Ontem recebi um presente lindo. Mesmo eu tendo comprado, foi um presente em cadeia. Começou com uma grande amiga que me falou sobre o livro e me fez lembrar algo que já tinha visto no instagram sobre ele, e continuou com um envelope pardo que eu recebi ontem. Ao abrir o envelope, me deparei com o livro “O Peso do Pássaro Morto” e me lembrei que de fato havia pedido o livro à própria autora. Lembrei que não tinha feito a transferência. Fiz e enviei uma mensagem agradecendo. Abri o livro e vi uma dedicatória simples, amorosa, em parte determinista e em parte otimista ¨Sam, querer um livro faz o livro chegar até você. Bom encontro com amor, Aline Bei. Primavera, 2019¨. Essas eram as palavras. A forma, tão bela e tão dela, nesse primeiro momento não me chamou a atenção. A minha filha corria para rasgar o envelope e eu tentava salvar o livro. Ela queria desenhar e para ela, de fato e sempre, querer um desenho faz o desenho. A força que a Aline via já estava ali na minha cara. Deixei o livro.

Mais tarde com a bebê já dormindo, e o marido em um evento do trabalho, me vi só com o livro e, apesar de cansada, resolvi dar uma olhada. Sem volta. Aí a primeira coisa que me chamou atenção foi a forma. Será estranho ler assim prosa em poesia com pontuação subjetiva? Não foi. Poderia ser a única forma de ler, de tão natural que foi. Se eu não soubesse das outras, não saberia. Passado esse primeiro questionamento, me vejo completamente envolvida pela forma de pensar de uma menina de oito anos, cheia de curiosidade, amor e imaginação, na simplicidade e pureza da idade. Era o início da história dela que nos é apresentada como flashs de acontecimentos em idades específicas: 8, 17, 28, 37, 48, 49, 50 e 52.

Poderia dizer que em “O Peso do Pássaro Morto” acompanhamos a vida dessa mulher, mas o que de fato acompanhamos é a morte dela. A primeira facada no coração vem do destino: é a perda da inocência, a expulsão do paraíso, aquele momento em que nos damos conta da finitude e da nossa total impotência perante a vida. Ela se vê só e menos que só: falta pedaço. Pedaço esse que fica maior depois que falta, tal como, perceberia mais tarde, as coisas quando são tiradas dos seus lugares. A outra grande facada é funda e corta literalmente na carne, para além do coração. Tem o ímpeto da opressão, do machismo, do abuso, da humilhação e o peso dos sentimentos mais pesados e arrastados: a culpa. Com a culpa, doença da alma ainda maior: o segredo. A nossa menina culpada, humilhada, violentada e com menos pedaços escolhe sem saber sabendo o fruto pela árvore. Para não matar, ela morre. Quantas de nós? E quantas vezes? E nessa vida moribunda de culpas acumuladas e amor roubado, o desejo é adiado. A falta vira todo e sem o querer nada vem.

A nossa menina desconfia de amores longos mas conserva a lembrança aquecida de Natais em família sem mortos e sabe bem o que realmente importa na vida. Ela também sabe que não ver alguém podendo ver dói menos do que dói não ver alguém por não existir mais. Ou o alguém ou o motivo. Ou por nunca ter existido, entre elos e abismos. Mas ela morre de medo de borboletas. Não renascer é um fardo que só quem vive no casulo conhece.

Termino o livro com a nossa menina enfim livre após a última facada e eu atônita pensando e sentindo gratidão. Em “O Peso do Pássaro Morto”, Aline nos presenteia com uma prosa feminista e feminina em forma e essência, que não faz concessão a qualquer imposição que nos masculiniza e brutaliza. Ela nos lembra que força e delicadeza andam juntas. Nunca soube que socos pudessem vir em forma de poesia carinhosa. Mas de fato muitas vezes viver mulher é sobre isso: ressignificar porradas. Obrigada, Mary, por ter sido o passarinho que me contou. Obrigada, Aline por tanta beleza.

 

Sam Moura. PhD em Direito pelo Instituto Universitário Europeu em Florença, mãe, psicanalista em formação, sempre atenta a questões sobre o aquele mínimo que é necessário universalizar para que floresça o singular. Blog www.dumbigopralem.com e Instagram @dumbigopralem.

 

Título: “O Peso do Pássaro Morto”

Capa comum: 168 páginas

Editora: Nós (1 de junho de 2017)

Idioma: Português

ISBN-10: 8569020236

ISBN-13: 978-8569020233

Dimensões do produto: 19,2 x 13,2 x 1,2 cm

Peso de envio: 222 g

Avaliações dos clientes: 4,8 de 5 estrelas

 

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