O Palco Mundo do UIA2021RIO, o 27º Congresso Mundial de Arquitetos, recebeu as premiadas arquitetas da sua lista de keynote speakers: Elizabeth de Portzamparc, brasileira radicada na França; a alemã Anna Heringer; e Tatiana Bilbao, do México e também Marina Tabassum, de Bangladesh.

Elizabeth de Portzamparc trouxe à discussão o conceito de “Arquitetura Nexus”, que defende a conexão entre diversos elementos na hora de se pensar e fazer arquitetura. Já Anna Heringer defendeu um método de trabalho focado na justiça social e na inclusão de comunidades em projetos que podem transformar suas vidas. Tatiana Bilbao promoveu uma poética apresentação da casa como ato social, que abriga rituais para os quais a arquitetura deve sempre olhar. Por fim,  Marina Tabassum compartilhou detalhes de alguns de seus mais famosos  projetos, incluindo o da Mesquita Bait-ur-Rouf, pelo qual ganhou o Prêmio Aga Khan,

 

ELIZABETH DE PORTZAMPARC E A ARQUITETURA DE CONEXÕES

Elizabeth de Portzamparc

 

Elizabeth de Portzamparc introduziu os debates da segunda tarde de UIA2021RIO. Vencedora de prêmios como o Future Heritage Award (2016) e o Prêmio MIPIM de Design (2005), e dona de duas medalhas do Senado Francês pela carreira, a arquiteta e urbanista assina obras como o Musée de la Romanité de Nîmes (França), o Tramway de Bordeaux (França), o Hotel Les Arènes (Marrocos) e a Biblioteca do Campus Condorcet (França) – a maior biblioteca de Ciências Humanas da Europa. 

Ao público do congresso, Elizabeth apresentou o conceito de “Arquitetura Nexus”, explicando que “nexus” é uma palavra latina que é sinônimo de conexão, embora, no Brasil, o termo “nexo” seja usado para definir algo que faz sentido e é lógico. Ela é defensora de uma arquitetura de conexões, que contempla a interligação de todas as dimensões da realidade, incluindo fatores sociais, econômicos, culturais, históricos, ecológicos e científicos. Durante sua fala, explicou que a cidade se baseia em sistemas interativos e que a tradição de uma visão urbana funcionalista afeta negativamente a vida cotidiana dos habitantes. 

 

Elizabeth de Portzamparc – Biblioteca do Campus Condorcet. Foto: 2PORTZAMPARC

 

– Eu gosto da riqueza da palavra nexo, dizendo que o significado das coisas vem das relações que elas estabelecem entre si, ou seja, a ideia só faz sentido se ela mantém relações com outros assuntos. Eu uso Nexus para definir minha visão de arquitetura: tudo o que ela é e tudo o que ela contém. A arquitetura é inseparável de uma visão de mundo, comprometida tanto com a transformação social quanto com sua preservação. Como na natureza, cada edifício pertence a um ambiente com o qual deve estar em harmonia. Ele se instala, modifica e evolui com o lugar, passando a pertencer ao ecossistema com o qual irá evoluir – disse Portzamparc.

 

Elizabeth de Portzamparc – Musée de la Romanité de Nîmes. Foto: Wade Zimmerman.

 

 

ANNA HERINGER ENFATIZA A NECESSIDADE DE JUSTIÇA SOCIAL

Motivada pela crença de que a arquitetura é uma ferramenta para melhorar vidas, a alemã Anna Heringer descreveu, no UIA2021RIO, sua forma de trabalhar como sendo pautada pela sustentabilidade, pela inclusão e pela justiça social. Ao longo da palestra, a arquiteta apresentou alguns de seus trabalhos: a escola que criou em Rudrapur (Índia); Anadaloy Bangladesh, centro para pessoas com deficiências e oficina têxtil; e o Albergue Bamboo, na China. Em todos, Heringer buscou utilizar materiais que fossem favoráveis à comunidade local e ao meio ambiente. 

Para ela, a melhor estratégia para o desenvolvimento sustentável é buscar os recursos disponíveis na região, sem ficar dependente de fatores externos, valorizando materiais como terra, lama e bambu. Entre estes elementos, Heringer aponta a lama como campeã de uso, devido à possibilidade que ela apresenta de ser reciclada inúmeras vezes sem sofrer perda de qualidade; além disso, pode ser retornada ao solo e ter um jardim plantado por cima. A arquiteta também ressaltou a importância da energia humana, para que pessoas – crianças, adultos ou idosos – se envolvam na construção dos projetos, uma vez que o material usado não apresenta risco aos envolvidos. 

Anna apontou, ainda, o problema de se utilizar apenas uma estratégia de construção, que se aplica a ⅓ da população mundial, enquanto a outra parte não consegue pagar pelo uso da tecnologia. Essa diferença de poder aquisitivo entre nações não deveria, portanto, levar algumas pessoas a se sentirem no direito de consumirem mais recursos. Ela destacou que não há carência de materiais, nem de informações, mas de relações realmente boas. 

A arquiteta falou sobre a importância de um pensamento sistêmico, que considere tudo e todos os impactados pelo trabalho de um arquiteto desde o princípio: 

– Quando escolho um material, pergunto-me quem ficará com o lucro. E, no fim da minha carreira de arquiteta, quando eu estiver a somar todos os orçamentos de construção que passaram pela minha mão e pelos quais fui responsável, quero poder dizer a mim mesma que foi para os artesãos e para as pessoas, e não apenas para as grandes indústrias. 

 

TATIANA BILBAO: O FASCÍNIO PELOS RITUAIS DO ESPAÇO DOMÉSTICO

Tatiana Bilbao

Em uma poética apresentação intitulada “A casa como ato social”, a mexicana Tatiana Bilbao fechou as palestras de keynote speakers na tarde de 19 de julho. A arquiteta recordou-se da experiência de trabalhar na construção de um mosteiro, no leste da Alemanha, e de como o trabalho foi fundamental para fazê-la refletir sobre os sensos de comunidade, espiritualidade e ritual. Ela percebeu, então, como essas noções que perpassam o cotidiano de um ambiente religioso também estão intrínsecas ao espaço doméstico, sem nos darmos conta disso. 

– Fui criada para entender hábitos humanos para construir espaços sem banir rituais. Uma das coisas mais importantes que eu compreendi é que ritual significa vida, e como é importante a relação entre o indivíduo e a sua comunidade. Os monges têm uma comunidade interna, na qual todos trabalham para manter o corpo e sustentar a espiritualidade. Essas relações são escaladas dentro do mosteiro. Nós ainda não entendemos isso na comunidade, mas estamos sempre em busca desse tipo de relação. Vivemos num mundo onde tudo é privado ou público, individual ou coletivo. Esquecemos a compreensão das relações que precisamos criar e manter para nos sustentar – disse Tatiana. 

 

Tatiana Bilbao – Guatemala Tower Foto: Tatiana Bilbao Estudio.

 

A aqueles que assistiam à palestra, Tatiana levantou, então, o questionamento: “Onde a vida pode, de fato, existir nesses ambientes domésticos que criamos?”. Para ela, é papel do arquiteto ir atrás dessas conexões – não apenas físicas, mas também de uma pessoa ou família com a casa, porque isso acaba determinando toda a vida em sociedade. Desse modo, os habitantes precisam se envolver na reflexão sobre o espaço, trazendo à tona seus hábitos, sentimentos, emoções, atividades do dia a dia e estilo de vida. A mexicana crê que o que há de mais urgente na arquitetura é como ela pode se tornar uma plataforma que coloque a existência humana como centro de tudo, e não a produção. 

Tatiana Bilbao assina obras como o Central Park Mazatlan (México), a Torre de Guatemala (Guatemala) e a Monarch Sustainable Neighbourhood Angangueo (México). 

 

Tatiana Bilbao – Central Park Mazatlan Foto: Tatiana Bilbao Estudio.

 

Marina Tabassum promove debate sobre arquitetura vernacular e  aproveitamento de recursos naturais

Marina Tabassum

Natural de Bangladesh, a arquiteta Marina Tabassum foi um dos grandes nomes da arquitetura  mundial a palestrar no UIA2021RIO. Reconhecida por trabalhar a arquitetura em  consonância com o ambiente no qual a construção se situa, com atenção aos desafios impostos pelo  meio e propostas para uma ‘ecologia de sustento’, Marina comentou três dos seus projetos ao longo  da sua fala no congresso, incluindo o da Mesquita Bait-ur-Rouf, pelo qual ganhou o Prêmio Aga Khan  em 2016. 

O projeto da Mesquita Bait-ur-Rouf foi reconhecido por desafiar o padrão arquitetônico de mesquitas  e ser um respiro no caos urbano da cidade de Dhaka, capital de Bangladesh. No entanto, o que mais  chama a atenção é o uso da luz natural, que é a única forma de ornamento na construção: 

As mesquitas atualmente vistas em Dhaka e em outros lugares de Bangladesh mostram um grande  declínio na tradição arquitetônica, sem nenhuma qualidade de espaço e nenhum senso de  espiritualidade. Me senti atraída a Hagia Sofia ou à Mesquita de Córdova para obter inspiração por  conta da qualidade da luz do dia, que evoca um senso de espiritualidade conta a arquiteta. – O  orçamento foi muito modesto. Por isso, o projeto permanece elemental e a luz age como único  ornamento.  

 

Mesquita Bait-ur-Rouf

 

Como resultado de uma pesquisa sobre as comunidades e vilarejos nômades que vivem no estuário  do Rio Ganges e se mudam a cada estação por conta das enchentes, Tabassum também desenvolveu  casas modulares com fácil montagem e desmontagem para atender às demandas da realidade do  local. Os módulos eram inteiramente construídos com bambu, palha e conectores de metal.  

 

 

Outro projeto, desta vez nos Sundarbans, o maior mangue arbóreo do mundo, lar do tigre-de-bengala,  foi a construção do Panigram Resort, totalmente integrado à natureza e comunidades locais. O  projeto ganhou vida com base na organização dos elementos que compunham os vilarejos e com  técnicas de construção milenares de uso de lama e adubo, aprendidas com os próprios aldeões: 

Com conhecimento local e uma linguagem arquitetônica que não é um mistério, o projeto cresceu  firme e forte. Com vilas locais como referência, criamos pátios e cabanas que refletem a relação  simbiótica entre a natureza e o homem. Ao mesmo tempo, ajudou a gerar uma economia local que  beneficiou os vilarejos próximos. 

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