Créditos da imagem: Daiene Mendes

Você sabia que em 25 de julho é celebrado o Dia da Mulher Negra Latina Caribenha? Pois é! Criada em 1992 a partir do movimento dessas mulheres, a data foi oficializada apenas em 2014 pela Câmara dos Deputados e hoje faz parte oficialmente do calendário comemorativo brasileiro, ainda que muita gente não saiba disso.

O dia homenageia também Tereza de Benguela, uma líder quilombola mato-grossense que é símbolo da resistência negra no Brasil colonial. A mulher, que viveu no século XVIII, foi companheira de José Piolho – chefe do Quilombo do Quariterê – nos arredores de Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso.

Com a morte do seu companheiro, Tereza assumiu o comando da comunidade e liderou levantes de negros e índios em busca da liberdade. Ainda assim, nem todos sabem da importância dessa figura, apesar dela ser comparada ao líder negro Zumbi dos Palmares, a “Rainha do Pantanal” do período colonial. Para homenagear o dia, conversamos sobre a vivência da mulher negra no Brasil e a importância da representatividade com Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil e fundadora da ONG Criola. Confira abaixo!

O que significa ser uma mulher negra atualmente no Brasil? 

Jurema: Eu estava lendo uma entrevista que foi publicada na Revista Fórum com uma historiadora chamada Luana Tolentino, uma mulher negra, que já recebeu medalha, é importante lá em Minas Gerais, mas que foi parada por uma mulher branca que perguntou para ela: “Você faz faxina?”. Ela respondeu: “Não, faço mestrado”. Eu acho que ser mulher negra é um pouco isso, sempre ter que estar firmando um lugar que não é aquele cristalizado da escrava trabalhando na casa grande.

Fora isso, ser mulher negra é andar para frente, lutar contra o racismo todos os dias, esse racismo que é sexista e inferioriza muito mais as mulheres do que os homens. É ser além do que o estereótipo imagina que é, afinal, parte da sociedade ainda espera que a gente fique no papel de faxineira, mas a verdade é que a gente continua tentando ser o que a gente quiser. Como a Luana, nós podemos fazer mestrado, podemos fazer outras coisas. Podemos, inclusive, fazer faxina, mas firmando nossos direitos.

Ainda que 8 de março seja marcado pelo Dia das Mulheres, por que é importante existir uma segunda data, voltada para as mulheres negras, latinas e caribenhas?

Jurema: É uma oportunidade de chamar atenção sobre a desigualdade e as diferenças que existem entre as mulheres. O Dia da Mulher Negra chama atenção porque, se falarmos genericamente sobre as mulheres, muita coisa acaba ficando de fora. As mulheres negras, as indígenas, as ciganas, as lésbicas, as trans, elas não vivem igualmente no Brasil, não têm a mesma condição de uma mulher branca de classe média, por exemplo. É um jeito de mostrar essa diferença e reverenciar uma luta que já é antiga. As mulheres negras estão em luta nas Américas e no Caribe muito antes de existir o 8 de março.

Você acredita que as mulheres negras se sintam contempladas pelo 8 de março? 

Jurema: As mulheres negras ajudaram a construir o 8 de março. Eu sempre participei das atividades da data, sempre participei do desenvolvimento e da coordenação dessas atividades. Então, sim, as mulheres negras são parte do dia, mas nós nunca deixamos de apontar o racismo que existe na vida das diferentes mulheres. Somos parte, mas eu acho que o movimento feminista como um todo tem muito o que refletir, muito o que aprender em relação ao enfrentamento do racismo.

A luta dessas mulheres ainda difere muito das mulheres brancas? 

Jurema: As lutas sempre foram diferentes porque as mulheres negras chegaram escravizadas nessa região do mundo, tiveram que lutar contra a guerra e a captura no continente africano, lutar em relação a sobrevivência e a violência na travessia transatlântica e lutar para poder viver, sobreviver e constituir comunidade, família, história, cultura, aqui nesse novo lugar. Isso significava lutar para derrubar o regime da escravidão, lutar para construir quilombo e todo o tipo de organização que aconteceu nesses anos. A luta sempre foi diferente! Continuamos lutando pela sobrevivência, contra o racismo, continuamos lutando pelo direito de existir com cidadania integral na sociedade brasileira. É diferente porque as mulheres têm histórias diferentes, somos diferentes mulheres, não existe essa homogeneidade entre nós. Se perguntar para as lésbicas, para as negras, para as indígenas, para as ciganas, você vai ver que sempre foi diferente.

A data foi oficializada em 2014. Você acha que existiu algum avanço na luta contra o machismo e o racismo desde então? 

Jurema: A data foi criada pelo Movimento de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas em 1992, porque em 25 de julho desse ano foi o encerramento do primeiro encontro dessas mulheres. Desde então, esse dia tem sido celebrada pelas organizações de mulheres negras do Brasil inteiro e fora do Brasil.

Desde que a data foi instituída muita coisa mudou, tanto para melhor quanto para pior. Mas acho que a visibilidade que a luta das mulheres ganhou nesse período é uma mudança dessas mudanças positivas.

25 de julho também é Dia de Tereza de Benguela. Por que é importante exaltar símbolos da luta negra? 

Jurema: É importante porque elas existiram. Tereza de Benguela foi uma liderança do Quilombo de Quaritere no Mato Grosso e foi muito importante na derrubada do regime da escravidão, que mudou a história do Brasil, mas muitas pessoas nunca tinham ouvido falar nela, ou pouca gente tinha. Junto com Tereza, temos várias outras figuras. É preciso que a gente reconheça que elas existiram, que elas foram importantes e que elas são importantes até hoje. As meninas e as mulheres negras precisam saber que são herdeiras de pessoas desse tipo.

Você acha que precisamos apontar ainda mais mulheres negras como nossos símbolos? Pode citar algumas? 

Jurema: Temos várias, a história está cheia de nomes, o momento que vivemos está cheio de nomes. Certamente existem muitas que pouca gente conhece, mas é preciso lembrar que essas pessoas estão garantindo a sobrevivência da comunidade negra em um ambiente bastante racista. Então, sim, é preciso celebrar essas mulheres. Precisamos buscar os nomes delas, as suas imagens e contar suas histórias.

Qual o maior obstáculo para a mulher negra, latina e caribenha? 

Jurema: O racismo patriarcal heteronormativo. O racismo é o obstáculo, determina qual posição as pessoas ocupam na sociedade nessa região. Por isso é importante que o movimento de mulheres como um todo compreenda. A diferença entre mulheres brancas e mulheres negras é maior que entre uma mulher branca e um homem branco e é maior que entre uma mulher negra e um homem negro. A raça é uma linha de corte. Enquanto isso não acabar, enquanto os movimentos sociais não enfrentarem o racismo, a gente vai continuar tendo desigualdade. 

 

Ana Clara Barbosa