Em tempos de quarentena, por que não aproveitar para pensar nas nossas escolhas literárias? Quem tem a possibilidade de se isolar em casa, deve estar se dividindo entre Netflix, Big Brother, encontros por Skype, lives, redes sociais e leituras. Sim, há também os que não resistem a uma boa leitura. Apesar de todas as outras distrações, o livro ainda resiste firme e forte nas nossas preferências. Ele ainda não saiu de moda, não é mesmo?

Então, cara leitora, vamos aproveitar este momento para falar de literatura feita por autoras negras. Você já parou para pensar em quantas autoras negras você já leu em toda a sua vida de leitora? Já sei, você não escolhe o livro pela capa, também não acha que isso é relevante, porque o que importa é a literatura. Sinto te informar, mas esse argumento seria completamente aceitável se o Brasil não fosse um país racista, ou seja, se não invisibilizasse pessoas negras em todas as áreas do conhecimento por conta da cor de sua pele. País este que viola os direitos de existir humanamente de mais de 54% da população brasileira. Portanto, é fundamental que o leitor se pergunte por que nunca teve acesso a obras escritas por autoras negras, ou por que ele mesmo nunca parou para pensar sobre suas escolhas literárias.

A pergunta chama a atenção porque, de alguma forma, expõe o problema racial no Brasil, neste caso específico, que reflete nas escolhas literárias. O Racismo Institucional impede que as obras dessas autoras estejam, por exemplo, nos acervos das bibliotecas do país, por desconhecimento e desinteresse por parte dos/das profissionais da área e de todos os meios pelos quais são formados, pois o Racismo Institucional acontece quando existe tratamento diferenciado entre negros e brancos dentro das organizações, empresas, associações etc… de forma a privilegiar um, no caso, pessoas brancas, em detrimento de outros, pessoas negras.

As autoras negras existem, gente! Estão vivas e produzem muita literatura, mas, por conta do racismo, as  obras acabam não circulando nos espaços literários. Estão de forma praticamente invisíveis nas livrarias, nas feiras e eventos literários, editoras e bibliotecas. Por isso que, sabendo dessa realidade, surgiu, em 2016, em um curso de Biblioteconomia da ETEC Parque da Juventude em São Paulo, o projeto Mulheres Negras nas Biblioteca, iniciativa de quatro alunas, Carine Souza, Iara Moraes, Laís Souza e Andreza Lima, as únicas negras de uma sala  com 40 alunos. Elas observaram que não havia obras de autoras negras dentro da biblioteca dessa instituição, então, resolveram promover uma ação para angariar livros de autoras negras por meio das redes sociais e, também, uma campanha de incentivo à leitura dessas obras, que passaram a ser as mais procuradas para empréstimos no acervo da escola.

MulheresNegrasNaBiblio

Após essa experiência, veio a defesa do TCC: A importância da inclusão de obras autoras negras nos acervos das bibliotecas públicas municipais de São Paulo. Durante a pesquisa, as estudantes depararam-se com a escassez de obras de autoras negras em praticamente todas as bibliotecas públicas da cidade e com uma preocupante falta de consciência dos/as responsáveis . O grupo então passou a refletir sobre os problemas graves dessa realidade, como, por exemplo, entre outras consequências, a interferência negativa que isso exerce no processo de construção da identidade de mulheres negras, uma vez que a maior parte das histórias contadas por autores cujas obras estão disponíveis nas bibliotecas retratam essas mulheres de forma estereotipada.

Hoje, com três anos de atividades, o projeto vem se destacando na capital paulista, como uma ação efetiva na formação de público leitor de obras de escritoras negras. Para isso, desenvolve ações como: clubes de leitura; oficina de cadernos, inspirada na história da escritora Carolina Maria de Jesus; oficina de poesia para crianças; roda de conversa; bate-papo com escritoras; contação de histórias, roda de poemas e palestras sobre Quantas Autoras Negras Você Já Leu?. Além do ambiente da biblioteca, essas atividades acontecem em espaços culturais, escolas e universidades, também em congressos e fóruns voltados para o público de biblioteconomia.

Portanto, não basta apenas apontar e denunciar o problema, é urgente e necessário agir de forma efetiva para educar e reeducar a população sobre os impactos do racismo na vida de pessoas negras. A literatura feita por essas autoras pode contribuir para diminuir o racismo, porque o/a leitor/a tem a oportunidade de conhecer o ponto de vista dessas autoras sobre a sua própria realidade. E a biblioteca como um espaço público e democrático, deve estar comprometida com as demandas da sociedade e responder de forma responsável e eficaz pela cidadania da maior da população.

Por isso, leiam autoras negras e, quando a quarentena acabar, peçam-nas nas bibliotecas, nas livrarias, feiras e eventos. Isso ajuda os responsáveis por esses espaços entenderem que há uma demanda por essas obras, e que autoras negras existem.

 

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