórias tem impactos neurológicos potentes. Basta pensar em comerciais de sucesso: eles costumam ser memoráveis por conta de suas narrativas, e não pelo que estão vendendo. O McDonald’s não informa um monte de estatísticas sobre sua comida, eles mostram o Ronald McDonald consolando uma criança triste por não saber patinar no gelo. O comercial é bom porque conta uma história com a qual todos nós nos identificamos, e que não tem nada a ver com hambúrgueres.

Será que o sabor refrescante de uma bala Mentos ajuda a pensar em soluções inteligentes para situações constrangedoras? Não mesmo. Por acaso se hospedar na rede Holiday Inn Express faz você saber mais curiosidades gerais? Claro que não. Mas esses comerciais ficaram na memória dos norte-americanos, independentemente de sua base factual, porque nos conectamos com eles no nível emocional.

Humanos são, em sua essência, contadores de histórias: as histórias definem como vivenciamos o mundo. Como diz o diretor-executivo da empresa de marketing de conteúdo Skyword, “as histórias ajudam você a entender melhor a vida e suas complexidades e nuances… é por meio delas que vivenciamos e registramos o mundo, e é como fazemos previsões e tomamos decisões. No fundo, o cérebro é uma máquina de contar e consumir histórias”. Somos programados para acreditar em narrativas convincentes, que nos ajudem a interpretar nossas experiências e nos deem significado.

Como escreveu Virgílio na Eneida, há dois mil anos: “a confiança nas lendas é antiga.” Para nossos ancestrais, lendas sobre divindades, espíritos e monstros ajudavam a explicar o aparente caos do mundo natural. Essas histórias muitas vezes permitiam também a participação do público: os deuses podem ter seus caprichos, mas, ao desempenhar os rituais corretos, talvez você ganhe os favores deles. Dessa forma, as pessoas podiam observar um certo grau de agência.

Políticos espertos podem se aproveitar de nosso desejo por histórias que expliquem o mundo. Andrew Jackson ganhou a presidência dos EUA em 1828 fazendo campanha como alguém de fora do meio, desafiando a classe dominante corrupta da Costa Leste com seus “elitistas excessivamente instruídos que não seguem a vontade do povo”. Soa familiar?

Jackson usou uma narrativa simples para explicar os problemas das pessoas, apontando para bodes expiatórios fáceis. E então se lançou no papel de herói do povo, conquistando seu apoio. Como nos rituais sagrados do passado, pessoas que se sentiam carentes de poder conseguiram participar da história para reivindicar um senso de controle sobre suas vidas. Essas narrativas serem factualmente corretas ou não importa menos para seu apelo do que as emoções das pessoas a respeito delas —  assim como “um palhaço patinando no gelo com crianças” não precisa ter qualquer coisa a ver com hambúrgueres para que o comercial funcione.

Trump se aproveitou de nossa preferência por narrativas acima dos fatos. Ele construiu sua campanha em torno de um slogan simples e potente, “Faça a América ser grande de novo”, que mexe com as poderosas forças emocionais da nostalgia e da esperança, e ao mesmo tempo deixa os ouvintes completarem subjetivamente a lacuna do que seria esse “grande”. Os defensores de Clinton responderam que “a América já é grande” e apresentaram todo tipo de estatística sobre crime, terrorismo e a economia para embasar seu argumento. Os democratas trouxeram gráficos para um duelo de histórias.

Se os fatos por si só não têm muita força de persuasão, poderiam os progressistas criar uma história de sucesso sem ignorar completamente a realidade? Tomando uma frase emprestada: “yes, we can”.

Basta olhar para a campanha de Obama em 2008, baseada numa narrativa convincente de “esperança e mudanças”. Ele não precisou criar sua própria realidade de “fatos alternativos” para ser bem-sucedido: ele incorporou a ideia de mudança ao ser o primeiro candidato afro-americano de um grande partido, e ao se opor às trapalhadas assinadas por Bush na política internacional. Os fatos se encaixaram no contexto de uma narrativa mais ampla;  os dados reforçaram sua história. Apoiar Obama nos fez sentir como se fôssemos parte da História. Isso ajudou os eleitores a se conectarem com sua mensagem.

No marketing, as narrativas são muitas vezes bem-sucedidas porque prometem atender os desejos humanos básicos. Imagine quanto sucesso elas teriam se pudessem fazer isso de fato. Políticas progressistas têm o potencial de realizar as promessas mais loucas da publicidade: ficar hospedado no Holiday Inn Express não faz você se sair melhor em jogos de perguntas e respostas, mas ampliar o acesso à educação superior faria isso. O Ronald McDonald não faz crianças solitárias se sentirem mais amadas, mas aumentar o salário mínimo para que pais e mães solteiros não precisem ter mais de um emprego poderia resolver. A bala Mentos não salva ninguém de momentos constrangedores, mas um serviço de saúde pública universal poderia salvar sua vida.

Os fatos em si não são convincentes, mas podem ganhar poder quando contados do jeito certo. A resposta certa dos democratas para as narrativas vazias de fatos dos republicanos não é mandar as pessoas entrarem no e-Farsas, mas sim criar uma narrativa melhor —  uma que seja ainda mais potente, por ser verdadeira.

 

Andrew Hartwell é profissional de Relações Públicas e estudante de história de longa data, dedicado a políticas progressistas. Meus pensamentos representam apenas a mim mesmo.